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Pesquisadores da Unicamp e UFRGS sintetizam moléculas fluorescentes com atividade anticâncer

Compostos apresentaram boa eficácia contra células cancerígenas de próstata e de mama. Um deles ainda demonstrou baixa toxicidade contra células sadias

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Cientistas do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul conseguiram sintetizar em laboratório moléculas que, em testes realizados em parceria com a Unicamp, apresentaram boa eficácia contra células cancerígenas de próstata e mama. Uma dessas substâncias ainda apresentou dez vezes menos toxicidade (isto é, ação em células sadias) que a cisplatina, medicamento largamente utilizado contra o câncer. O trabalho recebeu destaque na capa do New Journal of Chemistry em agosto.

A pesquisa nasceu a partir de uma parceria entre o Laboratório de Sínteses Orgânicas, coordenado pelo professor Dennis Russowsky, e o Grupo de Pesquisa em Fotoquímica Orgânica Aplicada, sob coordenação do professor Fabiano Rodembusch. Os docentes contam que trabalham juntos há aproximadamente cinco anos e, nesta pesquisa especificamente, há dois. “Eu trabalho com hibridização de moléculas, que é ‘juntar’ duas substâncias distintas para formar híbridos moleculares. Essas moléculas, uma vez conectadas, podem apresentar um aumento de determinada atividade ou a criação de uma nova atividade”, explica Dennis. Fabiano, por sua vez, trabalha com a fluorescência, um fenômeno pelo qual uma substância emite luz quando exposta a determinadas radiações. “A fluorescência é algo muito poderoso, porque permite que cientistas enxerguem, no caso de sondas fluorescentes, regiões ou fenômenos que antes não se podiam visualizar”, afirma.

Os pesquisadores, então, reuniram as duas expertises: a partir do Monastrol, uma molécula com conhecida atividade anticâncer, eles sintetizaram novos compostos híbridos, com propriedades fluorescentes. Dessa forma, as substâncias possuem uma espécie de sinalizador que permite que os cientistas consigam observar a localização e a atividade delas nas células. “Assim, nós conseguimos olhar dentro da célula onde essa molécula vai, em que organela ela atua, se ela se prende na parede, se atua no núcleo, ou seja, é possível visualizar in vivo onde exatamente essa molécula está agindo”, acrescenta Dennis.

É nesse ponto que entra a parceria com a Unicamp: para que se possa visualizar essa atividade das moléculas, é necessário utilizar uma técnica chamada “microscopia confocal” – uma especialidade técnica existente na Unicamp. “A microscopia confocal permite que o pesquisador vá usando corantes nas organelas, ou em certas partes da célula, e observar onde aquela molécula está atuando”, acrescenta. Os pesquisadores da Unicamp forneceram as cepas das culturas celulares cancerígenas e realizaram os testes com as moléculas sintetizadas na UFRGS. Dennis esclarece que, a partir do recebimento da substância criada na UFRGS, os cientistas da Unicamp preparam um ensaio com determinadas concentrações das células cancerígenas e da molécula e vão construindo uma curva de atividade dessa molécula frente à cultura celular. Por exemplo: se os pesquisadores iniciaram o teste com mil células e, 24 horas após a aplicação da substância, restaram 500, se sabe que aquele composto “matou” 500 células naquele período de tempo. “Dessa forma, vão se formando parâmetros – basicamente concentração, tempo e número de células – para dizer quais substâncias são mais potentes contra aquelas células”, explica.

Testes e resultados

Os pesquisadores trabalharam na síntese de seis moléculas híbridas, todas derivadas do Monastrol, uma substância sintética conhecida pela sua capacidade de interrupção de atividade celular. “Às vezes aquele composto pode ser bastante ativo contra uma linhagem e pouco ativo contra outra, então nós vamos experimentando que tipo de fragmento pode ser conectado a ele para melhorar a atividade e comparar a ação sobre células sadias”, relata o pesquisador.

Os compostos sintetizados tiveram a atividade testada contra três linhagens de células tumorais: MCF-7 (células de câncer de mama), Caco-2 (células de câncer de cólon) e PC3 (células de câncer de próstata). Os pesquisadores descobriram que três dessas substâncias (chamadas por eles de “8c, “8e” e “8f”) tiveram bons resultados contra as células PC3 – similares ao da cisplatina, medicamento que hoje é bastante utilizado no tratamento contra o câncer. Uma dessas moléculas, a “8c”, apresentou uma eficácia nove vezes maior do que a de origem, o Monastrol, contra as células de câncer de próstata. As moléculas “8e” e “8f” também apresentaram bons resultados em relação às células de câncer de mama.

Além da atividade, outro parâmetro investigado é a toxicidade, isto é, se aquelas substâncias são nocivas ou tóxicas para células saudáveis. “Não adianta você ter uma molécula bastante tóxica, que mate a célula cancerígena, mas que também mate o hospedeiro”, explica Dennis. Nesse caso hipotético, como as células de câncer se proliferam em maior velocidade, aquele composto acabaria tendo uma ação maior sobre o câncer do que na célula saudável, mas o desejável é que não apresente toxicidade na célula saudável e seja especialmente tóxica contra a célula cancerígena. Utilizando cultivos de células saudáveis de próstata, as PNT2, os cientistas observaram que a molécula “8c” também apresentou dez vezes menos toxicidade do que a cisplatina, usada como o padrão de toxicidade. Já a “8e” e a “8f”, que demonstraram boa eficácia nas células de câncer de mama, tiveram toxicidade similar à cisplatina.

Os pesquisadores destacam que, na hora de agregar a fluorescência a uma molécula, algumas propriedades podem ser perdidas. Isso não aconteceu com a molécula “8c”, pelo contrário: “Essa molécula fluorescente que foi agregada ao composto originalmente bioativo não só criou essa possibilidade de iluminar o ambiente onde ele está, mas também aumentou em cerca de nove vezes a capacidade de combate à célula cancerosa em relação à célula original”, afirma Dennis. Fabiano completa: “O principal resultado desse trabalho é que conseguimos esse composto que apresentou bom resultado contra células cancerígenas, mas que também é uma molécula fluorescente. Ela é o que chamamos de substância privilegiada: além de ser fluorescente – ou seja, tu consegues enxergar para onde ela está indo – ela ainda tem essa propriedade de ser anticâncer”.

Próximos passos e os desafios para seguir a pesquisa

Imagino que o leitor esteja se perguntando: “E agora, o que será feito com esses resultados?”. Os pesquisadores afirmam que, mesmo com os resultados promissores, esse é recém “o primeiro degrau da escada”. Para que uma substância efetivamente seja usada no tratamento contra o câncer, há vários outros passos que precisam ser seguidos.

O estudo que os pesquisadores do Instituto de Química e da Unicamp realizaram é o chamado ensaio pré-clínico in vitro, isto é, em células. Dennis explica que o próximo passo seria um ensaio pré-clínico in vivo, ou seja, com uso de cobaias animais, para investigar a segurança do uso em seres vivos. Com bons resultados nessa fase, passariam para a chamada pesquisa clínica, com testes em seres humanos. Essa etapa é dividida em quatro fases, que podem durar vários anos, pois muitos testes são necessários, como de segurança, eficácia e risco/benefício.

A ideia de Dennis e Fabiano é seguir trabalhando com esse assunto, apesar das dificuldades. “O desenvolvimento desse trabalho não depende só de termos um bom projeto. Também precisamos ter estudantes – mestrado, doutorado, pós-doutorado – trabalhando conosco, pois eles são nossa força de trabalho”, afirma Dennis. Esse ingresso de novos estudantes é sempre muito variável: “Às vezes temos quatro, cinco ou seis estudantes ingressando [na pesquisa] no mesmo ano; às vezes, ninguém entra”, completa. Também há outros fatores envolvidos, como os cortes de novas bolsas e a própria lógica de distribuição delas: “Temos quase 50 professores no PPG Química e cerca de 10 a 15 bolsas por ano. Quem tem a bolsa é o aluno, não o professor – é quase uma loteria algum estudante bolsista querer ser teu orientando”, explica Fabiano. Outros desafios são a necessidade de parcerias com pesquisadores de outras áreas, como Farmacologia e Ciências da Saúde, para realizar os estudos in vivo e a pesquisa clínica, e a necessidade de financiamento. Um dos próximos passos, que, porém, já está em andamento, é o pedido de patente da molécula “8c”. Os pesquisadores estão trabalhando nessa solicitação, que deve ser encaminhada em breve via Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico (Sedetec) da UFRGS.

ARTIGO CIENTÍFICO

Russowsky, Dennis et al. Hybrid 3,4-dihydropyrimidin-2-(thi)ones as dual-functional bioactive molecules: fluorescent probes and cytotoxic agents to cancer cellsNew Journal of Chemistryv. 44, n. 29, p. 12440-12451, Aug. 2020.

Imagem de capa JU-online
O trabalho recebeu destaque na capa do New Journal of Chemistry em agosto

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