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ARTIGO

O futuro do passado




JOSÉ AUGUSTO MANNIS

José Augusto Mannis é professor do Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp e coordenador do Centro de Documentação de Música Contemporânea (CDMC/Unicamp) (Foto: Antoninho Perri)Representantes de renomadas instituições de produção, criação e documentação musical da Alemanha, Argentina, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, França, Itália, Países Baixos, Reino Unido, Suécia, tendo sido o Brasil representado pelo Centro de Documentação de Música Contemporânea (CDMC-Brasil/Unicamp) da Cocen, reuniram-se em 13 e 14 de junho de 2005 em Paris, na Radio France, na sede do Groupe de Recherches Musicales do Institut National de l’Audiovisuel (INA/GRM) (http://www.ina.fr/grm/) por ocasião do Electroacoustic Preservation Network Meeting para definir e empreender ações pela preservação da música eletroacústica. A iniciativa foi de Daniel Teruggi (Diretor do GRM) em cooperação com Leigh Landy (De Monfort University, Reino Unido), Folkmar Hein (Technischen Universität Berlin) e Ludger Brümmer (ZKM - Zentrum für Kunst und Medientechnologie, Institut für Musik und Akustik, Karlsruhe).

Porém, apesar da especificidade do encontro, muitas das questões levantadas depassaram amplamente o âmbito musical, abrangendo a preservação de acervos de registros de todos os tipos. Áreas como antropologia, lingüística, cinema, jornalismo e acervos de rádio, tv, museus, não escapam das mesmas preocupações. Trata-se da preservação de documentos gravados em mídias analógicas ou digitais: suportes eletrônicos, ópticos, mecânicos etc., desde uma chapa fotográfica de Nicephore Nièpce (http://www.niepce.com/), um cilindro de cera com registros sonoros do final do século XIX feitos no Brasil (http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/221pag12.pdf), até suportes que começam a nos preocupar como, por exemplo, fitas de rolo, fitas cassete, filmes em Super8, fitas em Betamax e, provavelmente, registros sonoros em minidisc. As mídias mudam e os documentos registrados anteriormente tornam-se ilegíveis, portanto inacessíveis, na medida em que os equipamentos de leitura tornam-se raros ou desaparecem. Há que se pensar, então, na preservação dos conteúdos.

Os objetivos do evento foram iniciar um levantamento das fontes de documentação, coleções, arquivos, para elaboração de um inventário do repertório (no caso, da música eletroacústica); localizar pessoas ou instituições que desejem colaborar para a preservação da documentação; definir e organizar as ações que atualmente sejam possíveis.

Tecnicamente, no que tange o tratamento de documentos registrados em suportes analógicos ou nas primeiras mídias eletrônicas, ainda não há formatos de digitalização definidos como padrão para a preservação. No campo do áudio, reconhece-se atualmente um certo consenso em torno da taxa de amostragem de 48KHz, e uma resolução de quantização de, pelo menos, 16 bits (recomendações ITU) ou 24 bits. Uma evidência disso é que programas para editar DVD chegam a proceder à compressão dos arquivos de áudio em 44,1KHz, enquanto arquivos em 48KHz são gravados sem transformação. Uma notícia não muito agradável para aqueles que já há um certo tempo haviam iniciado a digitalização de acervos de áudio apostando no padrão CD, ou seja, 44,1 KHz.

No que diz respeito à leitura das mídias, além de haver inúmeros formatos e suportes nos quais os documentos foram originalmente produzidos, é preciso ainda lidar com imprevisibilidades e diferentes procedimentos técnicos de produção, como: splices (fitas adesivas que eram usadas para colar dois pedaços de fita durante a montagem) ressecados que se desprendem e saltam da fita durante a reprodução ou a rebobinagem; dificuldade ao tomar uma fita magnética de áudio ¼ de polegada desconhecida não havendo indicação se ela foi arquivada pronta para ser reproduzida (do jeito que entra no gravador, na bobina esquerda), ou, para evitar o pré-eco durante a armazenagem, em tail out, ou seja, como se enrola na bobina receptora (direita) do gravador, com a dorsal para fora, ou, mais uma alternativa, com a dorsal para dentro (twist).

Isso é ainda mais problemático quando ambos os lados tem aspecto semelhante: onde está a dorsal? Há casos em que a fita virada para a sua dorsal chegou a ser usada como fita lieder, ou seja, como silêncio introduzido para separar dois trechos sonoros, ou como o silêncio inicial antes do início da fita, o que pode criar dúvidas no momento da digitalização. A calibragem do fluxo magnético também pode variar. As cabeças de gravação e leitura do gravador em que foi efetuado o registro podem ter estado em diferentes padrões, como 320nWb/m2 ou 510 nWb/m2 (CCIR). Um dos procedimentos atualmente em prática é o de ler a fita desconhecida em um gravador regulado em 320nWb/m2 para 0dBVU correspondendo a +4dBm com aproximadamente 15dB de headroom (-15dBES).

