Conflitos e planejamento
ineficiente na crise hídrica

19/03/2015 - 09:16

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Vicente Andreu Guillo, diretor presidente da ANA

Vicente Andreu Guillo, diretor presidente da ANA

William Werick, consultor de planejamento hídrico

William Werick, consultor de planejamento hídrico

Richard Palmer: prof. da Universidade de Massachussets - Amherst

Richard Palmer: prof. da Universidade de Massachussets - Amherst

Stefanie Falconi, doutoranda da Johns Hopkins University

Stefanie Falconi, doutoranda da Johns Hopkins University

Os conflitos institucionais na gestão dos recursos hídricos e a omissão das autoridades no planejamento para a previsível crise de escassez de água mobilizaram os debates no segundo e último dia do Fórum Sustentabilidade Hídrica, na quarta-feira (18), que reuniu membros do Ministério Público, Agência Nacional de Águas (ANA) e especialistas do Brasil e do exterior no Centro de Convenções da Unicamp. Vídeo

As dificuldades de se promover uma gestão integrada dos recursos das bacias hidrográficas –áreas geográficas cujas águas convergem para um determinado ponto – surgem quando há na bacia rios que nascem e tem foz dentro do Estado, sendo, portanto, estaduais, e rios que passam por mais de um Estado e são de responsabilidade federal. Vicente Andreu Guillo, diretor presidente da ANA, enumerou os problemas dessa limitação legal e citou o caso do sistema Cantareira para exemplificar.

“A afirmação da Constituição de que a gestão de água deve ser compartilhada e descentralizada está absolutamente correta. Porém, o problema que se apresenta é, em situação de crise, qual é o fórum de decisão caso não haja acordo no tempo necessário em relação ao conflito?”, questionou, complementando que a nesses casos se corre o risco de uma decisão na esfera do Poder Judiciário. “Precisamos criar, no âmbito do sistema de gerenciamento dos recursos hídricos, um fórum de decisão no caso da existência de um conflito. Alguém tem que tomar essas decisões e ser responsável por elas. Se não há condições dessa tomada de decisão, acaba acontecendo uma sensação de inércia e paralisia.” Segundo Andreu, a solução dessa questão passa pela busca de um acordo federativo.

O diretor presidente da agência federal também questionou a falta de detalhamento na legislação sobre os setores prioritários a serem atendidos em caso de seca. A lei prevê que se deve predominar o consumo humano e a dessedentação de animais, mas esse conceito gera distorções que estendem a abrangência para o consumo urbano, incluindo setores produtivos, em vez de somente o consumidor residencial. “Precisamos aproveitar a crise. Nunca tivemos uma agenda de água tão relevante social e politicamente como agora”, alertou. “Se a chuva lavar a nossa memória sobre tudo o que estamos passando, não estaremos aptos a enfrentar crises como essas que se sucederão”, concluiu Andreu.

Alexandra Faciolli Martins, promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, criticou que a solução da crise tem sido buscada por meio de obras bilionárias, de longo prazo, que visam principalmente a transposição de rios, o que poderá se tornar uma nova fonte de conflitos. “Por que a gestão tem sido de altíssimo risco? O primeiro grande problema é o não reconhecimento da crise. Praticamente depois de quase dois anos, com o reservatório negativo, nós continuamos reiteradamente ouvindo que não vai faltar água, que não vai ter problema, que as coisas estão planejadas e resolvidas”, declarou, em referência ao Cantareira, a promotora, que atua no Grupo de Ação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA).

Outra integrante do Ministério Público que participou do evento, a procuradora federal Sandra Shimada Kishi, concordou que o governo do Estado de São Paulo não facilitou o acesso à informação e o controle social durante a crise. Para ela, “na crise houve uma indevida interferência do governo do Estado” nos comitês de bacias, particularmente na bacia do PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí). “Não haverá controle da sociedade se não houver paridade dentro dos comitês”, apontou. A procuradora, que é gerente do projeto Qualidade da Água do Ministério Público Federal, afirmou que, no auge da crise, houve descompassos, falta de transparência e tímida ação dos comitês. “Até hoje não há esquema de racionamento ou planos de rodízio na região metropolitana, nem na capital. Não houve programa sólido de incentivo à economia de água e faltam informações sobre alternativas para aumentar a oferta hídrica.”

Sérgio Razera, diretor presidente da Fundação Agência das Bacias PCJ, explicou que não faltou planejamento dos comitês de bacias, mas que o plano da bacia foi feito sem o conhecimento do movimento cíclico do clima, usando apenas dados de fluviometria e pluviometria do passado. Em relação ao momento atual, ponderou: “A palavra crise, no meu conceito, é um termo que temos que rever”.

Richard Palmer, chefe do Departamento e professor de Engenharia Civil da Universidade de Massachusetts - Amherst, e William Werick, ex-consultor de recursos hídricos da agência federal dos EUA Corps of Engineers, demonstraram o funcionamento do chamado Shared Vision Planning, um protocolo de planejamento para secas que integra colaboração e modelação computacional. A partir de um simples programa criado no software Excel, é possível fazer projeções sobre a oferta hídrica, alertando para possíveis problemas. O conceito prevê a fundamental colaboração de vários tomadores de decisão no processo para identificar fraquezas e pontos fortes e adotar ações em um ambiente seguro. Durante o Fórum, Palmer e Werick demonstraram exemplos práticos do programa computacional referentes ao sistema Cantareira.

No primeiro dia do Fórum Sustentabilidade Hídrica, o agravamento da crise pelas falhas de governança foi um dos temas principais. O evento foi organizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), Coordenadoria Geral da Universidade (CGU), Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), Instituto de Economia (IE) e Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp.