Foto: ScarpaReginaldo Carmello Corrêa de Moraes é professor aposentado, colaborador na pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. É também coordenador de Difusão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu). Seus livros mais recentes são: “O Peso do Estado na Pátria do Mercado – Estados Unidos como país em desenvolvimento” (2014) e “Educação Superior nos Estados Unidos – História e Estrutura” (2015), ambos pela Editora da Unesp.

Era de Aquário ou era do aquário? Do jornal impresso às redes

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Ilustra: Luppa SilvaEm 1450, Gutenberg inventou a imprensa, ou melhor, a prensa. Um ano depois já havia produzido 200 exemplares da Bíblia. Antes dele, um monge costumava demorar um ano para entregar um exemplar – copiado à mão. Cinquenta anos depois, já havia milhões e milhões de livros circulando pela Europa, graças à nova invenção. Assombroso, mas era apenas o começo de uma transformação brutal – o livro portátil tornaria viável o romance, a novela e também o material didático padronizado imprescindível à massificação da escola pública.

Uns 300 anos depois da prensa, veio o telégrafo. A palavra viajava mais rápido, gerava a imprensa de negócios, a especulação em tempo quase real. Em 1870, uma carta, livro ou jornal demorava uns 30 dias para ir de Lisboa ao Rio de Janeiro. A mensagem do telégrafo chegava quase imediatamente. Mas ainda era apenas o começo.

Quando chega o século XX, com ele chega o rádio, mensagem transmitida, aí, sim, em tempo real, a léguas do emissor. E para a mensagem do rádio nem era preciso saber ler ou interpretar códigos especiais. Ouvir o noticiário do rádio – emitido em algum lugar distante – podia substituir o jornal impresso local.  Apenas 20 anos depois do rádio surgiu a TV. Olhos de ver, ouvidos de ouvir – nem São Mateus, em sua imensa sabedoria, teria conseguido prever a extensão do que recitava. Mas na terra da TV, os pastores estavam entre os primeiros que entenderam o potencial das ondas do rádio. Jeová surfava antes nas ondas de rádio, para depois migrar para a telinha (mas continua no rádio!).

A ligação entre todas essas tecnologias – a telemática – e a triangulação através de satélites permitia o tráfego de sinais em todo o planeta. Em 1962, os brasileiros viam os jogos da Copa do Mundo, pela TV, duas horas depois que eles terminavam. Era o tempo que um avião levava para trazer os rolos de videotape do Chile. Em 1970 já se podia ver o jogo (do México) em tempo real – em cores. Mais do que isso: uma ordem de pagamento, em São Paulo, era imediatamente compensada em Belém. A torre da Telesp no Bairro da Bela Vista assumia o controle dos dados bancários. Ali perto, a Avenida Paulista se transformava no centro bancário do país. Pelos satélites.

O mundo ficava menor. A comunicação, mais barata. O preço de uma mensagem telegráfica entre Nova Iorque e Londres custava 10 dólares em 1870. E vinte centavos, 50 anos depois. O preço de uma chamada telefônica de 3 minutos, no mesmo trecho, custava 75 dólares em 1930. E quinze centavos no ano 2000.  Hoje, nem mesmo essas comparações fazem sentido.

Com a televisão e o rádio, porém, algo se perdia, embora muito se ganhasse. Pense no jornal. O leitor pode folhear, selecionar o que ler, demorar e voltar ao que lera antes. Com o rádio e a TV, não, eles te conduzem. Quase como “caminhar” em uma esteira eletrificada. Com a TV se amplia aquilo que alguns chamam de “aquisição incidental da notícia” – saber de algo que você nem estava procurando...  Quase como a estória do fumante passivo.

Bom, mas ainda faltava... a internet. Nos anos 1990 ela deixou de ser uma rede militar e acadêmica – Arpanet – e se transformou em um espaço aberto ao comércio, manejável através de ícones simplificados, numa tela “amigável”, o navegador. Na Unicamp, no final dos anos 90, usávamos a Bitnet, uma rede acadêmica derivada da Arpanet. Podíamos enviar mensagens e “pacotes” de texto, por exemplo, digitando ordens na linha de comando do sistema operacional (o MS-DOS), por uma linha telefônica discada e um modem.

A generalização de outras tecnologias – fibra óptica e protocolos padronizados para transmissão, por exemplo – foi tornando possível uma infraestrutura mais segura e eficiente, confiável. E a criação de interfaces “amigáveis”, como os navegadores (Mosaic e Netscape), tornava possível uma “alfabetização web” rápida, de massas. Com o segredo da grande escala: altos investimentos fixos, baixos custos unitários.

 Em 2000, menos de 50% dos adultos americanos usavam a internet. Em 2008, esse índice chegava aos 75%. Em 2000, apenas 50% dos americanos possuíam celular. Em 2008, eram 82% - aliás, smartphones, não mais simples celulares. Em 2000, ninguém nos Estados Unidos estava plugado através de redes sem fio. Em 2008, esse número chegava aos 62%. O arcanjo Gabriel poderia acessar Maria sem cabos. Judas nem precisaria beijar Cristo, bastava enviar um self.

A decolagem da internet, plotada em um gráfico como esse abaixo, excita a imaginação. Porque não apenas mostra a velocidade desse crescimento, mas sugere o impacto que deve provocar em tudo – na vida cotidiana, na organização das empresas e do mercado de trabalho, na vida cultural e política.

Foto: Reprodução

Mais revelador, contudo, é a desagregação do crescimento do conjunto desse híbrido setor, que tem sido chamado de Tecnologias de Informação (TI). Note que, mais do que internet, o nec plus ultra da novidade é o telefone móvel. Algumas consequências são assombrosas e notadas em lugares e situações inesperadas. Contam os especialistas que o uso de celulares tem crescido monstruosamente... na África, por viabilizar operações bancárias e dispensar a instalação de agências. Enquanto em São Paulo a categoria dos bancários esmaece por conta da automação, na África ela desaparece antes de nascer. A correr por esse caminho, a profissão se juntará à dos fabricantes de cartolas.

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Ainda vai levar um tempo para avaliarmos implicações dessa mudança – em especial, a massificação da internet e da telefonia móvel.  Daqui a alguns anos, talvez décadas, teremos como comparar esse impacto com aquele provocado pela invenção de Gutenberg.

De qualquer modo, já vemos algumas mudanças dramáticas no mundo da comunicação, mais do que um simples aumento de velocidade. Um exemplo: a tecnologia separou os jornais do anúncio, da publicidade, do “reclame”. Até um passado bem recente, os jornais podiam ser sustentados pela publicidade. Assim, um “modelo de negócios”, um sistema comercial (a venda de anúncios) subsidiava um outro mundo, com pretensões “educativas” ou “cívicas”, a difusão de informações, entretenimento e cultura. Isso está se desmanchando. Os mais velhos (nem tão velhos) ainda lembram que o jornal da quinta ou de domingo era o jornal dos classificados – empregos, casas para alugar ou vender, automóveis usados, serviços.

Um modelo de negócios e um mundo estão acabando e não é claro qual outro o substituirá. E quando. E em que extensão.

Com a proliferação de fontes de emissão, um outro problema se soma a estes todos: o acesso à informação atingiu níveis muito elevados. A questão, agora, é como identificar qual informação é necessária, útil e... confiável.

Enfim, abre-se um reino de questões, um campo para reflexão e análise de nossos pesquisadores. Alguns podem achar que estamos entrando na mítica Era de Aquário. Outros acharam que entramos num aquário – ou bolha. Talvez não seja nem uma coisa nem outra.

 

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