Foto: ScarpaReginaldo Carmello Corrêa de Moraes é professor aposentado, colaborador na pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. É também coordenador de Difusão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu). Seus livros mais recentes são: “O Peso do Estado na Pátria do Mercado – Estados Unidos como país em desenvolvimento” (2014) e “Educação Superior nos Estados Unidos – História e Estrutura” (2015), ambos pela Editora da Unesp.

Espanha, 2019: desta vez não passaram. A esquerda venceu

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Ilustra: Luppa SilvaMuitas apostas se viram frustradas nas eleições espanholas deste 28 de abril.  Na Espanha se disputava um jogo de muito efeito-demonstração para a Europa, como argumentamos no artigo da semana passada.  Há 80 anos, a península ibérica tinha sido um grande ensaio do novo estilo de guerra nazista. Naquela ocasião, os republicanos diziam: no pasarán! Mas os fascistas passaram.

Nesta eleição também se montava um palco a mostrar como exemplo para o continente. Nas pesquisas eleitorais dos últimos dois meses, havia muita especulação sobre o significado do grande número de indecisos. O alerta era provocado pelo que ocorrera nas eleições regionais da Andaluzia, meses atrás: uma surpreendente ascensão do ultradireitista Vox. Alguns analistas chegavam a dizer que “a Europa chegava à Espanha, pelo sul”. Isto é, o fenômeno das agremiações extremistas de direita chegava ao país que se dizia “diferente”. Os dirigentes do partido esperavam utilizar os recursos já testados nas eleições de Trump e Bolsonaro, bem como no referendo inglês do Brexit. O guru Steve Banon apostava nas campanhas de desinformação e medo via redes sociais.

Só que...

Quando as pesquisas mostravam oscilação e voto não declarado, especulava-se que havia um grande número de “eleitores envergonhados” da ultradireita – e que o partido que representa essa causa, Vox, poderia aparecer como força significativa. Não para ganhar a maioria e liderar o governo – mas para impor ao velho partido conservador, do qual saíra, uma guinada mais à extrema. Assim parecia ser, caso o PP, somado a Ciudadanos, a direita “moderna e perfumada” também dissidente do PP, conseguissem compor o novo gabinete. Só que não – os três se abraçaram na derrota. O veneno teve resultados controversos. PP e Ciudadanos de fato foram atraídos para a armadilha de radicalizar pela direita – mas isso não lhes deu os eleitores e Vox e, ainda, quem sabe lhes tenha tirado eleitores menos extremistas.

A tabela abaixo mostra um resumo dos resultados:

Reprodução

O PP desidratou consideravelmente, registrando o pior resultado de sua história – perdeu 3.5 milhões de eleitores, comparando com as eleições de 2016. Parte foi para Ciudadanos,  que já havia engolido um pedaço dos “populares” em 2016. Uma outra parte foi para a “coerência” extremista de Vox. Contudo, havia ali um paradoxo: Ciudadanos e, principalmente, Vox, dependiam de uma votação mais forte do PP para terem um papel relevante, isto é, para negociar uma coligação de governo. Sem isso, ganham bancadas numerosas, mas deixam de ser fiel de balança, cacife a adquirir. Não têm para quem vender.

O resultado de Vox é relevante, porque elege uma boa bancada, 24 mandatos, em um total de 350. Mas está longe de ser a assombração que ameaçava o cenário ibérico.

Há um certo deja vu nesse cenário de previsões alarmistas. As eleições na Andaluzia tinham causado surpresa é verdade, mas as análises talvez tenham sido apressadas. Também ali, não houvera um aumento dos votos do bloco da direita: a soma de PP, Cs e Vox deu 1,8 milhões, 200 mil a menos do que nas eleições gerais de 2016. O que determinou o destaque para Vox, a direita-cachorro-louco, foi a conjunção de dois fatores: a redistribuição de papéis na direita e a abstenção da esquerda.

Acontece que o primeiro grande resultado desta eleição de abril foi a alta participação, uma das maiores dos últimos 25 anos, quase alcançando a memorável marca da eleição em que Zapatero descadeirou o PP. Aquele pico de participação, em 2004, era favorecido pelo clima de reação furiosa contra os conservadores e sua política externa desastrada, vista como causa quase certa do pavoroso atentado do metrô, na semana da eleição. Comentei esse episodio aqui: Madrid, 2004: um atentado, uma eleição.

Desta vez, e mais uma vez, a queda da abstenção favoreceu a esquerda. A direita seguiu seu ritmo, ainda que perdendo algum empuxe. Na eleição de 2016, a soma de votos de PP, Ciudadanos e Vox gerou uns 11 milhões de votos. Repetiram a soma agora. Mas a diferença estava do outro lado: os eleitores antes “ausentes” resolveram votar – e votaram no PSOE, em Podemos e em agremiações regionais à esquerda.

O cenário espanhol segue sendo aquele das ultimas décadas. Com picos de participação que alteram a divisão entre as forças. Quando a abstenção cai, a esquerda sobe. Foi assim com Zapatero e foi assim agora, com Sanchez. Nada menos do que dois milhões de eleitores a mais, nesta eleição, comparando com a de 2016. Numa eleição equilibrada, faz diferença.

Em resumo, dos 26 milhões de votos contabilizados, lá se vão uns 11 milhões para a esquerda, outros 11 para a direita e o restante para os partidos de expressão regional. Destes, como disse, uma parte significativa, agora, tende para a esquerda – a Esquerda Republica de Catalunha, o En Comú Podem, o EH Bildu basco.

O desafio dos socialistas é governar nessas condições delicadas. Conseguirão articular uma versão própria da “geringonça’” portuguesa e acionar políticas progressistas que contém com o apoio de Podemos e dos independentistas?  Ou vão optar pela antiga adesão a políticas de “austeridade”, aquelas que acabam por desmobilizar sua base de apoio social? A esquerda espanhola tem agora uma oportunidade para mostrar que sabe fazer algo diferente do que o “mais do mesmo”. Terá ousadia? Ou vai abrir uma porta para a recuperação da velha oligarquia?

 

 

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