Imagem fundo branco com escrita a esquerda "Vozes e silenciamentos em Mariana. Crime ou desastre ambiental?", no lado direito mapa com a extensão do desastre.

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Nossa interminável redescoberta

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Em tempo de informação capsulada, para rápida absorção e fácil digestão, é preciso muita ousadia para produzir um livro de 352 páginas, com 35 autores, a respeito do maior desastre ambiental do Brasil. Naquele dia 5 de novembro de 2015, o rompimento de uma das barragens da empresa Samarco que provocou o despejo de toneladas de rejeitos de minério de ferro sobre pessoas, animais, matas, rios e mar com a voracidade de uma onda gigante, transformou-se em pauta indigesta nos incontáveis canais de comunicação, no Brasil e no mundo. A lama lançada sobre comunidades rurais da cidade de Mariana (MG) matou 19 pessoas e causou impactos sociais, ambientais, políticos e econômicos desmedidos.

Tarefa difícil cobrir um fato sem precedentes nestas dimensões, com forte demanda de tempo e investigação. Os veículos, em sua grande maioria, não acompanharam o desenrolar dos fatos, por fatores diversos: falta de especialistas sobre mineração, poucos recursos humanos para deslocamento a Mariana, baixo interesse comercial, alta complexidade do tema, desconhecimento sobre as consequências do desastre ambiental, desinformação a respeito da legislação, dificuldade para obtenção de informações oficiais, manipulação política e empresarial, e outras inúmeras questões.

Ainda que não tenha superado todas as barreiras que lhe foram impostas, se não fosse o trabalho jornalístico da mídia em todo o mundo, o ocorrido, seja ele crime ou tragédia, estaria hoje tão soterrado quanto o subdistrito Bento Rodrigues, zona rural de Mariana. O resultado das coberturas foi volumoso, mas disperso. Apesar de farto material, portanto, produzido especialmente nos primeiros meses após o rompimento, faltava ligar os pontos, apresentar uma visão macro e reunir os diversos aspectos e implicações.

A jornalista Graça Caldas identificou neste cenário um objeto de pesquisa e ousou ligar os pontos. Viu que não se tratava apenas um fato jornalístico, mas de um grande desastre que precisava ser devidamente esclarecido à sociedade, em todas as suas dimensões - sociais, econômicas, políticas, científicas, jurídicas, ambientais e humanas. Sua experiência jornalística e acadêmica de décadas, aliada ao seu forte senso de cidadania, a motivaram a propor, na condição de professora, o aprofundamento sobre a tragédia a ser publicado em forma de e-book. Uma turma inteira de alunos, de diversas formações e graus de experiência, aceitou e abraçou a proposta em março de 2016, quatro meses após o fato que projetou Mariana na mídia internacional.

A turma de Graça Caldas se dispôs a recolher as peças do quebra-cabeça. Os autores realizaram suas pesquisas de maneira independente e produziram com total liberdade de estilo, durante cinco meses. Em seguida, teve início um apurado trabalho de edição, que se estendeu ao longo de um ano, na atualização e checagem dos dados, dando a forma final do e-book. A produção desta publicação, orquestrada pela jornalista Graça Caldas, resultou em um trabalho também sem similares, uma vez que reúne dados dispersos que tentam dar algum sentido ao episódio.

O desastre ainda não teve fim. A empresa foi inocentada. Quase dois anos após o rompimento dos rejeitos, a questão continua sem respostas aceitáveis e sem explicações plausíveis. Esta obra aqui materializada, portanto, permanece aberta. Por ora, o que ela nos fornece é uma visão de águas turvas no que diz respeito ao futuro da exploração das riquezas minerais e das questões ambientais brasileiras. Ela também nos mostra que, no passado, a nossa história de exploração de recursos, desde o descobrimento e colonização, sempre se deu sem medir consequências. O afã pelas riquezas brasileiras e até as formas de extração pouco mudaram em 500 anos. O ouro, o ferro, todos os minérios e toda a nossa fartura ainda enchem os olhos dos grandes (antes impérios, hoje conglomerados econômicos). E as consequências ainda pouco importam. O controle também continua quase inexistente. A irresponsabilidade só aumenta. A quem interessa, afinal, que haja alguma mudança em terras brasileiras? Que a leitura nos ajude a nos redescobrir.

Adriana Menezes, jornalista, pesquisadora, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural Labjor/IEL/Unicamp

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JU publica livro sobre a tragédia de Mariana

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Os desafios da construção coletiva

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