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200 anos de história do livro no país
Por meio de coletânea de ensaios, obra ganhadora
do Jabuti traça a trajetória do impres
so no Brasil,
desde a chegada da Família Real

MANUEL ALVES FILHO

Até a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, a impressão de livros era proibida no país. As obras escritas por autores nacionais até podiam circular por estas plagas, mas tinham que ser confeccionadas no exterior, mais frequentemente em Portugal. Esses e outros aspectos relacionados à história da imprensa no Brasil estão relatados no livro Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros, vencedor do prêmio Jabuti 2011 na categoria Comunicação. A obra, que conta com 40 autores, foi coorganizada pela professora Márcia Abreu, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. O outro organizador foi o professor Aníbal Bragança, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Na entrevista que segue, Márcia Abreu fala de como o livro foi pensado e produzido e dos temas nele abordados. Também faz uma revelação curiosa. Segundo ela, a primeira tipografia brasileira, denominada Impressão Régia, produzia documentos oficiais, mas também volumes populares, o que indica o interesse dos brasileiros pela leitura desde o período colonial.

Jornal da Unicamp – Como a senhora recebeu a notícia da conquista do Jabuti?

Márcia Abreu – Recebi a notícia da premiação com alegria. Na verdade, duas alegrias. A primeira foi o livro ter sido selecionado entre os dez finalistas. Isso já foi um importante reconhecimento ao trabalho, visto que são centenas de obras publicadas anualmente na mesma categoria. A segunda foi obviamente a premiação, pois estávamos concorrendo com livros muito bons.

JU – Como surgiu a ideia do livro?

Márcia Abreu – A ideia do livro era comemorar os 200 anos da imprensa no Brasil, completados em 2008. A gente começou a preparar o livro dois anos antes pensando nisso. Entretanto, enfrentamos alguns percalços, o que fez com que ele fosse lançado em 2010. A ideia do livro é apresentar a trajetória da imprensa no Brasil, que começa em 1808 com a chegada da Família Real e com a criação da Imprensa Régia no Rio de Janeiro. Antes, era proibido imprimir no Brasil. A autorização para funcionamento da primeira tipografia no país ocorreu somente depois da vinda de D. João VI.

JU – Mas, anteriormente, havia produção de impressos no país, não?

Márcia Abreu – Tem um capítulo no livro que trata de uma tipografia anterior à chegada da Família Real – a de Antonio Isidoro da Fonseca –, mas ela funcionava clandestinamente. Ela publicou dois ou três volumes, mas foi logo fechada pelas autoridades de então. Antes de 1808, quem quisesse publicar um livro tinha que encomendar a produção para tipografias em Portugal. Era preciso enviar o manuscrito para lá, a impressão era providenciada e os exemplares impressos remetidos para o Brasil.

JU – Havia censura, então?

Márcia Abreu – Existia censura. Mas ela não era tão severa como se imagina. Algumas coisas eram proibidas, mas a maior parte dos pedidos era autorizada. Então, criou-se o seguinte cenário: o livro não podia ser impresso no Brasil, mas podia circular no país, desde que tivesse sido produzido fora. A Coroa Espanhola, por exemplo, não teve esse mesmo comportamento. Ela permitiu a instalação de tipografias em suas colônias desde logo. Curiosamente, Portugal autorizou a instalação de uma tipografia em Goa, outra colônia sua. O problema da Cora Portuguesa era com o Brasil. Algumas pessoas dizem que era economicamente mais viável publicar fora do que aqui. Do contrário, seria preciso importar papel e ter mão de obra especializada. Na época, a venda de livros se dava, sobretudo, através do litoral brasileiro. Então, era prático receber os livros de Lisboa e distribuí-los pelos portos brasileiros.

JU – Quando os primeiros livros começaram a ser efetivamente impressos no Brasil?

Márcia Abreu – Os primeiros livros começaram a ser produzidos em 1808 mesmo. Quando D. João VI chegou, ele logo percebeu que não conseguiria administrar todo o reino de não tivesse uma tipografia perto de si. Então, ele mandou instalar rapidamente os equipamentos tipográficos, que vieram com ele nas naus. Vieram também trabalhadores qualificados para operá-los. Assim, em maio de 1808 as máquinas já estavam funcionando. A ideia de D. João era imprimir documentos oficiais: editais, avisos, ordens régias etc. No tempo livre, a tipografia poderia produzir para terceiros. Logo, algumas pessoas começaram a encomendar publicações. Em 1808, começaram a ser impressas obras poéticas e, em 1810, começaram a ser produzidas os primeiros romances.

JU – Que tipos de livros eram publicados nesses primórdios?

Márcia Abreu – Isso é um caso interessante porque, quando pensamos em literatura, logo nos ocorrem as altas obras da literatura erudita. Isso também foi publicado no início. Mas um livreiro chamado Paulo Martim logo percebeu que ele poderia ganhar dinheiro com a atividade e passou a publicar pequenos romances em folhetos muito finos. Então, essa primeira tipografia produziu ao mesmo tempo documentos oficiais e literatura popular, republicando títulos que circulavam em Portugal e possivelmente fariam sucesso aqui. Esses volumes normalmente eram impresso em papel barato e não contavam com capa. Até 1821, apenas a Impressão Régia podia publicar no país. Depois, a autorização foi aberta para outros lugares. A primeira tipografia particular foi instalada na Bahia, por Manoel Antonio da Silva Serva, fato que é abordado em um capítulo do nosso livro.

