Por que ensinar mudanças climáticas?

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Vivemos uma “emergência climática”. O aquecimento do planeta Terra, a mudança nos padrões de variáveis como chuva e temperatura, o aumento da frequência e intensidade dos eventos extremos como chuvas intensas, secas, ondas de calor e de frio vêm afetando a vida das pessoas e diversos setores econômicos. Mas essa emergência não é novidade. Cientistas têm alertado sobre isso há décadas e não somente eles, mas também notícias em jornais, revistas e podcasts. Com isso, muitos conceitos têm se tornado mais frequentes em nosso dia a dia, como por exemplo justiça climática, racismo climático, ansiedade climática, dentre tantos outros. A questão do clima está presente de maneira definitiva em nosso cotidiano e afeta todos.

O desequilíbrio climático que vivenciamos hoje está diretamente ligado às escolhas que a sociedade vem fazendo ao longo de décadas. Algumas saídas têm sido propostas pela ciência para diminuir o aquecimento do planeta e evitar mais impactos negativos. Ações de adaptação às e mitigação das mudanças climáticas são importantes e é urgente priorizar um desenvolvimento mais sustentável.

Complexo e interdisciplinar, o sistema climático é algo abstrato para a maioria das pessoas, que aprendem sobre esse conteúdo, de forma isolada, em uma aula de Geografia no sexto ano do Ensino Fundamental. As mudanças climáticas adicionam ao tema do clima assuntos ainda mais abstratos como emissão de gases do efeito estufa, aumento da temperatura e cenários futuros. Para complicar essa equação, o tema “mudanças climáticas” saiu da esfera cientifica e entrou na esfera da “crença” ao ser inserido na polarização política que o país vivencia atualmente. Muitas pessoas ignoram os dados e os alertas dos cientistas e simplesmente não acreditam em mudanças climáticas. Como, então, priorizar algo que não conhecemos direito?

Uma das respostas está na educação, capaz de formar cidadãos críticos e conscientes, ou seja, aptos a tomarem decisões. As pessoas educadas sobre as questões do clima são capazes de entender termos específicos, avaliar criticamente as informações veiculadas na mídia, diferenciando o que é do senso comum do que é sensacionalismo, além de serem capazes de desenvolver e materializar respostas eficazes às alterações climáticas.

Ensinar sobre as mudanças climáticas não é uma tarefa simples e, o Brasil, enfrenta enormes desafios. No contexto da Educação Básica, há falta de recursos e de incentivos. Há também uma deficiência na valorização do professor que, além disso, não recebe formação específica para trabalhar com esse assunto. Pesquisas apontam que eles entendem a importância das mudanças climáticas no contexto escolar, mas se sentem sozinhos nessa jornada. Com isso, os temas relacionados ao clima acabam ficando restritos a um esforço individual das escolas como um determinado projeto pedagógico e acabam competindo com outros temas igualmente importantes.

Nesse contexto foi criado o Laboratório de Educação (LabEduc) no Cepagri (Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura). Em conjunto com o Programa de Pós-Graduação em Ensino e História em Ciências da Terra (EHCT) do Instituto de Geociências (IG), o LabEduc busca desenvolver pesquisas na área de clima e meio ambiente, com foco no ensino de Geociências, disponibilizando esse conhecimento de forma simples e gratuita para professores e escolas.

Um dos trabalhos realizados pelo LabEduc foi o desenvolvimento de um jogo de tabuleiro para o ensino médio tendo como tema a Climatologia. Dentro dos objetivos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco (Unicef, 2012) e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018), “Entrando no Clima” retoma os jogos físicos de tabuleiro, meio esquecidos após o advento dos jogos eletrônicos. Desenvolvido pelas alunas de mestrado Jessica Patrícia Oliveira e de doutorado Larissa Vieira Zezzo, o jogo busca utilizar a brincadeira, o lúdico e o visual para ensinar conceitos abstratos relacionados à climatologia e às mudanças climáticas. Utilizando diferentes cartas para “verdadeiro ou falso”, “você sabia?” e “perguntas com respostas alternativas”, o jogo estimula jovens a aprenderem sobre as mudanças climáticas, sobre temas relacionados a climatologia e sobre a convivência, o trabalho em equipe e a relação professor-aluno.

O jogo está disponível nas mídias do Cepagri e pode ser consultado no artigo de Zezzo et al. (2020). Também pode ser requisitado por qualquer professor da rede pública ou particular. 

Foto de um jogo de tabuleiro. Cartas, pinos e uma ampulheta aparecem à esquerda da foto.
Figura 1 – Jogo “Entrando no Clima”. O jogo é constituído por (i) tabuleiro, (ii) cartas perguntas divididas em múltipla escolha e verdadeiro ou falso, (iii) cartas respostas, (iv) cartas “você sabia?” – com curiosidades sobre o clima que podem auxiliar o jogador a responder às questões –, (v) cartão de regras, (vi) ampulheta – marca o tempo que o jogador tem para responder a uma questão após lê-la –, (vii) pinos coloridos que representam cada jogador no tabuleiro e (viii) um dado de seis faces (Foto: Divulgação)

Exemplos e iniciativas como a do LabEduc e, por exemplo, o “CEMADEN Educação” ou “NASA Kids” auxiliam na jornada de aprendizado sobre mudanças climáticas, mas ainda são ações paliativas. São necessários investimentos e uma reformulação no currículo escolar, de modo a incluir esse tema desde a Educação Básica. Desse aprendizado depende a capacidade crítica dos jovens de fazer escolhas baseadas no conceito de que o crescimento econômico não deve se dar em detrimento do clima. Como sociedade, precisamos reavaliar o que é progresso, e a educação pode ser a chave para isso.

 

*Priscila Coltri é engenheira agrônoma, formada pela Esalq/USP. É Pesquisadora e Coordenadora do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas a Agricultura (Cepagri) da Unicamp. É professora permanente do Programa de Pós-Graduação de Ensino e História em Ciências da Terra (EHCT) do Instituto de Geociências (IG/Unicamp). Atualmente coordena o LabEduc – Laboratório de Ensino em Climatologia, do Cepagri.

Esse texto é um artigo de opinião e não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

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