Imagem fundo branco com escrita a esquerda "Vozes e silenciamentos em Mariana. Crime ou desastre ambiental?", no lado direito mapa com a extensão do desastre.

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O desastre continua

Quarenta municípios, em dois Estados, foram atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão

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O vazamento não parou. Esta é a realidade do desastre de Mariana. Rejeitos da barragem de Fundão ainda escorrem pelos rios. Uma tragédia sem precedentes que continua, apesar dos longos meses que separam o fatídico dia 5 de novembro de 2015. O estrago não foi só local, mas se espalhou ao longo de centenas de quilômetros, dois Estados e 40 municípios.

Contabilizar os danos irreparáveis não é uma tarefa fácil. Vidas, fauna, flora, memória, esperanças, foram levados pela lama. Um patrimônio histórico de mais de três séculos foi destruído em questão de minutos. O fato aconteceu mais de dois anos e, ainda assim, a Samarco não consegue sanar o problema, que se arrasta.

Após o rompimento da barragem de Fundão, a Samarco passou a tratar a questão do vazamento: de janeiro até fevereiro de 2016 já tinham ultrapassado os cinco milhões de m³ de rejeitos. Fora o que ainda continuou escoando pela Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Os desdobramentos do desastre não cessaram.

Em nota, a Samarco apresentou um plano de contenção dos rejeitos, com medidas tomadas após a tragédia. O documento aponta que a barragem de Santarém recebeu obras de reforço e sua situação é de estabilidade. Os rejeitos escoaram para os diques construídos no intuito de conter os sedimentos da barragem.

No entanto, a questão da construção desses diques é bem obscura. A mineradora recebeu uma intimação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e da Polícia Civil (PC) para cessar de vez com o vazamento e, só assim, retornar suas atividades na região. Isto gerou controvérsias em boa parte da população, incluindo o prefeito da cidade, Duarte Eustáquio Gonçalves Júnior. Eles defendem a volta da Samarco para gerar recursos para a região, cuja receita fiscal é majoritariamente da mineração.

Como parte do primeiro acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e órgãos ambientais, a mineradora apresentou um projeto para conter ou minimizar os impactos do rompimento.

Foto: Fabiana Grassano
Obras contínuas para contenção da lama em Bento Rodrigues, julho de 2016

O sistema de diques foi projetado com esse objetivo, uma vez que as barragens de Fundão e Santarém já operavam com excesso de sedimentos e algumas estruturas já estavam abaladas, segundo relatórios do Instituto Brasileiro do Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Os diques, Selinha1 (S1), Selinha2 (S2) e Selinha3 (S3) foram construídos logo abaixo da barragem de Santarém.

O Relatório de acompanhamento das atividades emergenciais da Samarco, atualizado em 31 de março de 2016, já demonstrava a situação precária desses diques. O S1 foi construído no dia 28 de dezembro de 2015, com cinco metros de altura e capacidade de 16 mil de m³. O dique S2 foi concluído em 22 de fevereiro de 2016, com capacidade de 45 mil de m³. Por fim, o dique S3, concluído no final de fevereiro, possui capacidade de 1,3 milhão de m³.

Um quarto dique, o S4, estava sendo projetado para construção e iria transformar o distrito de Bento Rodrigues em uma barragem de rejeitos para “cessar” o vazamento. No entanto, esta ação foi suspensa pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Em junho de 2016, o G1, portal de notícias da Globo, revelou que a Samarco havia desmatado uma área de cerca de 1,3 km² de Mata Atlântica na região do rompimento para a construção do dique S4.

Os diques S1 e S2 ficaram inoperantes em fevereiro de 2016 e o acúmulo de rejeitos foi ultrapassado. Somente o dique S3 ficou em funcionamento, construído praticamente em cima de Bento Rodrigues, mas que também estava próximo ao limite de sua capacidade.

Esses diques, com a finalidade de reter a lama e os rejeitos, seriam posteriormente assoreados. Mas, com tamanha quantidade de detritos presente nas águas da represa de Fundão, a vida útil desses diques se esgotou rapidamente.

O Ministério Público de Minas Gerais afirmou que as contenções não eram efetivas e medidas judiciais foram tomadas contra a mineradora na tentativa de cessar os danos ambientais contínuos à Bacia Hidrográfica do Rio Doce.

