Rachel Meneguello

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Rachel Menegello

Quem é

Rachel Meneguello é professora titular no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Graduou-se em Ciências Sociais pela Unicamp (1977-1980), fez mestrado em Ciência Política e doutorado em Ciências Sociais também pela Universidade, e estudou Metodologia e Métodos Quantitativos em Pesquisa Social na Universidade de Michigan. É docente do Departamento de Ciência Política do IFCH desde 1986, realizou a Livre-Docência na área de Partidos Políticos em 2005 e é professora titular, desde 2013, na área de Partidos Políticos e Comportamento Político. No âmbito administrativo do IFCH, foi diretora associada do Arquivo Edgard Leuenroth, chefe de Departamento de Ciência Política, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e coordenadora-geral da Pós-Graduação do Instituto. Também no IFCH tem sido representante docente nos seus distintos níveis na Congregação durante vários anos, além de ter representado a unidade na antiga CADI em duas gestões. No âmbito da Universidade, foi pesquisadora do NEPP, fundadora e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (1992), onde foi diretora por quatro mandatos e fundadora e atual editora da Revista OPINIÃO PÚBLICA (1993). Atualmente, é pesquisadora 1B do CNPq, coordenadora do Projeto Temático Fapesp “Organização da Política Representativa no Estado de São Paulo”, e da Escola São Paulo de Ciência Avançada em Metodologia em Ciências Humanas/IFCH. Exerce o cargo de pró-reitora de Pós-Graduação da Universidade desde agosto de 2014. Confira o seu programa de gestão.

JU – Como preservar a qualidade do ensino, da pesquisa e dos serviços prestados pela Unicamp à comunidade, principalmente no setor de saúde, num cenário de recessão econômica e restrição orçamentária?

Rachel Meneguello – Esse será um dos principais desafios da próxima Reitoria, e dependerá de uma gestão responsável, mas determinada na preservação da qualidade de nossas atividades. Embora difícil, a situação financeira da Unicamp conta com o fundo financeiro de aproximadamente R$ 780 milhões, resultante das reservas realizadas ao longo do tempo e devidamente administradas pelas várias gestões, um montante suficiente para financiar dois déficits como o ocorrido em 2016.  A Universidade consegue fazer frente a seus compromissos até o final de 2018, mantendo o pagamento dos salários de seus quadros, e suas atividades de ensino, pesquisa e assistência.

Em grande parte, as possibilidades de preservação da qualidade das atividades será possível em função da reposição do quadro de professores, levada a cabo nos últimos quatro anos. Nesse período, o número de docentes cresceu 6,3%, levando nosso quadro a atingir um total de 2.180 professores. A reposição docente, no entanto, foi maior (cerca de 450 professores), em função do número elevado de aposentadorias no período. Esta reposição representa uma importante reserva estratégica para mantermos a qualidade de nossas atividades de ensino e pesquisa durante o período de contenção de gastos em que estamos.

No caso do setor de saúde, é previsível um crescimento da demanda como resultado da crise que afeta a população. As atividades de assistência realizadas pela Universidade são apenas parcialmente financiadas pelos recursos do Sistema Único de Saúde, os quais, além de não sofrerem correção há mais de três anos, serão diretamente impactados pelas limitações da PEC 55 aprovada pelo Congresso Nacional. A busca pela ampliação de recursos para essa área será uma das principais tarefas da gestão. Assim como será a busca de recursos junto às empresas públicas e privadas, bem como parcerias internacionais, para o financiamento de pesquisas acadêmicas, que também serão potencialmente afetadas pelos cortes sofridos pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNPq) e o Ministério da Educação (Capes).

Mas, insistimos, esse cenário de recessão e restrição orçamentária impõe ampla e intensa comunicação entre a Reitoria e a comunidade universitária, de maneira a informar devidamente as condições financeiras da instituição, as possibilidades de trabalho da gestão, e as condições de funcionamento das várias unidades, órgãos e setores. Essa dinâmica visará não apenas prestar contas, mas dar transparência ampla e acolher sugestões e compartilhar decisões.

JU – Com 50 anos já completados, a Unicamp vê uma proporção expressiva de seus docentes e funcionários mais experientes chegarem à aposentadoria. Se a perda da expertise desses profissionais já traria reveses em qualquer circunstância, agora essa movimentação ocorre num momento em que condições econômicas dificultam a reposição de quadros. Como minimizar os danos?

Rachel Meneguello – De fato, a Unicamp alcançou o inevitável marco demográfico em que boa parte de seus docentes e funcionários adquiriram o direito à aposentadoria. Esses docentes concentram uma capacidade de ensino, orientação e pesquisa construídos à base de anos de dedicação. O mesmo ocorre com os funcionários, que em distintos setores, na administração e no apoio ao ensino e à pesquisa, detêm a memória de procedimentos e processos que sustentam o funcionamento de atividades específicas, nas unidades e demais setores da Universidade. 

Teremos de fato uma perda real se toda a expertise e o conhecimento que docentes e funcionários em fase de aposentadoria detêm não fizerem mais parte da dinâmica da produção em ensino, pesquisa e gestão.  Eis aqui um dos dilemas do início dos próximos 50 anos: como planejar a instituição de forma a preservar nosso funcionamento e excelência frente à crise e redução de nossos quadros.

No caso dos docentes, se aqueles que, neste momento, podem se aposentar – pouco mais de 240 – efetivassem seus direitos, a perda em capacidade e competência acadêmica e científica seria inestimável, traduzida por exemplo em número de orientações e pesquisas. Mas, por outro lado, a política de reposição de quadros planejada no início da atual gestão, quando as perspectivas orçamentárias permitiam, possibilitam, hoje, minimizar os danos para a pesquisa e ensino. Foram contratados nos últimos quatro anos por volta de 450 novos docentes, equivalente a 1/5 de nosso quadro, permitindo, neste momento de crise, a manutenção do funcionamento regular das atividades dos cursos de graduação e pós-graduação e para a pesquisa.

É muito importante enfatizar este aspecto associado à reposição do quadro docente. Não somente porque ele aponta para algo que é primordial em nosso programa de gestão: a valorização dos recursos humanos, especialmente de nossa competência acumulada em ensino e pesquisa, como o ativo essencial a ser preservado neste momento de dificuldade porque passamos, mas também porque esta reposição já está permitindo uma transição mais suave do conhecimento acumulado, sob diversas formas, nas gerações mais antigas de pesquisadores para a nova geração de docentes recém-incorporada à Unicamp. Isto poderá ocorrer principalmente se soubermos incentivar os docentes que possam se aposentar a adiar seus planos por algum tempo a mais.

Essa mesma dinâmica será necessária entre os funcionários. Nesse caso, será necessário à instituição planejar uma política de médio e longo prazos que contemple, em tempos com maior perspectiva orçamentária, a reposição planejada de quadros, encaminhada ao lado da modernização de processos e qualificação de atividades.

JU – A má conduta científica é uma preocupação crescente em todo o mundo, pondo em risco a reputação de instituições e, mesmo, países – no ano passado, divulgou-se que 80% dos dados de testes clínicos chineses são falsos, um golpe para a imagem da ciência daquele país. Como tratar essa questão?

Rachel Meneguello – As questões envolvidas com a ética em pesquisa são centrais não apenas para a reputação da Universidade, mas porque as atividades de pesquisa e a conduta acadêmica devem ser desenvolvidas a partir de princípios éticos e valores, de modo a garantir a integridade de indivíduos e o patrimônio material e imaterial de populações pesquisadas.

Testes falsos, fabricação de resultados, plágio, publicação redundante, ou o não acompanhamento das regras básicas legais que regulamentam a relação do pesquisador com o indivíduo ou com o objeto de pesquisa são condutas alheias ao valor básico da honestidade intelectual, descoladas das definições legais e morais consagradas da pesquisa científica e de sua divulgação.

A Unicamp está adequada às legislações federal e estadual através da formação das várias comissões de ética – Comissão de Ética em Pesquisa (CEP), Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA), Comissão do Patrimônio Genético (PATGEN), e mais recentemente, a Comissão de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas.

A Comissão de Ética em Pesquisa tem feito um trabalho cuidadoso de atenção ao atendimento às normas e à legislação pertinente para os projetos de pesquisa apresentados na Unicamp, mas os desdobramentos positivos desse trabalho requerem ainda um esforço institucional na definição e divulgação do que a Universidade considera como “boas práticas” ou “boa conduta científica”.

É preciso dotar a instituição de um Código de Conduta de Pesquisa interno, que regulamente a conduta de alunos, professores, pesquisadores e funcionários em suas atividades de pesquisa e na divulgação dos seus resultados, de forma a preservar os valores e normas que subsidiam os princípios da Universidade nas suas atividades de pesquisa e produção de conhecimento. Estamos tratando da disseminação e consolidação de valores morais e éticos na produção científica e, dessa forma, ganham importância as ações educacionais para a comunidade acadêmica, que devem se consolidar nos cursos de Graduação e de Pós-Graduação, e em atividades amplas de reflexão e debates.

Mas cabe ainda uma reflexão sobre o sistema acadêmico de reconhecimento e recompensa que rege a dinâmica da produção científica nacional e internacional.  Em boa medida, tais condutas negativas resultam de defeitos desse sistema, que se baseia em indicadores contábeis que, por exemplo, estimulam a proliferação de artigos, a velocidade inadequada da produção, e outros problemas éticos variados. Se esse sistema não for revisto, não é difícil prever os efeitos deletérios que tais comportamentos podem provocar sobre as atividades de pesquisa na instituição, desde a iniciação científica até os projetos institucionais mais amplos.

JU – Também em escala global, a ênfase nas avaliações de qualidade de pesquisa vem se deslocando da mera atenção à produtividade para questões de impacto e relevância. Como a Unicamp deve responder a essa mudança cultural?

Rachel Meneguello – Essa mudança, na qual as universidades de destaque nos vários países têm se engajado, ainda é lenta, vem provocando uma transformação importante nas instituições, aprofundando e valorizando pesquisas e atividades de impacto social e respostas aos problemas nacionais e internacionais. Entretanto, os rankings universitários ainda exercem impacto sobre o planejamento das instituições, e os indicadores de produtividade ainda influenciam o trabalho da comunidade acadêmica. No caso brasileiro, os indicadores de produtividade continuam ocupando espaço importante na produção e divulgação da pesquisa realizada, orientadas, em boa medida, pelos critérios de avaliação das agências de fomento à pesquisa e à pós-graduação. 

O sistema de avaliação da Capes define critérios contabilizáveis, pontos e notas que condicionam o funcionamento dos cursos de pós-graduação e impõem comportamentos acadêmicos que respondem às imposições. O mesmo ocorre com os critérios dos comitês do CNPq e da Fapesp, para financiamento à pesquisa. Esse movimento institucional de valorização das questões de impacto e relevância não pode, portanto, ser isolado desse contexto mais amplo, é um esforço de transformação a ser movido pela comunidade acadêmica nacional (e internacional).

Mas a Unicamp pode, sim, responder a essa mudança internamente, através de ações específicas como, por exemplo, redimensionando seus critérios de avaliação do trabalho acadêmico nos relatórios de atividades docentes e de pesquisadores. Outra iniciativa importante é a avaliação do impacto social da pesquisa que realizamos na instituição. Para isso, a PRP, articulada a representantes de todas as áreas de conhecimento, deverá constituir indicadores adequados que permitirão identificar se a pesquisa produzida deu base a uma política pública, criou nova tecnologia,criou novo produto, produziu subsídio à solução de problemas sociais ou políticos, e outras variadas formas de impacto social.

Cabe dizer, por outro lado, que a Unicamp tem sido capaz de combinar uma produção acadêmica focada na qualidade e produtividade, em padrões internacionais, com um olhar sobre temas de interesse nacional. Na agenda de inovações, desenvolvimento de tecnologias e depósito de patentes, nós já nos destacamos há um bom tempo, justamente pelo vínculo de nossa produção científica, a necessidades do mundo industrial e da produção.

Na extensão universitária, tem crescido nosso compromisso com atividades vinculadas ao apoio a pequenas comunidades, a pequenas empresas, a grupos locais no desenvolvimento de atividades de formação e de geração de renda própria. Estes e outros exemplos indicam a procura por temas de pesquisa, ensino e extensão que colocam os problemas nacionais de autonomia e desenvolvimento tecnológico, os problemas sociais econômicos e culturais e outros, no foco das atividades que realizamos. Trata-se de incentivar o aprofundamento desta agenda, conectando cada vez mais nossas atividades aos problemas do país e de nossa região.

JU – Qual deve ser o papel do reitor frente a situações de conflito na comunidade interna, como a ocupação da Reitoria e as desavenças entre docentes e estudantes que ocorreram em 2016?

Rachel Meneguello – Não é demais repetir o que temos apontado nos vários documentos que já apresentamos à comunidade universitária, afirmando que um dos principais valores que orientarão nossa gestão é a preservação do terreno democrático das relações de convivência entre professores, funcionários e alunos. A Universidade é o lugar, por definição, do argumento, do debate, do diálogo, e são eles que devem conduzir as práticas cotidianas. Da mesma forma, o respeito é o que dará harmonia entre as diferentes opiniões e garantirá a solução de problemas e constrangimentos.

Dentre os vários problemas que provocaram as situações ocorridas em 2016, nosso diagnóstico aponta que a falta de informação acessível à comunidade universitária, sobre os problemas decorrentes da necessidade do contingenciamento orçamentário, aliada à falta de comunicação mais intensa e regular da administração central com os alunos, sobre problemas objetivos, sobretudo relacionados à permanência estudantil, foram componentes importantes das mobilizações. 

A Reitoria precisa aproximar-se da comunidade universitária através de canais de comunicação que intensifiquem a informação sobre a gestão e amplifiquem o contato com professores, alunos e funcionários. O diálogo com a comunidade é o principal mecanismo de prevenção dos conflitos e solução de problemas.

As situações de greve e movimentação política podem evoluir para cenários de maior ou menor intensidade nas manifestações ou mobilizações. O fato é que não existe fórmula que preveja comportamentos, e as formas de ação política recentes adquiriram variações próprias da política contemporânea. Certamente, isso não significa que a Universidade deva acompanhar a impunidade quando comportamentos violentos ou contrários à convivência respeitosa ocupam o espaço da mobilização política legítima. Nesse sentido, a Unicamp possui regras que pautam o comportamento na Universidade, que garantem a integridade das pessoas e do patrimônio e que devem ser respeitados igualmente por docentes, funcionários e alunos. Ao mesmo tempo, o(a) reitor(a) responde como autoridade pública sobre o patrimônio da Universidade, e não pode esquivar-se das responsabilidades legais.

Mas somos enfáticos ao afirmar que não há lugar no campus para a repressão e para a polícia, quando se tratar de manifestações e mobilizações políticas legítimas de entidades e grupos que compõem a comunidade universitária.  As trajetórias administrativas das gestões anteriores, e desta atual gestão, preservaram um vetor fundamental da autonomia universitária, que é a capacidade de solução pela própria instituição dos seus problemas internos. Esse vetor nós vamos preservar.

O que a próxima gestão fará será tomar todas as medidas possíveis para evitar que as greves de estudantes, professores e funcionários se repitam em 2017, tendo como método o diálogo regular e democrático, e a negociação.

JU – A relação recente do governo do Estado com a comunidade acadêmica tem sido tumultuada,  com declarações do governador questionando pesquisas supostamente “inúteis” financiadas com dinheiro público e, já neste ano, pelo corte no orçamento da Fapesp. Como, em sua visão, a Reitoria deve se portar diante de um chefe do Executivo talvez indiferente ao ensino superior público?

Rachel Meneguello – A universidade pública tem sofrido ataques de várias direções sobre seu papel e função social, em uma tendência que questiona os recursos investidos nas suas atividades e põe em risco sua gratuidade. Essa tendência, que responde ao movimento de enxugamento das funções públicas, aflora com mais veemência em situações de crise econômica, e parece não faltar argumentos equivocados para retirar o mérito do que a universidade pública faz em termos de ensino, pesquisa e extensão.  São Paulo é o único Estado da federação que direciona 9,57% da quota parte estadual do ICMS ao ensino superior; isso demonstra que não é, portanto, sem motivos, que as três universidades públicas paulistas detêm mais de 38% da produção científica do país.

Por outro lado, esse montante estimula alguns setores, inclusive do governo paulista, a buscar o redirecionamento desses recursos para outros setores não ligados à educação e à ciência.

O atual governo de São Paulo tem dado demonstrações de desconhecimento sobre o que a universidade pública produz e como ela contribui para a o desenvolvimento da sociedade brasileira. Cabe lembrar, adicionalmente às declarações conhecidas, que o atual governador movimentou-se para reduzir a quota parte do ICMS às universidades quando procurou alterar a expressão em projeto de lei que definia a LDO de 2016, de “no mínimo” 9,57%, para “no máximo”, conferindo flexibilidade ao repasse, o que felizmente não teve sucesso.

Trata-se, portanto, de combater a não priorização pelo executivo estadual das atividades realizadas pelas universidades.  Supondo que isso se deva ao desconhecimento do que produzimos aqui, a Reitoria deve, em primeiro lugar, mover esforços para demonstrar ao governador e à sociedade o volumoso retorno que nossas atividades trazem para a vida social e o desenvolvimento do país.  Temos que aprimorar e ampliar a divulgação de nossa produção, para que esta seja percebida de forma efetiva pela sociedade.

Temos tido papel fundamental na formação de profissionais e quadros qualificados para o mercado e para o sistema de ensino em todos os seus níveis, temos produzido pesquisa básica e aplicada nos vários campos do conhecimento, com impacto significativo no desenvolvimento industrial, assim como temos produzido a reflexão sobre o país e suas necessidades; nossas atividades de extensão articulam estreitamente a comunidade externa com a instituição, e a assistência à saúde realizada pela Universidade em Campinas e na região tornou-se um braço imprescindível para que o Estado dê conta de sua função constitucional de atendimento à saúde da população. A Reitoria deve, portanto, aproximar-se do executivo munida de informações que se contraponham à percepção equivocada sobre a utilidade do que fazemos. Mas, além disso, deve conjugar esforços, no âmbito do Cruesp, para que a entidade demonstre a necessidade de garantir as condições de nossa autonomia, que tornaram possível o sucesso do sistema universitário público paulista.

JU – O discurso institucional tem pontuado a interação com a sociedade como uma das marcas históricas da Unicamp. Entretanto, persistem as críticas segundo as quais a Universidade mantém-se distante da comunidade e insensível à opinião pública, principalmente no que diz respeito a temas polêmicos. Como responder a estas críticas?

Rachel Meneguello – A crise de legitimidade das instituições públicas que marca o país atinge, também, a universidade e seu funcionamento, e é nesse terreno que devemos atuar em sentido contrário. Essa crise alimenta, por um lado, as críticas que questionam o funcionamento e sustentação financeira da universidade pelo Estado, afirmam a universidade como torre de marfim, indiferente à sociedade que a sustenta, preocupada com questões de interesse interno, e que dispende seus recursos em áreas sem interesse social. Essas críticas representam o pensamento que questiona o financiamento público do sistema universitário paulista, advoga o fim da gratuidade do ensino superior e, infelizmente, encontra eco nos setores que desconhecem o que a universidade realiza e onde ela atua.

