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Achados sobre a utopia franciscana

Tese aborda implicações da orientação
educacional adotada pela Ordem no Brasil Colônia

A pedagoga Tania Conceição Iglesias em três momentos: no dia da defesa da tese e na Universidade Complutense, em Alcalá de Henares: trabalho de fôlego (Fotos: Divulgação)A historiografia destaca a participação educacional dos jesuítas no Brasil Colônia, mas negligencia a contribuição educativa da Ordem Franciscana desde o achamento do novo território. Educadores pioneiros na Colônia, os franciscanos estabeleceram-se inicialmente sem prévia organização, mas em 1538 já se encontra um ensaio de educação organizada em Santa Catarina que pode ser considerada a primeira experiência escolar do país. A vinda da Companhia de Jesus, a quem é creditada a implantação de escolas no Brasil, só ocorreu formalmente em 1549.

A pedagoga Tania Conceição Iglesias propôs-se a resgatar a contribuição da ordem franciscana para a configuração educacional no período colonial brasileiro. O trabalho, orientado pelo professor Dermeval Saviani, deu origem a uma tese de doutorado de mais de 400 páginas, apresentada na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp.

Tania diz que, embora fossem muitos os aspectos determinantes para que a Ordem fosse tomada como objeto de pesquisa, estimulou-lhe a escolha a constatação da sua atuação intensiva no campo evangelizador colonial. Ela acredita que o estudo da história da prática educativa franciscana amplia o conhecimento e a compreensão sobre a sociedade e a educação no Brasil colonial. Afirma que a pesquisa se justifica também e especialmente pela necessidade de alargamento da análise histórica da educação brasileira sob óticas distintas das tradicionais.

Para entender o processo educacional franciscano que chegou às Américas e ao Brasil e as suas motivações políticas, religiosas e filosóficas, ela sentiu necessidade de se remeter a elementos históricos que envolveram a ordem desde a sua fundação. Para tanto, explorou documentos da Santa Sé, da Coroa Espanhola, da Coroa Portuguesa e da Ordem Franciscana encontrados principalmente em instituições situadas em Madri e Andaluzia, na Espanha, onde permaneceu por seis meses graças a uma Bolsa de Mobilidade Social, oferecida pelo Santander. Ela considera que em instituições dessas duas localidades encontram-se os mais importantes documentos sobre o tema e do período estabelecido para estudo.

No Brasil, a restrita documentação existente foi compulsada em Petrópolis, graças ao apoio da Ordem, no Instituto Teológico do Rio de Janeiro. Esta etapa do trabalho teve financiamento da Capes.

Embora não considere o trabalho inédito, entende-o original na abordagem, pois os poucos estudos encontrados sobre os franciscanos estabelecem diálogo com a historiografia, enquanto sua preocupação foi com as implicações da orientação educacional adotada por eles no Brasil Colônia.

A pesquisadora lembra que a Ordem dos Frades Menores, conhecida como Ordem dos Franciscanos – fundada por Francisco de Assis, entre 1209 e 1210, com aprovação do papa Inocêncio III – foi a primeira ordem apostólica criada e orientada prioritariamente para a ação missionária, especialmente onde houvesse povos a serem convertidos ao catolicismo.

Desde o início da pesquisa, Tania constatou que a ordem franciscana contribuiu tanto no campo espiritual como secular para a missão evangelizadora católica, especializando-se não só na execução prática da tarefa, mas sobretudo na preparação intelectual dos membros das instituições destinadas às Missões.Teve também destacada participação na recristianização da Península Ibérica durante o processo de reconquista aos árabes; conduziu um projeto missionário colonizador sob o comando da Coroa Espanhola nas Ilhas Canárias; foi escolhida pela Santa Sé e pela Coroa Espanhola para a direção das Missões americanas no início do período colonial; esteve presente no Brasil desde 1500; estabeleceu-se oficialmente na colônia em 1584 e, desde a chegada dos primeiros frades portugueses em 1585, atuou concomitantemente com outras ordens religiosas na catequese e, em consequência, na obra educacional colonial, permanecendo aqui até os dias atuais.

Os jesuítas chegaram em 1549. Tânia diz que nos cinquenta anos que os antecederam houve atividades educativas franciscanas na Colônia. No trabalho de investigação, descobriu que nesse período ocorreram várias vindas franciscanas. Uma experiência de 1538 em Santa Catarina revela a adoção de dois modelos de escola. Ela conta que, embora já relatada, não havia estudos aprofundados sobre essa experiência. “Procurei estudá-la sob o ponto de vista educacional formal. Na busca encontrei duas cartas dos frades envolvidos no processo que me possibilitaram deslanchar na pesquisa”, revela. Este fato a remeteu à Espanha, de onde os frades tinham vindo enviados pela Ordem. A partir daí, a pesquisadora percorreu um longo e laborioso caminho.

Na tese, ela conclui, genericamente, que a Ordem Franciscana contribuiu para a configuração do campo educacional colonial brasileiro, devido à sua presença evangelizadora e missionária constante no Brasil.

O percurso

Tania julga necessário resgatar o papel dos franciscanos na Península Ibérica para entender então sua presença na América. No século XVI, depois de 800 anos de domínio da Península Ibérica, os árabes estavam sendo escorraçados da Espanha com a intervenção da Igreja. Durante o período de reconquista, também chamado de recristianização, os franciscanos, que constituíam a maior ordem religiosa da época, colaboravam intensamente com os reis da Espanha, numa parceria que vinha já desde a tentativa primeira de conversão dos infiéis que ocupavam o território.