JU – Ou seja, pelo que a senhora está dizendo, o brasileiro demonstrou interesse pelo livro desde logo. É isso?

Márcia Abreu – Essa pergunta é interessante. Muitas pessoas dizem que não há interesse pelo livro no Brasil. Quando a gente mostra que naquele período já havia interesse, aí elas dizem que isso se concentrava no Rio de Janeiro. O nosso livro, porém, mostra que isso não é verdade. Rapidamente as tipografias se espalharam pelo país. Há textos na obra falando de tipografias em Pernambuco, Paraíba, Manaus, Rio Grande do Sul, já no século XIX. Ou seja, assim que se tornou possível, as pessoas começaram a se movimentar para instalar tipografias em seus municípios e imprimir coisas de interesse da sociedade local. Esses polos de leitura e produção de impressos estavam em todas as importantes cidades brasileiras.

JU – Esse dado não parece ter conexão com a avaliação atual de que o brasileiro lê pouco.

Márcia Abreu – Quando falamos de baixo índice de leitura no Brasil de hoje, isso não é totalmente correto. A gente fala isso como um chavão, que vai sendo repetido. Essa questão também é abordada no nosso livro. Nele, há uma análise da série Harry Potter e também das obras de Paulo Coelho, que são fenômenos de vendagem com milhões de exemplares vendidos. Tem também análises dos livros que realmente movimentam a indústria editorial brasileira, que são os livros didáticos. O governo federal tem uma enorme participação nisso, pois compra essas obras para depois distribuí-las gratuitamente nas escolas públicas. Então, a gente tem que analisar os dados com muito cuidado. Dizer que no Brasil ninguém quer ler não explica o sucesso no país desses best sellers. No Brasil, o livro de fato ainda é caro para boa parcela da população, mas as pessoas encontram formas de ter acesso aos livros.

JU – Quem eram os leitores brasileiros no início do século XIX?

Márcia Abreu – Agora você fez possivelmente a pergunta mais difícil de ser respondida. O que a gente consegue saber é quem eram os tipógrafos, os escritores, os livreiros e o que eles publicavam. Encontramos catálogos e outras fontes que nos dão essas informações. Agora, quem lia tudo isso – e porque lia - continua sendo um grande mistério. Quando descobrirmos, isso talvez isso valha um Nobel! Mas dá para ter algumas pistas. O nosso livro traz algumas análises a respeito. Por exemplo: temos dados de inventários de pessoas que morriam e deixam seus bens para parentes e amigos, entre eles livros e até bibliotecas inteiras. Tem pesquisadores que examinam esses inventários e tentam imaginar como eram os donos originais e as razões que os levaram a comprar tais volumes. É uma pista, mas tem limites. Afinal, nem todos os livros que temos em casa nós já lemos, não é? Alguns títulos ficam eternamente na estante. Em contrapartida, nem todos os livros que lemos estão dentro de nossas casas. Tem coisas que lemos emprestadas etc. Esse tipo de inventário ajuda, mas não resolve a questão de quem eram os leitores. Identificar quem lê e saber como se lê continua sendo um grande mistério.

JU – A constituição de bibliotecas públicas e particulares foi uma consequência imediata da possibilidade de impressão no país?

Márcia Abreu – Uma coisa importante é deixar claro que houve a disseminação do impresso pelo país como um todo. Isso contribuiu para a constituição de bibliotecas públicas e particulares. Foi criado também o chamado Gabinete de Leitura. Eles eram mantidos grupos de pessoas – por associações de imigrantes, por exemplo –, que resolviam montar bibliotecas de acesso público, mas de constituição privada. Era quase como uma videolocadora de hoje. A pessoa fazia uma ficha, pagava uma taxa e tinha o direito de retirar determinado número de livros por mês. Isso fez um enorme sucesso no Brasil. E os livros mais retirados eram os romances, que constituíam o grande sucesso do século XIX.

JU – Quando foi impresso o primeiro jornal no país?

Márcia Abreu – O primeiro periódico foi publicado no Brasil em 1808, intitulado Gazeta do Rio de Janeiro, produzido pela Impressão Régia. A partir de 1821, acaba a censura prévia e ocorre uma proliferação enorme de jornais, em todos os pontos do país. A maior parte das publicações, porém, era efêmera. Tinha de tudo. Alguns eram favoráveis e outros contrários aos portugueses, por exemplo.

JU – Os jornais passaram a ser um espaço privilegiado para que alguns literatos, como Machado de Assis, publicassem seus textos, não?

