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Por dentro das células cardíacas
Pesquisa da FCM publicada na Nature Chemical Biology
detalha mecanismo de sinalização


A pesquisadora brasileira Aline Mara dos Santos acaba de ter um artigo publicado na revista americana Nature Chemical Biology, uma das mais prestigiadas do mundo. O trabalho revelou o mecanismo fundamental de sinalização das células cardíacas, permitindo entender como o coração adoece, dando inclusive sustentação para criar formas de interferir no desenvolvimento de doenças cardíacas. A pesquisa finaliza uma etapa de projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e é resultado da tese de doutorado da biomédica Aline Santos, orientada pelo docente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Kleber Franchini, cardiologista responsável pela linha de pesquisa do Laboratório de Fisiopatologia Cardiovascular, que vem sendo desenvolvida desde o início da década.

O artigo trata da estreita interação entre uma proteína de sinalização de estímulos mecânicos das células do coração, a FAK (Quinase de Adesão Focal), e uma outra proteína, a miosina, que faz o papel de força do músculo cardíaco, ambas presentes no organismo. “Interagem, portanto, a proteína de sinalização e a proteína motora”, constata Franchini.

Segundo ele, o estudo toca num assunto que tem suas raízes nos miócitos cardíacos, que são as células de contração do coração, e a sua capacidade de se adaptarem a estímulos mecânicos, principalmente em situações de doenças como hipertensão arterial, doenças das válvulas cardíacas e infarto do miocárdio. “Abordamos o conhecimento de como o coração responde em situações de sobrecarga”, exemplifica Aline Santos.

A doutoranda, ao descrever um mecanismo de controle da atividade da FAK na célula cardíaca, como ela é controlada pelos estímulos mecânicos, lançou mão de técnicas sofisticadas e complexas de biologia estrutural, molecular, celular e de fisiologia, em que avaliou uma série de parâmetros, desde a proteína, os aminoácidos que compõem essa proteína, até como a interferência nessa interação traz modificação na função celular.

Dizendo de maneira abreviada, essa sinalização acontece porque a célula cardíaca é muito sensível a estímulos mecânicos, da mesma forma que isso ocorre com qualquer músculo do corpo humano, estando sujeita a um processo de hipertrofia. Com isso, fica aumentada de tamanho porque os miócitos cardíacos não se dividem como outras células do organismo, como as da mucosa da boca e da pele, por exemplo. São células terminalmente diferenciadas.

Pela localização dessa proteína, que está em contato com a miosina, a biomédica conseguiu relatar como esse contato regula a atividade enzimática e a deixa pronta a responder ao estímulo mecânico. “Uma vez a célula sendo submetida a estímulo, como um estiramento, ela libera a enzima da miosina e, depois que se solta, fica ativada, desencadeando uma série de ações dentro dos miócitos que redundam no seu crescimento (hipertrofia)”, dimensiona.

Isso foi demonstrado de várias formas, aponta Franchini, inclusive por meio da sofisticada técnica de peptídeos racionalmente planejados com base na topologia dos aminoácidos da superfície de interação entre as duas proteínas. Administrados aos miócitos, esses peptídeos se comportaram, como esperado, como inibidores da interação entre FAK e miosina, resultando em ativação espontânea da FAK e consequente hipertrofia cardíaca.

De acordo com Aline Santos, que sempre se interessou pela fisiopatologia das doenças cardiovasculares, o êxito da pesquisa esteve em chegar ao controle de mecanismos funcionais de miócitos cardíacos com grande apelo ao entendimento das bases moleculares de doenças do coração. Essa regulação, expõe, ainda não havia sido descrita em miócitos. O que havia sido abordado era a regulação da FAK por outras proteínas, em outros tipos celulares, porém não em mecanismos de regulação envolvidos na hipertrofia cardíaca. Essa proteína, não ativa, interage com a miosina, a qual atuaria como um inibidor natural em miócitos cardíacos.

A sinalização (a hipertrofia cardíaca) – em resposta a estímulos com hipertensão arterial (doenças nas válvulas e infarto do miocárdio) – marca o início de um processo muito lento de deterioração do coração. Num primeiro momento, ela faz uma espécie de compensação, contudo já traz em si a semente daquilo que poderá ser a deterioração do coração vista tardiamente na insuficiência cardíaca. O orientador da tese esclarece que, na verdade, quase todas as doenças do coração acabam evoluindo com insuficiência cardíaca.

