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A ‘Professora Fraude’ e os periódicos predatórios

Foto: Reprodução
Alto da página da Nature que traz o artigo sobre a “Professora Fraude”

Um grupo de pesquisadores poloneses apresenta, em artigo de opinião publicado na Nature, o resultado de uma “operação secreta” realizada para testar a idoneidade de centenas de publicações que se apresentam como periódicos científicos com revisão pelos pares, e põe em evidência a proliferação de periódicos predatórios, mais preocupados em recolher taxas de publicação dos autores do que em apresentar ciência de qualidade.

Depois de descrever como estavam assustados com os convites, quase diários, que recebiam para integrar os conselhos editoriais de periódicos obscuros, os psicólogos Piotr Sorokowski,  Agnieszka Sorokowska e Katarzyna Pisanski, juntamente com o filósofo Emanuel Kulczycki,  relatam como criaram uma cientista fictícia – Anna O. Szust, ou “Anna Fraude”, em polonês –, com um currículo fraco e cheio de inconsistências. Em nome dessa “Professora Fraude”, enviaram e-mails a 360 periódicos, oferecendo os serviços dela como editora.

“O perfil era tristemente inadequado”, explicam os autores. “O ‘trabalho’ de Szust nunca havia sido indexado na Web of Science ou Scopus, e não havia nenhuma citação em seu nome”. A “produção científica” de Anna se resumia a capítulos de livros inexistentes lançados por editoras fictícias.

Os periódicos abordados pela “Professora Fraude” compreendiam três categorias: 120 indexados pelo  Journal Citation Reports (JCR), da Thomson-Reuters; 120 que constam do  Diretório de Periódicos de Acesso Aberto (Directory of Open Access Journals, ou DOAJ); e 120 listados como “publicações predatórias” por Jeffrey Beall, da Universidade do Colorado. Por razões ainda inexplicadas, Beall tirou sua lista da internet no início do ano, depois de o trabalho polonês ser concluído.

“Consideramos que um periódico havia ‘aceitado’ apenas se uma resposta ao nosso e-mail explicitamente aceitasse Szust como editora (às vezes, dependendo de uma contribuição financeira), ou se o nome de Szust aparecesse como membro do corpo editorial no website da publicação”, escrevem os autores. Resultado: 33% dos periódicos abordados que constavam da lista de Beall, 7% dos do DOAJ e nenhum do JCR aceitaram a pesquisadora fictícia.

“Quatro títulos imediatamente indicaram Szust como editora-chefe”, informa o artigo. “Pelo menos uma dezena nomeou Szust editora, mas exigindo, ou sugerindo fortemente, algum tipo de pagamento ou lucro”. Algumas editoras propuseram à “pesquisadora” organizar conferências científicas, cujas apresentações depois seriam publicadas, mediante pagamento. Uma casa editorial propôs rachar o dinheiro das publicações captadas dessa forma (“60% para nós, 40% para você”).

Os autores apontam que o problema da publicação predatória só será resolvido quando acadêmicos deixarem de ver vantagem em aparecer nesse tipo de periódico: “Quem premia acadêmicos por publicação deve se esforçar para avaliar a qualidade dos periódicos e recompensar apenas as melhores práticas”.

Referência

Predatory journals recruit fake editor

[ Nature 543, 481–483 (doi:10.1038/543481a ]

 

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