Além disso, conta a pesquisadora, o franciscano cardeal Cisneiros, colaborador direto e funcionário da Coroa, foi o responsável pela reforma católica na Espanha por concessão da Santa Sé e apoio dos reis católicos Fernando e Isabel. A reforma católica ocorreu antes da reforma protestante e visava trazer de volta às origens uma Igreja que se corrompera. Essa mudança, centrada inicialmente nas ordens religiosas, começou com a dos franciscanos e, a partir dela, por meio dela e dirigida por ela, se estendeu para as demais. A consolidação dessa reforma e a conversão dos árabes demandavam a formação de frades.

Para formar esses professores-evangelizadores foi criada na Espanha, na cidade de Alcalá de Henares, a Universidade Complutense, que viria a se constituir o primeiro modelo de cidade universitária de que se tem notícia e que deu sustentação para a reforma católica promovida pelos reis Fernando e Isabel. A criação da universidade coube ao cardeal Cisneiros e à Ordem Franciscana, a ocupação do espaço. Depois, hegemônica, a ordem é enviada para as Ilhas Canárias, ocupadas pela Espanha, com um projeto evangelizador.

Com o descobrimento da América, os franciscanos são autorizados a realizar a evangelização dos novos territórios pelo Papa Adriano VI, através da bula Alias Felices (1521) e a Exponi Nobis Fecisti (1522), denominadas Omnimoda, devido à extensão das faculdades que conferiram poderes episcopais aos missionários regulares, principalmente da Ordem Franciscana.

Esse percurso mostra que os franciscanos que chegam à América detinham uma grande experiência educacional. A pesquisadora esclarece que, embora eles estivessem na América desde 1500, chegaram ao México com um projeto oficializado a partir de 1523: “Foi lá que eles criaram as primeiras escolas masculinas e femininas para educação dos indígenas, a exemplo do que viriam a fazer mais tarde em Santa Catarina, modelo que não era adotado na época nem na Europa”.

Protagonistas da reforma católica, os frades que chegaram à América traziam os ideais de uma igreja renovada e eram portadores de experiências educacionais e evangelizadoras na Europa, nas Canárias e na América espanhola. Tania afirma que “embora a ordem jesuítica tenha adquirido hegemonia no Brasil, a experiência e o histórico dos franciscanos impõem que se os levem em conta. Por isso, me propus a investigar até que ponto o sistema educacional que tinham desenvolvido fora transposto para o Brasil”.

Implicações políticas

Estes fatos a levaram a estudar o que haviam feito no México e a encontrar as informações que no seu julgamento permitiram determinar a metodologia empregada. Conseguiu desvendar a estrutura e o funcionamento da educação que praticaram naquele país e confrontou com o que ocorrera no Brasil. A comparação a levou à constatação de que nos dois casos agiram da mesma forma. Para ela, “pode-se afirmar que a experiência mexicana foi a mesma praticada no Brasil, uma vez que emprega a mesma estrutura, organização e metodologia educativa que deram origem ao sistema de ensino americano como, por exemplo, os colégios, as escolas de primeiras letras e de artes e ofícios”.

Para a realização desse estudo, ela se baseou em dois cronistas franciscanos. Mandieta, um dos Doze Apóstolos do México, como passaram a ser chamados aqueles educadores pioneiros, e Jaboatão, no Brasil. Constatou através deles que os fundamentos que embasaram as ações de ambos foram os mesmos, o que quer dizer, segundo ela, que oriundos da formação comum adquirida por esses frades na Espanha.

Nas considerações históricas contidas no trabalho, a pesquisadora destaca as motivações da Santa Sé, da Coroa Espanhola e da Ordem Franciscana que convergiram durante certo tempo. Mas ao chegarem à América, os franciscanos começaram a enfrentar problemas porque, munidos das prerrogativas extraordinárias concedidas pela Santa Sé e pela Coroa Espanhola, sentiram-se livres e pretenderam implantar um sistema de ensino humanista, com grande peso ideológico, denominado “utopia franciscana”. Acalentavam o sonho de implantar no Novo Mundo uma nova igreja, diferente daquela que, corrompida, vicejava na Europa.

Tania lembra que, inicialmente, a Santa Sé não tivera condições de controlar a evangelização na América e só passa a fazê-lo a partir do Concílio de Trento, quando institui a Ordem Jesuítica para a tarefa evangelizadora. A instituição de uma ordem religiosa evangelizadora ligada à Sé romana e, ao mesmo tempo, a decisão de colocar as demais ordens que já estavam na direção das Missões sob a autoridade episcopal que, naturalmente já pertencia, pelo menos teoricamente, ao controle administrativo de Roma, foram as formas pelas quais a Santa Sé passou a interferir na evangelização americana.

O primeiro elemento que salta aos olhos, enfatiza a pesquisadora, é a característica humanista de evangelização inicialmente praticada pelos franciscanos, abortada por um projeto de estado tanto da Espanha como de Portugal, que daria origem ao modelo educacional vigente. E exemplifica: “A concentração acentuada da direção do campo educacional centralizado na Coroa e na Santa Sé, após o Concílio de Trento, tolheu a liberdade das ordens evangelizadoras e, com ela, a utopia humanista da construção de uma sociedade baseada em formas de convivência menos díspares”. A evidência mais clara disso é que quando os jesuítas chegaram, os colonos não tinham escolas que os atendessem, pois o ensino na América se orientava até então para os índios. A educação jesuítica destinou-se predominantemente à elite colonial. Conhecemos o Concílio de Trento como o da contra-reforma, mas nós aqui não tínhamos protestantes; na América não existiam religiões, mas sim comportamentos religiosos”.

 

Publicação:
Título da tese: “A experiência educativa da ordem franciscana: Aplicação na América e sua influência no Brasil Colonial”

Orientador: Demerval Saviani

Unidade: Faculdade de Educação (FE)

Financiamento: Santander e Capes

 

 
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