Márcia Abreu – No século XIX, o jornal era o grande veículo. Muitas pessoas já fizeram estudos sobre os folhetins, que eram aquelas narrativas publicadas em pedaços. Machado de Assis fez muito isso. Isso era uma boa estratégia para vender jornal. As pessoas ficavam presas naquela narrativa durante meses ou anos para saber como a história terminaria. É mais ou menos o que acontece hoje em relação às telenovelas. A partir disso fica difícil imaginar que as pessoas não tinham interesse pela leitura na época. Tem também as crônicas que alguns literatos escreviam e que depois eram compiladas em livros. Naquela época, publicavam-se também poesias nos jornais, o que não vemos frequentemente hoje.

JU – Quando surgiu a questão do direito autoral?

Márcia Abreu – Esse tema também é abordado em nosso livro. Até muito tardiamente não havia direito de autor. Se uma pessoa publicava um livro, ela não tinha qualquer garantia de que receberia parte do dinheiro obtido com as vendas. O dinheiro podia ficar inteiramente com o livreiro. Às vezes, o livreiro até cobrava para fazer a publicação. Um dos primeiros meios de vida dos letrados foi trabalhar em jornais, alguns deles em várias publicações ao mesmo tempo. Alguns poucos conseguiram viver de literatura. O lugar social do letrado ainda não estava bem estabelecido na época, tampouco a remuneração por seu trabalho. Um dos empreendimentos que eles fizeram para mudar isso foi a fundação da Academia Brasileira de Letras, tema também abordado em nosso livro. O objetivo da iniciativa era defender o papel social dos letrados. E o argumento usado era de que eles defendiam a língua e a literatura nacional, o que contribuía para fortalecer o sentimento de identidade nacional dos leitores.

JU – Antes, então, não havia qualquer garantia para o autor?

Márcia Abreu – No século XVIII, os autores tinham que pleitear algo que se chamava Privilégio Real. Eles escreviam para o rei e argumentavam que a produção do livro deu muito trabalho e que consumiu quase todos os seus recursos. E pediam autorização para ter direito sobre a venda da obra por dez anos, por exemplo. O rei dizia sim ou não. De posse dessa autorização, o interessado procurava o tipógrafo, que, algumas vezes, também cumpria o papel de livreiro, para imprimir o livro. Se a empreitada era bem-sucedida e a obra vendia bem, o autor podia pleitear uma renovação do privilégio por mais algum tempo, que também podia ou não ser atendida. Isso colocava dificuldades tanto para os escritores quanto para os impressores, que lutaram pelo estabelecimento dos direitos autorais. O início do direito autoral foi na Inglaterra e na França, no século XVIII. Isso demorou a chegar ao Brasil. Teve muita discussão ao longo do XIX. Havia uma corrente que achava que o autor não deveria receber, dado que o principal propósito era difundir a ideia. Assim, depois da ideia difundida, ela não pertencia mais ao autor, que não deveria receber por isso. Outra corrente, porém, defendia que mesmo a ideia tendo sido difundida, a sua originalidade e o estilo empregado para a sua propagação pertenciam somente ao escritor, que merecia, portanto, ser remunerado. Essa segunda ideia acabou vingando e foi instituído então o direito autoral. No Brasil, isso ocorreu no final do século XIX.

JU – Com o advento da internet, a questão do direito autoral não precisa ser rediscutida?

Márcia Abreu – Essa é uma questão interessante. Se você coloca um texto seu na internet, provavelmente seu nome vai desaparecer como autor depois de um tempo, depois de algumas replicações. Isso não é bom. É importante preservar a responsabilidade por aquela ideia. Por outro lado, a divulgação dos textos e ideias pela internet é muito bacana, pois amplia muito o número de leitores das nossas produções. Eu recebo e-mails de pessoas de vários estados, que acabaram tomando contato com um texto meu pela rede. Se não fosse por esse meio, talvez isso não acontecesse. Hoje em dia, existe o Creative Commons, que dá licença para que a pessoa difunda o seu texto na internet sem o pagamento do direito autoral, preservando seu nome. É algo muito novo. Pelo Creative Commons, você também pode autorizar a pessoa a mexer no seu texto - suprimir ou incluir algo. Isso é interessante. Estamos entrando em novo mundo. Por isso foi bom lançar o livro agora. É um momento de se comemorar os 200 anos do livro no Brasil, num instante em que o livro passa por profundas mudanças.

JU – Quem são os autores e como o livro está organizado?

Márcia Abreu – O livro é uma obra coletiva. Ele tem dois organizadores: eu e o professor Aníbal Bragança, da Universidade Federal Fluminense. Além de nós dois, são 40 autores brasileiros, de diversas instituições, de todo o Brasil, que prepararam textos inéditos, especialmente para esta publicação. Neles, são abordados, como já disse, temas da história dos livros desde os primórdios da imprensa no Brasil até os dias atuais. A primeira parte trata de questões do mercado editorial. Já a segunda fala mais sobre pessoas, ou seja, autores e leitores.

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■ Serviço

Título: Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros
Organizadores: Aníbal Bragança e Márcia Abreu
Autores: Diversos
Editora: Unesp
Páginas: 663
Preço sugerido: R$ 59,00

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