A água que escorria do dique S3 era barrenta e depositava um pó nos leitos e margens dos cursos de água. Além disso, o impacto promovido pela construção desses diques provocava alagamento de bosques e pastos. A Samarco informou que tem adotado ações para impedir o assoreamento com o carreamento de lama e rejeitos depositados nas margens dos rios. As ações implicariam na colocação de pedras, plantio de grama e implantação de mantas de geotêxteis (para contenção de resíduos líquidos e sólidos), como parte do plano de recuperação ambiental entregue ao Ibama.

As ações para que Bento Rodrigues continue na memória vêm tomando força. O tombamento da região se deu no mesmo modelo de outras áreas em que ocorreram catástrofes e atrocidades como, por exemplo, o memorial do dia 11 de setembro de 2001 em Nova York e o campo de concentração da Polônia e da Itália.

Essa medida partiu do IPHAN, que entrou com pedido de tombamento de Bento Rodrigues, Paracatu de Cima e Paracatu de Baixo. Além de resgatar o que foi soterrado pela lama, também é uma forma de manter viva a memória do que aconteceu para que não se repita.

Estavam situados nesses três distritos bens de valor cultural, como igrejas, sítios arqueológicos, muros de pedras do período colonial, bosques, pastos e propriedades privadas. Desde o final de abril de 2016, o tombamento já era uma medida cautelar, provisória, até que o processo fosse concluído, de acordo com o MPMG.

Reprodução
Mapa das barragens da Samarco antes do desastre | Fonte: Reprodução | site da Samarco

Quem achou que a tragédia terminava no dia após o rompimento da barragem, estava enganado. Periodicamente, novas notícias são expostas sobre o assunto, informando as irregularidades da empresa e o total descaso do Estado.

Os desdobramentos do rompimento da barragem podem ser ainda piores. A própria Samarco já assumiu o risco de novos vazamentos – e não só de Fundão e de Santarém. O desastre afetou outras construções que utilizam represas como, por exemplo, a usina hidrelétrica Risoleta Neves do consórcio de Candonga inaugurada em 2004. Como tudo na região, o lago de Candonga está com a sua densidade alterada devido ao acúmulo de lama. Em períodos de chuvas, os problemas aumentam.

O complexo da hidrelétrica tem estrutura para suportar o volume de água e não água com rejeitos. Algumas medidas foram tomadas, como o fechamento das comportas para elevar o nível de água, retirando assim, mais de 10 milhões de m³ de sedimentos que ficaram depositados no fundo do lago. Assim, caso não fossem tomadas as medidas necessárias para retirar esse material, haveria risco de rompimento da barragem.

Com a estação de chuvas, o problema aumenta. A Samarco está correndo contra o tempo, pois a mineradora precisa retirar esses sedimentos do lago através de dragagem, procedimento que faz parte do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pela mineradora, o MPMG, a Advocacia Geral dos Estados (AGE) e o consórcio de Candonga.

A hidrelétrica está situada na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, a 100 km de distância da barragem de Santarém. Ela ocupa uma área de mais de 83 mil km² nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo ficando entre os municípios de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, na zona da Mata Atlântica de Minas Gerais. A usina atende aproximadamente 400 mil habitantes e abastece as cidades de Ponte Nova, Viçosa, Guaraciaba, Ouro Preto, Mariana e Ubá, além de outras da Zona da Mata.

O consórcio que administra a hidrelétrica é formado, principalmente, pela Companhia Elétrica de Minas Gerais (Cemig) e a Vale. Com o rompimento da barragem de Fundão, a hidrelétrica abriu suas comportas para escoar a enxurrada de lama.

Para sua construção, mais de 100 famílias que formavam a comunidade de São Sebastião do Soberbo foram retiradas do local e transferidas para a cidade de Santa Cruz do Escalvado, com o nome de Nova Soberbo.

 


 

Referências

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Andressa Alday - Graduada em História pela PUC-Campinas. Estagiou no Centro de Memória da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Trabalha na Secretaria de Pós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural Labjor/IEL/Unicamp. Email: andressa_alday@yahoo.com.br

 

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Foto: Reprodução

 

 

 

Imagem de capa JU-online
Obras contínuas para contenção da lama em Bento Rodrigues, julho de 2016 | Foto: Fabiana Grassano, arquivo de viagem

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