Implicações
Entender os mecanismos que promovem a hipertrofia celular, e que depois progridem para a deterioração, são passos que permitem criar novos fármacos que se prestarão ao tratamento de doenças do coração que cursam com insuficiência cardíaca. Para se ter uma ideia da sua gravidade, as pessoas que têm doenças cardíacas vivem uma intensa sintomatologia, incluindo falta de ar quando elas se exercitam e, quando o quadro está muito avançado, falta de ar mesmo estando em repouso. Além disso, lidam com inchaço no corpo, fraqueza, desânimo e palpitações, entre outros sintomas.

“Em média, depois de iniciados os sintomas, menos de 40% das pessoas com insuficiência cardíaca viverão cinco anos. Então isso é mais grave do que muitos tipos de câncer, como o de próstata”, afirma Franchini. Juntamente com os cânceres, frisa ele, as doenças cardiovasculares são as patologias que mais ocasionam óbitos na população mundial. No Brasil, a insuficiência cardíaca é a terceira causa clínica de internação, sendo associada a 10% das mortes, isto é, cerca de 50 mil mortes por ano.

No projeto temático da Fapesp, um braço da pesquisa tem se dedicado a desenvolver novos compostos para interferir nessa dinâmica, especificamente nessa molécula. Apesar de se reconhecer que as descobertas são ainda incipientes, já existe uma pista de como interferir com essa enzima e melhorar certas alterações associadas à insuficiência cardíaca.

Como o trabalho de Aline Santos define em nível molecular o mecanismo como essa proteína é regulada no coração, comenta o cardiologista, isso propicia entender a melhor estratégia para essa interferência, “contanto que se saiba como ela é regulada no nível molecular”, acentua. “A doutoranda chegou a um grau de refinamento que modificou alguns aminoácidos da enzima e mostrou a sua importância para a regulação enzimática – o grau de refinamento.”

A Nature Chemical Biology se interessou pelo assunto, conta ele, sobretudo porque a biomédica investigou desde o aminoácido à molécula até a função na célula. “Sabemos que essa função está ligada à função no órgão.” Este trabalho foi totalmente produzido no país e teve a colaboração do docente do Instituto de Química (IQ) Fábio Gozzo e de colaboradores. Os experimentos foram desenvolvidos tanto no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) como no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).

Fronteiras
Duas proteínas trouxeram esses achados em uma região muito restrita, mas relevante para essa interação, para a qual no momento se procuram novos alvos terapêuticos. A pesquisa biomédica é buscada hoje mundialmente, a priori aquela que se dirige a desvendar novas possibilidades de interferência nos sistemas de sinalização relacionados às doenças. Uma das fronteiras, quando se fala de enzimas, está em locais específicos chamados sítios ativos, para os quais tradicionalmente se desenham fármacos.

Outra fronteira científica também está em intervir na interação das proteínas com outras proteínas, porque elas se comunicam em superfícies bem moldadas, relata Franchini. Consegue-se jogar uma molécula que entra naquela superfície e desloca essa interação. Há várias situações de doenças, não somente cardíacas, que podem se beneficiar em um tratamento cujo alvo é a interação entre duas proteínas. Vários laboratórios no mundo estão agindo para elucidar as interações entre proteínas e definir o potencial terapêutico de sua inibição.

O cardiologista acredita que a quinase de adesão focal atua como um sensor do coração, capacitando as células musculares para enfrentamento de situações de desgaste energético intenso. Elucidada na década de 1990 nos Estados Unidos, a FAK é uma proteína de porte médio, com 125 quilodáltons (dálton é a unidade de massa atômica que mensura as proteínas).

Buscar uma forma de deter a FAK sem trazer danos ao organismo é uma tarefa delicada. Essa enzima se liga a dezenas de proteínas em muitos tipos de células, além das do coração, e tem muitas funções, podendo agir na proliferação, migração e sobrevivência das células (sadias e também tumorais). As proteínas quinases são alvos atraentes para a produção de novos fármacos. Estima-se que 25% dos esforços da indústria farmacêutica são concentrados no desenvolvimento de inibidores para elas.

Já começam a aparecer compostos que detêm a ação dessa enzima, encontrada em vários tipos de tumores, como os de cérebro, mama, próstata e fígado. O composto TAE226, mostrado em 2007 por pesquisadores americanos, tem se evidenciado apto em inibir a FAK e o crescimento de células tumorais no cérebro de animais. Especialistas de Taiwan apresentaram recentemente no International Journal of Cancer indícios de que outra molécula, a SK228, deteve o crescimento de tumores em cultura de células e em animais, também por inibir a ação da FAK.


Publicação

SANTOS, A.M. et al. FERM domain interaction with myosin negatively regulates FAK in cardiomyocyocyte hypertrophy. Nature Chemical Biology, out. 2011 (on-line).

 






 
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