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Lançamento da Editora aborda a temática do Futebol na ótica de diversas áreas do conhecimento

Os organizadores Sérgio Giglio e Marcelo Proni reuniram artigos de 50 colaboradores, em 800 páginas

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A Editora da Unicamp publica neste mês o livro O futebol nas ciências humanas no Brasil, organizado por Sérgio Settani Giglio e Marcelo Weishaupt Proni. O lançamento, uma coletânea de estudos sobre o futebol realizados por mais de cinquenta estudiosos de diversas áreas de conhecimento, já nasce como referência para as pesquisas sobre o esporte no Brasil, recebendo elogios de diversos nomes do jornalismo esportivo, como Marcelo Barreto e Juca Kfouri. Um dos méritos da obra é reunir, em cerca de 800 páginas, três gerações de pesquisadores, que atuam ou atuaram em diversos centros de pesquisa pelo país e ajudaram a construir o campo de estudos acadêmicos sobre o futebol nas ciências humanas em nosso país.

Com 42 textos, o livro expõe o futebol como objeto de estudo em diversos campos, dos mais tradicionais, como o da política, da sociologia e da antropologia, àqueles em que o interesse pelo futebol é mais recente, como a geografia, a pedagogia e a economia. Também traz estudos sobre questões de gênero e de raça, além de um texto sobre a implantação da vídeo-arbitragem no futebol.

Os organizadores do livro, Sérgio Settani Giglio, doutor em Ciências pela Escola de Educação Física e Esporte da USP e docente da Faculdade de Educação Física da Unicamp, e Marcelo Weishaupt Proni, doutor em Educação Física pela Faculdade de Educação Física da Unicamp e professor livre-docente do Instituto de Economia da mesma universidade, responderam perguntas sobre a obra.

Marcelo Weishaupt Proni e Sérgio Settani Giglio
Marcelo Weishaupt Proni e Sérgio Settani Giglio : estudos sobre questões de gênero e de raça e  texto sobre a implantação da vídeo-arbitragem no futebol.

Editora da Unicamp: Muitos podem pensar que um esporte como o futebol não seria passível de análises políticas, sociológicas ou antropológicas. Então, para começar: quando, como e por que o futebol se tornou objeto de estudo acadêmico?

Organizadores: Durante muito tempo a academia foi reticente em considerar o futebol como um tema relevante para ser pesquisado. Há mais de 40 anos, com a dissertação da professora Simoni Lahud Guedes (1977), o futebol começou a ser debatido no meio acadêmico de forma mais séria aqui no Brasil. Na década seguinte, a pesquisa acadêmica ainda era tímida e dispersa, a própria Educação Física ainda estava se estruturando na pós-graduação. Mas a partir da segunda metade dos anos 1990, o número de pesquisadores e pesquisadoras dedicados ao tema começou a se ampliar em diferentes áreas das Ciências Humanas.

Editora da Unicamp: Como foi o trabalho de selecionar tantos textos, de tantas áreas, sobre esse esporte? Quais foram as maiores dificuldades e as maiores satisfações?

Organizadores: No final de 2018, decidimos apresentar a proposta do livro em um edital da Editora da Unicamp para livros didáticos. O edital havia sido aberto em outubro e tivemos conhecimento dele em novembro. O prazo final de envio do material pronto era fevereiro. Portanto, nossa maior dificuldade foi o prazo exíguo para a preparação do original. Como o edital não limitava o número de páginas da obra, convidamos pesquisadores e pesquisadoras que integram uma rede formada a partir do portal Ludopédio, que tem como propósito a divulgação científica de estudos sobre futebol. A primeira satisfação foi, sem dúvida, conseguir reunir pessoas que são referência nos estudos sobre futebol em uma única obra. E ficamos muito satisfeitos com a qualidade do trabalho feito pela Editora da Unicamp. Podemos dizer que é o primeiro handbook multidisciplinar sobre futebol publicado no Brasil.

Editora da Unicamp: O futebol é obviamente o esporte mais popular, não só no Brasil como no planeta todo. Essa popularidade de alguma maneira afetou ou guiou os estudos realizados e presentes no livro?