A percepção de que a Unicamp mantém-se distante da sociedade advém, sobretudo, da incapacidade da instituição em comunicar devidamente o que faz e como ela interage com os vários setores sociais. A referência dominante das atividades de assistência à saúde e do Hospital de Clinicas como as marcas principais da ação da Universidade sobre a comunidade resulta da relação intensa e constante com a população da cidade e da região. Entretanto, são vários outros os setores em que a interação ocorre.

As inúmeras atividades de extensão, por definição, promovem ações para a difusão do conhecimento, ciência, tecnologia e cultura, e realizam a interação com organizações públicas e privadas, com profissionais de várias áreas e outros setores da sociedade; nas atividades de pesquisa, por exemplo, há uma interação intensa com a indústria nacional, dando base à produção de iniciativas que estimulam o mercado e desenvolvem tecnologias.

Vale mencionar que a Unicamp se destaca no desenvolvimento de novas tecnologias e no depósito de patentes junto ao INPI: ela ocupa, há anos, a primeira posição entre as universidades brasileiras e a segunda ou terceira posição entre as instituições depositantes, perdendo somente para grandes empresas, como a Petrobrás.

Além disso, a Unicamp também se destaca na formação de profissionais empreendedores, criadores de um grande número de novas empresas que podem ser consideradas filhas de nossa Universidade. A mesma dinâmica ocorre com as atividades de formação de profissionais que atuam em setores estratégicos, como o ensino, e que multiplicam a capacidade de intervenção da Universidade na sociedade, entre outras várias ações.

Mas é real a insuficiência das ações de divulgação e disseminação pela instituição do conhecimento produzido e das atividades realizadas. É nesse âmbito que devemos atuar. A resposta fundamental às críticas deverá vir da informação mais ampla e intensa junto à comunidade sobre o nosso papel, o que temos realizado, e como temos contribuído para o desenvolvimento social do país e a produção de conhecimento mais amplo.

JU – Como serão tratadas as reivindicações salariais que surgirão neste ano?

Rachel Meneguello – Temos clareza da premência dessa questão na pauta de reivindicações dos servidores da Universidade. Sabemos do impacto que a crise econômica vem causando sobre o poder de compra dos salários das pessoas, e acompanhamos a avaliação de que esse cenário, que depende do incremento da produção no país e no Estado, ainda requererá certo tempo para uma alteração substancial que resulte na melhora da arrecadação do ICMS.

A principal fonte de receitas da Universidade é a arrecadação do ICMS do Estado, e a queda de 8,6% do ICMS paulista entre novembro de 2015 e outubro de 2016 foi o dobro da queda no restante do país. Foi esse o cenário que justificou as medidas de contenção de gastos apresentadas pela Reitoria atual e aprovadas pelo Consu em 2016, visando viabilizar o funcionamento da instituição.

Mas é importante afirmar que a Unicamp tem condições de cumprir seus compromissos financeiros nos próximos dois anos, seja por conta de suas receitas próprias, quanto dos recursos orçamentários e extraorçamentários. Receitas próprias são resultado das aplicações financeiras do fundo de reserva que têm previsão, para 2017, de um montante de R$ 151,3 milhões, ou aproximadamente 6,7% do total de receitas orçamentarias.  A Unicamp conta hoje com um fundo financeiro de aproximadamente R$ 780 milhões, suficientes para financiar o montante de dois déficits financeiros como o ocorrido em 2016, de R$ 329,2 milhões.

Mas, para que esse fundo garanta tranquilidade de pagamento de salários, 13º salários, férias e pagamento do vale-alimentação, neste ano de 2017 e, se necessário, o ano de 2018, as condições de ampliação dos gastos a partir de reajuste serão muito reduzidas.  Aqui terá papel fundamental o diálogo franco com a comunidade universitária. Nossa primeira ação com relação a esse assunto será convidar as entidades representativas de nossos servidores, professores e funcionários, para, em uma conversa democrática, apresentar as condições reais orçamentárias da Universidade e planejar as possibilidades de reajuste.

Há ainda outro elemento importante na condução do tratamento das reivindicações salariais, que é o papel do Cruesp. O Cruesp deve ser defendido como organismo de ações conjuntas das três universidades públicas, pois nele reside a capacidade de defesa da autonomia e das condições de funcionamento do sistema de ensino superior público estadual.

Dessa forma, as resoluções, tomadas à base de negociações legítimas, devem refletir a capacidade desse sistema, de forma a fortalecê-lo na estrutura das políticas de investimento em educação e pesquisa do Estado. As situações orçamentárias das três universidades são distintas, e embora a Unicamp esteja em melhor situação frente à USP e à Unesp, nosso quadro também é grave e toda ação merecerá planejamento cuidadoso. Mas é preciso ter clareza que a atuação conjunta não será fácil. A grave situação financeira da Unesp, e eventuais restrições do orçamento para a folha salarial na USP, imporão dificuldades nas negociações.

JU – Em sua opinião, os programas de inclusão social existentes hoje na Universidade são adequados? O que pode ser feito para avançar nessa área?

Rachel Meneguello – Os programas de inclusão existentes têm produzido resultados importantes, mas não são suficientes. A Unicamp vem implementando, desde 2004, o programa de inclusão (PAAIS) em seus cursos de Graduação visando à democratização do ingresso de alunos da rede pública de ensino e de grupos étnicos autodeclarados negros, pardos e indígenas. Os dados do vestibular de 2017 reafirmam, de fato, o ingresso de pouco mais da metade dos estudantes oriundos do ensino público, mas não consideramos esse um resultado satisfatório.

O diagnóstico sobre os efeitos do PAAIS, vigente há 12 anos, apresentado em fevereiro do corrente ano ao Consu pelo GT que organizou as Audiências Públicas sobre a Política de Cotas, mostrou não apenas que o modelo vigente é ineficaz enquanto mecanismo de inclusão socioeconômica, possibilitando que segmentos sociais com renda familiar muito superior à média do Estado e do país se beneficiem do programa, como também apontou que a premissa do recorte étnico-racial atrelado ao recorte socioeconômico como um subitem que recebe pontuação, atingindo apenas sujeitos pretos, pardos e indígenas oriundos de escolas públicas, ignora a independência da questão racial frente à questão socioeconômica.

Entendemos que é necessária uma alteração na política de ação afirmativa para os cursos de graduação para um modelo que possibilite a inclusão dos segmentos mais pobres oriundos de escolas públicas, e que defina a reserva de vagas para grupos étnicos expostos historicamente à desigualdade de natureza diversa em nossa sociedade, notadamente os negros e os indígenas. Portanto, somos favoráveis à politica de cotas para os cursos de graduação da Unicamp.

Trata-se de reconhecer que as ações da universidade pública em um país desigual devem ser pautadas por princípios de justiça social. Trata-se também de reconhecer que, para que a universidade pública responda às demandas de transformação da sociedade brasileira, a sua concepção de excelência deve ser redimensionada, de forma a resultar da articulação das necessidades de uma universidade mais inclusiva com as condições ótimas de formação e produção de conhecimento científico que possibilitem impacto social, econômico e intelectual.

Apoiamos a discussão movida na Unicamp pelo GT acima referido, bem como apoiamos a reserva de vagas para negros e indígenas que compõe a proposta de alteração da política de inclusão apresentada em seu relatório, e que define metas de inclusão social e étnico-racial acompanhadas de políticas de ação afirmativa para o acesso e permanência.

A proposta está em debate no Conselho Universitário, foi encaminhada para manifestação das unidades de ensino e pesquisa e terá total apoio de nossa candidatura.

A mensagem do candidato

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