Foto: ScarpaReginaldo Carmello Corrêa de Moraes é professor aposentado, colaborador na pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. É também coordenador de Difusão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu). Seus livros mais recentes são: “O Peso do Estado na Pátria do Mercado – Estados Unidos como país em desenvolvimento” (2014) e “Educação Superior nos Estados Unidos – História e Estrutura” (2015), ambos pela Editora da Unesp.

Famiglia Bush (I). Papai sabe tudo

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Ilustra: Luppa SilvaPapai sabe tudo era o nome de uma série de TV americana, que foi dublada para os telespectadores brasileiros no começo dos anos 1960. Era uma espécie de vitrine do tal american way of life e, também, a imagem que pretendiam vender da família americana bem ordenada, bem-sucedida, exemplar.

A Famiglia Bush é isso e mais do que isso – o que se pretende insinuar com esse maldoso “g” que faz referência oblíqua a certa organização italiana de ajuda-mútua.

Nos livros sobre o clã, já se usou muitas vezes um outro termo que desagradou o primeiro Bush que chegou à Casa Branca, George Herbert Walk Bush (daqui por diante, Bush I). Dinastia.

Esta série trata a estória deles como uma nova versão de Papai Sabe Tudo e, também, como a trajetória típica das dinastias. Mostra, portanto, perversões peculiares de uma dinastia, com suas taras transmitidas como maldições. Mas, também, busca indicar como elas estão umbilicalmente envolvidas com os pilares da sociedade americana. E, em grande medida, isso explica como a família esteve presente em décadas da história daquele país. E até mesmo tentou emplacar Bush III, em 2016, o jovem Jeb. Infelizmente, porém, para eles, o distinto público republicano já estava farto de adeptos de substâncias estupefacientes usuais. Preferiu um de modelo tipo de espalhafato. Sabor laranja.

 Um outro tema seria relevante, mas precisa ficar para outra novela. Trata-se da caracterização de Bush II como o clímax de um movimento de décadas, a engenhosa e delicada combinação da nova direita. Nesse casamento difícil, entram, por exemplo, os yuppies libertários e os fundamentalistas pentecostais. Uma tarefa nada fácil e uma estória fascinante. Afinal, os yuppies fanáticos de Wall Street, libertários do free-market, gostam de sexo, drogas e rock-and-roll, apoiam o aborto livre e o casamento gay. Pode-se imaginar o diálogo na convenção republicana, diante dos pastores pentecostais que faziam o coração de Bush. Como dissemos, essa trama fica para outra série. A tentativa de criar uma reação ultraconservadora a partir das igrejas é antiga e parte dessa estória pode ser vista em meu artigo Como fabricar uma nação cristã – disponível em: https://jornalggn.com.br/blog/reginaldo-moraes/como-fabricar-uma-nacao-crista..)

Comecemos, então, por uma referência ao material que fornece nossas informações. Há uma enorme produção de livros, artigos, reportagens, relatórios sobre a dinastia. Não conheço histórias em quadrinhos, mas deve haver. São fontes de variada concepção e qualidade. Das mais documentadas e consistentes até as mais deslumbrantes formas de teoria da conspiração, com aquilo que Hofstadter certa vez chamou de estilo paranoico na política. Tentamos filtrar o que pudemos, selecionando como principais recursos estes livros:

Kevin Phillips – American dynasty: aristocracy, fortune, and the politics of deceit in the house of Bush, Viking Penguin, 2004

Russ Baker – Family of Secrets: The Bush Dynasty, America's Invisible Government, and the Hidden History of the Last Fifty Years, Bloomsbury Press, 2010.

Kitty Kelley – The Family – The Real Story of the Bush Dinasty,  Doubleday, 2004.

Unger, Craig – House of Bush, House of Saud: The Secret Relationship Between the World’s Two Most Powerful Dynasties, Scribner, 2004

A primeira impressão que esses estudos transmitem é aquela que mencionamos no começo deste artigo. Trata-se de uma famiglia que refina suas taras muito próprias a cada geração. Ao mesmo tempo, porém, ela consegue se destacar e ficar sempre na moldura da história porque nela se encaixa à perfeição. Os Bush parecem responder precisamente às demandas do business americano – favores para empresas de defesa e energia, verbas generosas para Pentágono, cortes de impostos para ricos e beneficiários de lucros e juros, direitos especiais para CIA e NSA, incluindo o famoso direito de matar sem culpa.

É claro que essas tendências atravessam todos os governos – republicanos ou democratas. Mas foram a própria essência do clã Bush, uma epopeia de quase um século de conspiração e crime, dinheiro e poder. Assim, Reagan e os dois Bush, supostamente campeões da austeridade e da responsabilidade fiscal, foram responsáveis por praticamente todo o estouro da dívida federal americana. Um espanto. Mesmo os governos democratas que “reequilibraram” o orçamento fizeram tal façanha sem arranhar aqueles interesses do business e dos falcões da defesa.

Obama candidato, por exemplo, insinuou uma rebeldia poética, própria de seu perfil. Disse, em certo momento, que não bastava acabar com a aventura no Iraque, era preciso “remover a estrutura mental que nos empurra a novos Iraques”. Logo perceberia que era bem mais do que uma estrutura mental. E prosseguiu, junto com sua secretária de Estado, a inefável Killary, na dura tarefa de gerenciar a morte programada mundo agora.

Enfim, a Famiglia Bush pode ter seu perfil peculiar, mas o nariz dos garotos do Texas fica bem alinhado com o bico da grande águia azul. Como diz o bolero: “Assim como tu, mais ninguém...”. Na próxima semana, nesta mesma tela...

 

 

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