Foto: ScarpaReginaldo Carmello Corrêa de Moraes é professor aposentado, colaborador na pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. É também coordenador de Difusão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu). Seus livros mais recentes são: “O Peso do Estado na Pátria do Mercado – Estados Unidos como país em desenvolvimento” (2014) e “Educação Superior nos Estados Unidos – História e Estrutura” (2015), ambos pela Editora da Unesp.

Distâncias sociais – a desigualdade distribuída ao longo dos trilhos do metrô

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Ilustra: Luppa SilvaEste artigo terá uma forma híbrida. Algo entre a estória em quadrinhos e o clip. Talvez seja um storyboard, o roteiro para uma estória ilustrada. Como não tenho talento para essa arte, o exercício será um pouco elementar, um desenho em linhas grossas. Espero que o conteúdo do argumento seja melhor do que isso.

O tema geral é este: a desigualdade de classes retratada no espaço da cidade. O palco é Nova Iorque, a capital do império. A inspiração é um exercício que a revista New Yorker fez, anos atrás, associando as estações de metrô com as faixas de renda, tal como apareciam nos dados desagregados do censo de 2010. Pode ser visto em: http:// https://projects.newyorker.com/story/subway/.

A cidade tem 5 grandes divisões, ou boroughs, retratados no mapa abaixo [Figura 1]. A faixa azul é a famosa ilha de Manhattan, o pedaço da cidade que é uma espécie de cartão postal da cidade, porque é ali que vivem as celebridades, os ricaços, ali estão os quartéis-generais das corporações e bancos, ali reina Wall Street, uma ruazinha pequena mas decisiva, na ponta sul da cidade. Bem menos famosa e bem periférica, Staten Island é acessível por trem e barco. Mais famosos são Brooklyn, tradicionalmente um bairro de imigrantes judeus e italianos, e o Queens, de novos imigrantes (inclusive brasileiros). Ao norte, o Bronx, com uma área mais abonada e outra (o South Bronx) bem pobre, dominado por minorias étnicas, negros e, sobretudo, latinos – essas duas minorias somam quase 90% da população local. O Bronx também já foi italiano – ali morava Don Corleone. Ali ficava o restaurante em que Michael Corleone (Al Pacino) matou o chefe de polícia com um tiro nas fuças.

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A cidade é cortada por uma rede fantástica de trilhos, o metrô que você vê em filmes. A malha é densa, para ter uma ideia, dê uma olhada no mapa das linhas, a seguir [Figura 2]:

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Andar pelo metrô é uma espécie de viagem pelas diversidades e desigualdades que habitam esse coração do império. Duas linhas me chamaram

atenção. Uma delas, apelidada por uma escritora de “International Express”, é a linha 7, a cor lilás do mapa. É uma excursão no campo dos novos imigrantes – de toda parte do mundo. A outra, que comentarei mais detidamente, é a linha 5, que vem dos cafundós do Brooklin, entra na ilha e vai pro outro cafundó, ao norte, o Bronx. Esta linha já foi tema de filme, O Sequestro do Metrô. E é retrato de um drama. A revista New Yorker, alguns anos atrás, pegou os dados do censo demográfico de 2010 e marcou as médias da renda familiar que identificam cada uma das estações. O trajeto é chocante. Veja abaixo o desenho para a linha 7, o International Express (Figura 3):

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Reparou? A ilha é uma ilha mesmo, não apenas do ponto de vista geográfico. Atravessou a ponte, você entra no andar de baixo da metrópole.

Agora veja o mesmo exercício para a linha 5 [Figura 4]:

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A região do centro velho é, no geral, menos charmosa do que o norte (abaixo do Harlem, claro). Durante o dia, muito movimentada, à noite, bem menos, sobretudo o extremo sul. Algumas áreas decadentes (no sudeste). E algumas áreas que foram recuperadas – ou melhor, elitizadas, com a expulsão dos pobres e a construção de conjuntos residenciais mais chiques. É o caso do bairro do Chelsea, próximo da nova High Line, o elevado de trilhos (um minhocão deles) transformado em um jardim suspenso. A renda média desse pedaço subiu bastante no último censo.

Veja o mapa de novo. A estação Grand Central, na rua 41, fica perto da ONU e do Rockfeller Center. A rua 86, leste, fica na região do famoso café em que o Woody Allen tocava saxofone de vez em quando, para citar um exemplo de celebridade. No meio fica também a estação do Hunter College. Essa não está no mapa porque a linha 4 é a linha do “expresso” que vai direto para o Harlem e o Bronx, cortando algumas estações intermediárias.

Vamos imaginar que você pegue esse expresso na ilha, ali perto da estação Grand Central: você está numa região de renda média acima de 130 mil dólares. Peguei esse trem na rua 86, para visitar um community college no South Bronx, na estação da Rua 149.  Poucas estações do expresso, 15 minutos no trem, e você está no Harlem, a renda média já caiu para uns 15 mil. Seu guia turístico quase certamente lhe diria para não descer ali depois das seis da tarde. Mais dois minutos no South Bronx. A renda continua no baixo patamar dos 15 mil. Você observa o contraste nas casas, nas roupas das pessoas, nas escolas. Como o orçamento da escola reflete quase que ao pé da letra a renda do distrito, podemos dizer que os jovens das estações “altas” têm o que ainda chamam de escola de Primeiro Mundo. As do Bronx e Harlem têm algo próximo do Terceiro Mundo. No coração do império.

Visite o site. Mas, melhor ainda, se souber trabalhar com cartografia temática e sistemas de informação geográfica, imagine fazer algo semelhante com as cidades brasileiras. Acho que teríamos coisas parecidas, porque o nosso modelo de desigualdade é bem norte-americano. A gente não importa apenas hambúrgueres e iPhones. Importamos o gosto pela desigualdade, referendada por mídia oligárquica, pastores charlatães, bufões neofascistas. Um pacote.

 

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