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Campinas, maio de 2001 - ANO XV - N. 162.........
     
   
 

...O circuito da brutalidade
Estudo sobre violência sexual mostra que o tormento
da vítima se perpetua, graças à omissão e intolerância por
parte da família, correntes religiosas, instituições e até dos
serviços públicos de saúde

CARLOS LEMES PEREIRA

Para muitas mulheres brasileiras, sofrer um crime sexual é apenas o ponto de partida para se tornar uma “violentada serial”. Seria como se não bastassem os traumas físicos e psicológicos, impostos nos matagais e mesmo nos cantos escuros da própria casa. Quando saem em busca de justiça, socorro médico ou simples apoio moral, essas vítimas se arriscam a vivenciar o quanto o pesadelo consegue se desdobrar em capítulos perversos. Situações de constrangimento e intolerância podem espreitá-las em quase todos os quadrantes sociais, a começar pelo meio familiar e comunidades religiosas, culminando em instituições como a Polícia e o Judiciário. E, por mais insano que pareça, sendo geradas até nos serviços públicos de saúde.

O mapeamento desse circuito da brutalidade talvez não fosse o objetivo principal de Jefferson Drezett Ferreira, quando ele começou a elaborar a tese Estudo de fatores relacionados com a violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres adultas. Afinal, o período de julho de 1994 e agosto de 1999, esse ginecologista, formado pela Unicamp, passou debruçado sobre números que o credenciassem ao título de doutor em medicina, pela pós-graduação do Centro de Referência da Saúde da Mulher e de Nutrição, Alimentação e Desenvolvimento Infantil (São Paulo). Mas, em abril do ano passado, quando finalmente concretizou o sonho acadêmico, ele já sabia que o cenário entrevisto pelas brechas das estatísticas era dramático demais para não merecer uma reflexão mais rigorosa.

Naturalmente, o que alicerça a tese – elaborada a partir de estudos retrospectivos de 1.189 pacientes matriculadas no CRSMNADI, que sofreram estupro e outros abusos – são os dados que configuram os perfis das vítimas e dos agressores; as modalidades dos crimes e seu circunstanciamento; a tipificação dos traumas etc. Impressiona, por exemplo, a constatação de que, para garotas até dez anos de idade, o perigo mora em casa: o agressor, na maioria dos casos (21,7% das 71 meninas incluídas no estudo), é o pai biológico.

Impacto cruel – A incidência maior dos crimes sexuais recai sobre adolescentes (31,6% na faixa etária de 15 a 19 anos) e adultas jovens (22,4% na faixa de 20 a 24 anos). “Na verdade, em nenhuma idade a mulher é poupada da violência sexual. Sabemos de casos envolvendo desde recém-nascidas a vítimas quase centenárias”, observa Drezett Ferreira. “No entanto, a predominância das ocorrências nos grupos apontados pela pesquisa traduz um aspecto muito grave: são idades nas quais as mulheres estão passando ou acabaram de passar por transformações biopsicossociais muito importantes. Várias estão experimentando o amor, iniciando a vida sexual, com planos e expectativas. E aí, o impacto da violência costuma ser extremamente cruel”, acrescenta.


..AVP: atentado violento ao pudor...........................
..AVPA: atentado violento ao pudor com coito anal
..AVPO: atentado violento ao pudor com coito oral.

Os números organizados pelo pesquisador representam um dos mais abrangentes estudos sobre o assunto no Brasil. Tanto que, apesar de sua agenda lotada como diretor da Divisão de Ginecologia Especial e coordenador do Serviço de Atenção Integral à Mulher Sexualmente Vitimada do CRSMNADI e coordenador do Serviço de Vigilância Sexual do Hospital Pérola Bynton (da rede pública, na Capital), ele vive tendo que se virar para atender a pedidos de seminários e palestras para profissionais de saúde e organizações de defesa dos direitos da mulher, em diversas localidades. Foi o que aconteceu recentemente, no auditório do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp.

Pernas bem fechadas – É nessas oportunidades que o médico aproveita para conectar o conteúdo estatístico de sua pesquisa à cruzada contra o que chama de “abismo entre aquilo que a gente entende, no nosso íntimo, por violência sexual, e o que fazemos quando temos uma vítima à nossa frente”. Para isso, Ferreira vale-se de exemplos, extraídos da experiência relatada pelas vítimas e de seus próprios contatos com órgãos públicos envolvidos com casos de agressões sexuais.


....(-) não aplicável....

Os distritos policiais dão um ótimo início de argumentação. “Quem nunca ouviu o jargão ‘ninguém consegue abrir as pernas bem fechadas de uma mulher’?”, indaga o ginecologista. “Por aí, vemos que a criação das delegacias especializadas na defesa dos direitos das mulheres, formadas exclusivamente por equipes femininas, a partir de 1985, não foi um ato destituído de propriedade. Elas vieram cumprir relatórios de direitos humanos, principalmente dos EUA, a respeito do pensamento policial vigente. Estava claro que não era daquela maneira que as mulheres vitimadas queriam ser vistas nos organismos policiais”.

“E também é por onde se explica porque a maioria não formaliza as queixas”, observa. Segundo o pesquisador, embora as delegacias constituam o principal ógão responsável pelo encaminhamento para atendimento (41,9% dos casos estudados), os crimes sexuais ainda estão entre os de menor notificação. Ele estima que de 80% a 95% das ocorrências não chegam ao conhecimento das autoridades competentes.

 

 

 
 
 

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