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A informalidade vista sob outro olhar
Dissertação entende o fenômeno como modo
de vida e não como segmentação de mercado

MANUEL ALVES FILHO

A informalidade não pode ser entendida como uma segmentação do mercado, mas sim como um modo de vida. Trata-se de uma condição dinâmica e moderna, que, também por causa dessas características, mostra-se resistente às tentativas de formalização. A conclusão faz parte da dissertação de mestrado do economista André Calixtre, apresentada recentemente ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O trabalho foi orientado pelo professor José Ricardo Barbosa Gonçalves e contou com bolsa de estudo concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

De acordo com Calixtre, que trabalha no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fundação vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, seu estudo faz uma discussão acerca dos conceitos empregados para definir a informalidade numa economia como a brasileira. “Nesse sentido, a pesquisa tem um cunho teórico amplo, mas também oferece uma tentativa de aplicação prática a partir das suas conclusões”, afirma. Normalmente, prossegue o autor da dissertação, uma vertente tende a analisar a informalidade como uma categoria de mercado definida pela produtividade. Outra a entende como uma relação que expressa o assalariamento segundo a posição na ocupação ou como a relação de trabalho manifesta-se sob contratos.

O economista revela que procurou organizar na dissertação a forma como essas visões aparecem nos debates. Conforme Calixtre, o termo informalidade foi cunhado pela primeira vez pelo antropólogo Keith Hart, por ocasião de uma pesquisa desenvolvida em Gana, na África, no final da década de 60. Ao observar a economia local, Hart notou que ali havia algo diferente da economia de mercado. “Ele percebeu o dinamismo da informalidade, classificando-a de forma original como um modo de vida. Penso que aí está a chave para entender toda a questão. A informalidade não pressupõe os fundamentos do racionalismo típico, porém faz parte da vida moderna. Pressupõe a rapidez e transitoriedade dos laços sociais; é, portanto, anti-tradicional”, sustenta.

Depois do advento da teoria de Hart, prossegue o economista, as análises em torno do tema caminharam para o dualismo. Muitos analistas passaram a ver a informalidade como a reprodução do que é arcaico, contrapondo-se desse modo ao que é moderno. “No meu trabalho, eu tento romper com essa posição e retomar a teoria de Hart. Para isso, empreguei as críticas que Maria da Conceição Tavares [economista] e Francisco de Oliveira [sociólogo] fizeram a esse dualismo. No mesmo sentido, também me vali dos estudos de Florestan Fernandes [também sociólogo]. O recurso aos clássicos conferiu ao trabalho um caráter ensaístico”, explica Calixtre.

Segundo o autor da dissertação, os dualistas se amparam na seguinte análise sobre as economias subdesenvolvidas: a economia informal é arcaica e se reproduz à sua maneira, enquanto a formal é moderna e se reproduz também à sua maneira, sendo que uma representa o bloqueio das possibilidades de desenvolvimento da outra. “No seu trabalho intitulado ‘Além da Estagnação’, Conceição Tavares derruba esse argumento. Já naquela época, final da década de 60, ela advertia que a economia do subdesenvolvimento como um todo é dinâmica. Além disso, Florestan Fernandes também assinalou que esse antagonismo inexiste. Segundo ele, numa sociedade que nasceu do subdesenvolvimento, o arcaico se moderniza e o moderno torna-se arcaico constantemente”, diz.

Apesar de o Brasil ter conseguido superar a escravidão e o colonialismo, prossegue Calixtre, as relações pessoais continuam sendo determinantes para entender a lógica do funcionamento da economia. “O que quero dizer com isso é que o resquício de personalismo natural da Colônia se atualizou e virou uma força importante. Por isso busco sair da compreensão de que a informalidade pode ser definida apenas como uma relação contratual, ou por segmentos de produtividade do trabalho no mercado. Existe uma condição informal que tem dinamismo próprio e que é criativa. Trata-se, portanto, de uma condição de vida que resiste às tentativas de formalização. No Brasil, esse aspecto é muito claro”, considera.

Prova disso, conforme o economista, é que, a despeito de a formalização ter crescido em períodos recentes, a informalidade não diminuiu de tamanho. Na última década, ao contrário, ela evoluiu em termos absolutos, ainda que se tenha relativamente reduzido. Questionado se esse índice representaria que o brasileiro assumiu para si a informalidade como algo natural, Calixtre esclarece que modo de vida não é escolhido pelas pessoas. “Qualquer trabalhador informal gostaria de ter carteira de trabalho assinada. Ocorre, porém, que a despeito de ele estar feliz ou não com a sua condição, a economia impõe um dinamismo de constante atualização do arcaico no moderno. Nesse sentido, não há contraposição entre essas duas dimensões, visto que elas convivem mutuamente. Uma depende da outra para sobreviver”, reforça.

Segundo o autor da dissertação, as tentativas do Estado de ampliar a formalização enfrentam resistência da própria economia. Um vendedor de cachorro quente, diz, deixaria a informalidade se tivesse oportunidade. “Ocorre que as políticas públicas lançadas até aqui não conseguiram atingir os objetivos para os quais foram criadas. Qualquer empresa para ter crédito precisa de um CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica]. Como o informal não tem o cadastro, consequentemente não tem acesso a financiamento. O país ainda precisa criar mecanismos inovadores de políticas públicas para tentar de fato mudar os sinais da informalidade”.

Calixtre informa que no final do seu trabalho ele coloca a questão sobre a possibilidade de se formalizar o informal. “É uma pergunta que está em aberto. Se o informal resiste à tentativa de mudança, como é que se faz para alterar a sua dinâmica, a fim de evitar que esta seja geradora de desigualdade e de exclusão? Este é um desafio próprio do Estado, que, diga-se, também é marcado pelo arcaico e pelo moderno”. Provocado a olhar em perspectiva para essa problemática, o economista afirma que o futuro é incerto. A informalidade, enfatiza o pesquisador, sempre se mostrou presente na economia brasileira. Ela faz parte, por assim dizer, da formação do nosso povo.

“Tomemos como exemplo a década de 70, quando o país vivia o auge da industrialização, um período de pleno emprego. Naquela época, segundo o censo demográfico, 30% dos trabalhadores urbanos de São Paulo declararam que recebiam renda abaixo de um salário mínimo. Ora, ou todos eram aprendizes ou eram informais”. O modo de vida informal, insiste o pesquisador, faz parte da transição do trabalho escravo para o assalariado, que acabou por gerar um dinamismo próprio. “É nessa trajetória que me apoio para dizer que se trata de um modo de vida que se reproduz desde a Colônia. É um modo de vida que vem se atualizando e se configura com força social relevante”, analisa.

Calixtre reconhece que seu trabalho foge do modelo usual de dissertação, tanto na forma quanto no conteúdo. “Foi um estudo difícil de desenvolver e de defender. Tentei contribuir com o possível para marcar posição sobre a importância da reflexão acadêmica. Nesse sentido, penso que também a pesquisa também pode ser entendida como ambiciosa. Todavia, é importante admitir que ela carrega os defeitos naturais dessa ambição e da tentativa de colocar algo novo em debate, sem a devida maturidade intelectual para a tarefa. O importante é que fiz o que gostaria de ter feito, e para isso contei com a valiosa orientação da José Ricardo Barbosa Gonçalves e dos professores integrantes da banca de qualificação e de defesa”.

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■ Publicação

Dissertação: “A condição informal: reflexões sobre o processo de informalidade no Brasil contemporâneo”
Autor: André Calixtre
Orientador: José Ricardo Barbosa Gonçalves
Unidade: Instituto de Economia (IE)

 



 
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