Desaparecendo – Se por um lado fotos da pedra Rosetta podem necessitar urgentemente de restauração, por outro a própria pedra Rosetta mantém até agora, de forma intacta, as informações que não somente Jean-François Champollion decodificou em 1799, mas que nela foram inscritas em 196 a.C. Em menor escala, gravações digitais de áudio da década de 1980 em Betamax, codificadas em PCM, como no caso do importante acervo da Rádio Cultura FM de São Paulo, Fundação Padre Anchieta, correm o risco de desaparecer muito antes do que os antigos discos 78RPM. Conclui-se que migrar a informação de um suporte antigo para um recente nem sempre significa preservar a informação. Qual o suporte que hoje em dia pode ser considerado seguro? Ainda não se sabe. Estima-se que o filme (suporte óptico) pode chegar a resistir até 500 anos. Mesmo supondo que tenha grande resistência ao tempo, parece paradoxal pensar na criação de uma interface para gravar informações binárias numa película, para em seguida se preocupar com a viabilidade do custo e do tempo do processo. Evidentemente diversas alternativas estão sendo buscadas. Enquanto isso, procede-se à manutenção de back ups sistemáticos migrando sempre que possível para suportes mais “aperfeiçoados”.

Uma fita magnética deteriorada pela má conservação torna-se ácida e exala um odor semelhante ao vinagre. Um dos meios recomendados para controle desses acervos é a medição sistemática do fator PH das fitas a distâncias regulares nas prateleiras. Através de um pedaço de papel de medição colocado junto a uma das fitas, controla-se a cor que ele adquire após 24hs de contato com o documento. Os tons dos papéis de medição vão se tornando mais amarelados ao redor dos setores contaminados. Geralmente quando há deterioração ela se alastra por toda uma região do arquivo. Devido a essa fragilidade dos suportes magnéticos, ainda usados hoje em dia (disquetes, DAT) e ao desconhecimento da longevidade dos CDs (houve casos apresentados de CDs que se deterioraram em três anos) surge uma dúvida: onde e como estocar as digitalizações? Fisicamente gravada num suporte e depositada num arquivo ou digitalmente armazenada num servidor? Se armazenada num arquivo é preciso cuidar da durabilidade do suporte. Se armazenada num servidor deverá ser submetida a sucessivos processos de cópia. A grande vantagem de estar num servidor é que a informação nele guardada pode ser acessada. Porém, para que isso ocorra, ela precisa, antes, ser localizada. E para localizar uma informação são necessários meios eficientes de descrição e representação dos conteúdos, que atendam às necessidades de usuários de diferentes tipos e perfis: acesso público em geral, pesquisa, educação, produção artística, jornalismo etc. Além de descrições com termos técnicos, palavras-chave e listagens padronizadas de assuntos, pode-se imaginar uma representação não verbal mais próxima dos fenômenos registrados. Uma iniciativa nesse sentido é a do GRM onde Emmanuel Favreau et e Didier Bultiauwque desenvolvem e realizam o Acousmograph (http://www.ina.fr/grm/outils_dev/acousmographe/index.fr.html), ainda em fase de experimentação, um programa que representa o sinal sonoro em formas gráficas, atualmente bastante desenvolvido, possibilitando, entre outros, localizar rapidamente trechos semelhantes num mesmo arquivo. Segundo o compositor François Bayle, o recurso de poder varrer o conteúdo de uma gravação sem ter que ouvi-la em tempo real é muito poderoso e pode significar o futuro de muitas expressões artísticas em mídia eletrônica.

Não poderíamos deixar de esbarrar nos problemas referentes aos direitos do conteúdo (autoral, moral e conexos). Há que se localizar os detentores e negociar o tratamento e a acessibilidade aos documentos. E tomara que possa ser uma negociação coletiva. Senão, lidar com cada um dos detentores poderá se tornar uma tarefa praticamente impossível, inviabilizando um projeto.

Ao final do evento, três grupos de trabalho foram estabelecidos: um deles tratando da preservação dos suportes, dirigido por Yann Geslin (INA/GRM, França); outro destinado a questões sobre tratamento da informação, documentação e uso dos conteúdos, dirigido por Leigh Landy (De Montfort Univ., Reino Unido); e um outro sobre o intercâmbio e o acesso aos registros sonoros (Simon Waters, Univ. of East Anglia, Reino Unido).

De forma inerente, passa a fazer parte da missão dos participantes a mobilização para a obtenção de fundos para este projeto e a sensibilização dos proprietários de acervos, entidades públicas e de fomento quanto à urgência e a importância das ações necessárias, pois enquanto buscamos soluções, os conteúdos continuam lentamente, mas continuamente, desaparecendo!




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