Organizadores: É provável que todos os autores do livro tenham se aproximado do tema, pelo menos no início, por causa da paixão pelo futebol. O fato de ele ser a modalidade mais popular no Brasil certamente aumentou o interesse por estudos acadêmicos. Dizem que o futebol é uma espécie de espelho da nossa sociedade. Mas há múltiplos olhares. Uns são mais críticos, outros mais descritivos, outros mais pedagógicos. Uns focam os personagens, outros enfatizam as estruturas. Enfim, é difícil imaginar, hoje, um livro com tamanha riqueza de interpretações dedicado a outra modalidade, no Brasil. A nossa proposta foi facilitada, de certa forma, porque há uma grande diversidade de estudos sobre o futebol e porque esse diálogo entre diferentes áreas do conhecimento já vem sendo feito há algum tempo.

Editora da Unicamp: É quase impossível dissociar os últimos 100 anos da história do Brasil da história do futebol. Aqui o esporte serve de entretenimento e de negócio e, ao longo de sua trajetória, teve papéis extras a cumprir, como a atuação da seleção brasileira de 1970, no ápice da ditadura civil-militar, ou a seleção pentacampeã de 2002, durante a transição do governo FHC para o governo Lula. Vocês poderiam falar um pouco dessa trajetória do esporte no país e seus aspectos sociais, políticos e culturais?

Organizadores: O futebol mudou muito, desde 1920, época em que o amadorismo estava no auge. E a sociedade brasileira também mudou bastante nesses 100 anos. Na era Vargas, o futebol começou a ser usado por governantes para estabelecer uma comunicação direta com a população. Nos anos 1980, o futebol foi um elemento importante na defesa da redemocratização do país. Depois disso, alguns ex-atletas e ex-dirigentes se tornaram políticos e contribuíram para modernizar a legislação e para transformar o futebol num grande negócio. Mas os clubes nunca foram, de fato, espaços públicos democráticos. Muito menos a CBF. E a democracia no Brasil, como disse uma vez Sérgio Buarque de Holanda, continua sendo um “mal-entendido”. Outro paralelo que podemos fazer se refere ao problema do racismo. Na Copa de 1950, a culpa pela derrota na final foi atribuída a Barbosa, goleiro negro. Ainda hoje, há ofensas racistas dentro dos estádios, certamente porque o preconceito ainda é tolerado na nossa sociedade. Mas, ao mesmo tempo, os maiores craques brasileiros foram atletas negros: Friedenreich, Leônidas, Zizinho, Didi, Garrincha, Pelé... também Romário, Ronaldo, Ronaldinho, Neymar... Curiosamente, tivemos poucos treinadores negros que se destacassem, ou dirigentes negros. Por que será?

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Editora da Unicamp:
O livro fala sobre algumas personalidades do futebol, como Pelé e Maradona, e esse verniz de “herói” que reveste suas trajetórias. Há uma contribuição do esporte para o sentimento de nacionalidade ou para a construção de “heróis nacionais”? Como se dá essa contribuição? O que ela diz sobre o Brasil?

Organizadores: Talvez o termo “herói” não seja adequado, porque herói é um personagem que se sacrifica em nome da pátria, que coloca a sua vida em risco para salvar outra pessoa, que é guiado por ideais nobres e altruístas. No caso do futebol, o que existe é uma metáfora. Algumas disputas são transformadas em batalhas épicas e os jogadores são descritos como guerreiros. Então, o herói é aquele que decide, que faz o gol, que é decisivo na vitória, ou que evita a derrota. O Brasil tem, digamos, um déficit de heróis. Mas tem ídolos: no futebol, na música. E o futebol ajudou a construir um sentimento de nacionalidade porque fez a nação se sentir unida em torno de um objetivo e se sentir vitoriosa diante de outras nações. É um dos poucos campos onde o brasileiro consegue aumentar a autoestima e cantar o hino nacional com orgulho. Quando as pessoas cantam juntas (por exemplo: “90 milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração... salve a seleção!”), as desigualdades profundas são esquecidas, os conflitos internos ficam em segundo plano. Mas quando a seleção é derrotada de forma humilhante (como aconteceu contra a Alemanha, por 7 a 1), a ilusão se desfaz, os ídolos perdem a aura, a nação se vê fraturada e sem liderança.

Editora da Unicamp: No momento de crise atual por causa do novo Coronavírus, o futebol, assim como todas as áreas, também foi afetado. Campeonatos inteiros foram adiados, jogadores ficaram doentes, e, claro, muito dinheiro parou de circular. Vocês acham que o futebol, não só como esporte, mas também como negócio, sairá mudado desta crise?

Organizadores: A paralisação dos torneios trouxe impactos econômicos imediatos nas receitas dos clubes e nos salários dos jogadores e das comissões técnicas. Também as emissoras de televisão tiveram prejuízos financeiros. Mas esses impactos não são iguais e ampliam os desequilíbrios que já existiam. Entre os clubes da elite nacional, alguns estão sendo muito prejudicados e precisam vender atletas para cobrir o déficit no orçamento, enquanto outros conseguem manter o elenco e se manter competitivos. Mas a principal mudança, até o momento, parece derivar da Medida Provisória 984/2020, segundo a qual os direitos de transmissão das partidas de futebol passam a pertencer apenas ao clube mandante do jogo. Ainda é difícil prever como a alteração na negociação do “direito de arena” vai afetar o negócio do futebol no Brasil nos próximos anos.

Editora da Unicamp: O livro O futebol nas ciências humanas no Brasil traz alguns estudos muito relevantes para o momento, como os que tratam de questões sobre violência, racismo e gênero no futebol. Vocês poderiam comentar um pouco esses estudos?

Organizadores: O livro ficou dividido em oito partes, separando os capítulos em blocos temáticos. Nas cinco primeiras partes os textos são reunidos pela sua área de conhecimento. Mas era preciso dedicar uma atenção especial para temas transversais. A violência entre torcedores, o racismo e a questão de gênero no futebol são temas que têm ganhado espaço nos estudos sobre futebol porque revelam muito sobre o que é a nossa sociedade. São assuntos que são estudados fora dos círculos que debatem o futebol. Porém, abordá-los a partir do futebol permite alcançar pessoas que talvez não parassem para pensar no tema. Ter o futebol como fio condutor pode ajudar a disseminar conhecimento e a estimular reflexões necessárias para a transformação social.

Editora da Unicamp: Com a publicação do livro, o que vocês esperam em nível acadêmico? Acreditam que a obra fomentará ainda mais o interesse intelectual pelo futebol?

Organizadores: Quando se publica um livro, a intenção é que ele seja lido por um grande número de leitores. Esperamos que o nosso livro tenha bastante visibilidade, desperte grande interesse e contribua para estimular novos debates. Conseguimos reunir em uma mesma obra 51 pesquisadores(as) cujos estudos se tornaram referências obrigatórias. Ou seja, quem estuda o futebol nas universidades brasileiras acaba se deparando com os autores que escreveram para o livro. Além disso, estão representadas 26 universidades, o que significa que estão presentes os principais núcleos de pesquisa sobre o futebol. Nossa expectativa é que o livro reforce os elos de diversas linhas de pesquisa. Também queremos que a leitura extrapole esse público-alvo mais óbvio e desperte o interesse de estudantes e profissionais de diferentes áreas de atuação. E, ainda, que o livro alcance também aquelas pessoas que são apaixonadas pelo futebol e querem conhecer outros olhares para, talvez, formar novas opiniões. É óbvio que, mesmo tendo esse grande porte (800 páginas!), não pudemos contemplar no livro alguns enfoques relevantes e muitos colegas com importante atuação nesse campo ficaram de fora. Por isso, já estamos pensando em um volume 2 desta obra!

 

SERVIÇO

#O futebol nas ciências humanas no Brasil
Organizadores: Sérgio Settani Giglio e Marcelo Weishaupt Proni
ISBN: 978-65-86253-00-9
Edição: 1ª
Ano: 2020
Páginas: 800
Dimensões: 18x27
Preço de capa: R$ 160,00

Imagem de capa JU-online
Legenda Capa

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