| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 340 - 9 a 22 de outubro de 2006
Leia nesta edição
Capa
Serra
Cartas
Gripe aviária
Diabetes
Fármaco para diabete
Embalagem para plantar
40 anos
Exercício físico e apetite
Hipertensão e calvície
Almeida Júnior
Contaminação
Resíduos perigosos
Painel da semana
Livro
Teses
Portal Unicamp
WiMax
Dentes
 

2

Colegas e ex-alunos de José Serra no Instituto de
Economia relembram seu perfil acadêmico

A Unicamp na trajetória
de um governador eleito

José Serra, que chegou à Unicamp em 1978: professor de estilo discreto, mas que não dava moleza para os alunos Janeiro de 1978. Após catorze anos no poder, a ditadura militar dá sinais de declínio. A Justiça responsabiliza a União pela morte do jornalista Vladimir Herzog e, ainda no mesmo ano, o então presidente Ernesto Geisel revoga o AI-5. Exilado desde 1964 por conta de sua atuação à frente da União Nacional dos Estudantes (UNE), o economista José Serra – governador eleito de São Paulo nas eleições de 2006 – prepara-se para voltar ao Brasil. E é pelas portas da Unicamp, na qualidade de professor, que pretende retomar a vida em seu país.

Embora a pena de prisão imposta pela ditadura houvesse prescrito naquele ano, o reingresso no mundo acadêmico brasileiro não seria de todo tranqüilo. Arestas tiveram de ser aparadas. Serra constara de listas negras da USP desde o tempo de estudante da Escola Politécnica, estivera exilado no Chile de Allende e, com a ascensão do ditador Pinochet em 1973, refugiou-se nos Estados Unidos, onde fez carreira acadêmica. Em 1977, podia ser encontrado na Universidade de Princeton como professor visitante. Os economistas da Unicamp, liderados por João Manuel Cardoso de Mello, ansiavam pela contratação do colega, mas o processo estava parado na gaveta do coordenador dos Institutos, o físico Sérgio Porto, que tinha birra com os intelectuais de esquerda.

“Aposto que ele é igualzinho a vocês”, pilheriou o físico. “Sim, igualzinho”, ironizou João Manuel. Porto resolveu colocar o peso do cargo para encerrar a queda de braço: “Não vou recomendar”. E advertiu o grupo para admitir professores de outra linha ideológica. “Por que só gente de esquerda?”, provocou. Contrariado, João Manuel ameaçou armar um escândalo em torno do que considerou a interdição moral de um docente, e o físico mais que depressa desengavetou o processo. Serra foi contratado, segundo João Manuel, “sem solavancos”.

Aos 36 anos, José Serra assumiu aulas na graduação e na pós-graduação, ensinando Economia Política, Política e Programação, Análise Macroeconômica, Economia Brasileira e Teoria Econômica. Àquela altura, já era mais que um simples professor. Sua convivência com economistas heterodoxos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), que fazia contraponto aos monetaristas da chamada “Escola de Chicago”, estimularia a produção de trabalhos que constam até hoje na lista de textos básicos.

Um deles, o conhecido Além da Estagnação, escrito em colaboração com Maria da Conceição Tavares e publicado em 1970, se tornaria um clássico do pensamento desenvolvimentista latino-americano. Na ocasião, predominava na Cepal a visão – expressa por Celso Furtado, por exemplo – de que as economias da América Latina, em especial a brasileira, apresentavam uma tendência à estagnação. O texto publicado faz uma crítica a essa interpretação, alegando que o declínio das taxas de crescimento da economia brasileira na ocasião não representava uma tendência persistente à estagnação, mas apenas uma crise episódica, que poderia ser superada.

Em 1981, três anos após entrar para os quadros da Unicamp, Serra publicaria outro importante trabalho: Ciclos e mudanças estruturais na economia brasileira do pós-guerra. Nele, o autor descreve e analisa as principais tendências e transformações da economia brasileira no período posterior à Segunda Guerra Mundial. “É um texto de referência”, observa Paulo Baltar, professor e ex-diretor do Instituto de Economia, e colega de Serra no início da década de 1980. A produção inclui outros trabalhos de relevância acadêmica, abordando temas gerais como A trajetória do desenvolvimento brasileiro de JK aos anos 80, e outros mais específicos, como sistema tributário e saúde.

Em 1983, Serra se licenciou da Unicamp para assumir o cargo de secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo no governo Franco Montoro (1983-1987). Na seqüência, foi eleito deputado federal e senador, nomeado ministro do Planejamento e da Saúde, e escolhido prefeito de São Paulo. A mudança para a esfera política não chegou a causar surpresa entre os alunos do até então professor. “Já naquela época ele gostava de debater política”, recorda Claudio Dedecca, aluno de Serra na graduação e hoje n o corpo docente do Instituto de Economia.

“As aulas eram muito participativas e não era raro ocorrer debates”, conta Dedecca. Segundo ele, um dos principais traços de Serra como professor era a clareza e a organização. “Ele era muito metódico e as aulas bem esquematizadas”, lembra. Em contrapartida, exigia bom desempenho. As provas eram dissertativas e a avaliação rigorosa. “Ele não dava mole para ninguém”. Apesar do rigor, a relação com a turma era amistosa e informal. “Como ele não dirigia, vivia pedindo carona aos alunos na volta para casa”.

O mesmo perfil é descrito pelo professor Waldir Quadros, aluno de Serra no mestrado e atual secretário municipal de Cidadania, Trabalho, Assistência e Inclusão Social em Campinas. “Nos debates em classe, ele era muito convicto de seus pontos de vista”, afirma. “E sabia defendê-los”, completa. O estilo discreto, pouco exuberante, citado como uma das marcas registradas de Serra, foi logo assimilado pelos estudantes. “Era o jeitão dele mesmo”. Na pós, entre os alunos de Serra figurariam Aloizio Mercadante, Antonio Kandir e Plínio Soares de Arruda Sampaio Júnior, entre outros nomes.

Nem mesmo a carreira política interrompeu o viés acadêmico de José Serra. Na verdade, foi a vida de estudante que despertou o militante político. Sua trajetória teve início aos 18 anos, quando ingressou no curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica da USP, que não chegou a concluir. Nesse período, foi presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1963. Com o golpe militar de 1964, exilou-se na Bolívia, no Uruguai e, em seguida, no Chile, onde fez o curso de Economia da Cepal, em 1966, especializando-se em Planejamento Industrial. Fez mestrado em Economia pela Universidade do Chile (1968), da qual foi professor entre 1968 e 1973. Em 1974, o mestrado e o doutorado em Ciências Econômicas na Universidade de Cornell, Estados Unidos. Também figurou como membro do Institute for Advanced Study, de Princeton.

As derrotas na política funcionaram como estímulo ao desenvolvimento intelectual. Quando perdeu a disputa presidencial em 2002, tirou um período sabático em Princeton, nos Estados Unidos, onde se dedicou a estudar teorias de desenvolvimento. “São paradas estratégicas de reflexão”, disse ele na época. De certa forma, essa tendência de manter-se ligado à esfera acadêmica talvez expresse o desejo de preservar as próprias raízes. E, embora já não exista o que se poderia chamar de pensamento da Cepal, há, segundo João Manuel Cardoso de Mello, pessoas que pensam criativamente a partir da herança cepalina. “José Serra é uma delas”, garante o economista que trouxe o governador eleito de volta ao Brasil.


SALA DE IMPRENSA - © 1994-2006 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP