Foto: Antoninho Perri

Peter Schulz foi professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin" (IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor titular da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de artigos em periódicos especializados em Física e Cienciometria, dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da interdisciplinaridade. Publicou o livro “A encruzilhada da nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos” (Vieira & Lent, 2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São Paulo (2010).

Ciência pequena, média ou grande

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Ilustração: Luppa SilvaCiência pequena, ciência grande (Litle Science, Big Science) é o livro de Derek de Solla Price publicado há 55 anos. O livro, provavelmente mais citado do que lido, propõe a própria ciência como objeto de estudo científico, analisando quantitativamente sua dinâmica e seu desenvolvimento. De lá pra cá, o uso de indicadores de produção científica só cresceu em arenas devidas e indevidas. O mote era escrutinar a transição da “pequena” para a “grande” ciência. A litle (science) refere-se à pesquisa de baixo custo realizado por um indivíduo ou um grupo pequeno deles, como no modelo mestre-aprendiz, ou seja, orientador-orientando. Bastam auxílios relativamente pequenos para agregar uma nova técnica de análise a um laboratório já consolidado numa instituição de pesquisa; ou uma nova coleção a uma biblioteca de universidade já bem sortida.

Big (science) refere-se, por outro lado, a equipamentos caros e complexos e grandes equipes de pesquisa com seus desafios organizacionais próximos, às vezes, aos de corporações. Atenção: esses desafios não se referem à gestão do instituto de pesquisa ou da universidade onde ocorrem as pesquisas, mas do projeto de pesquisa em si. Podemos dizer que essa grande ciência começou durante a Segunda Guerra Mundial com o projeto Manhattan para construir as primeiras bombas nucleares.

O que de Solla Price tinha em mente como exemplo desse tipo de ciência era o que hoje é sua expressão extrema: a física desenvolvida nos grandes aceleradores de partículas, que não pararam de crescer [I]. No outro extremo teríamos o pesquisador solitário, necessitando pouco mais do que lápis e papel, como foi o caso de Albert Einstein no início do século passado. Pensando bem, esse exemplo não é apropriado, pois Einstein não realizava experimentos de laboratório, apenas experimentos conceituais (Gedankenexperimente).

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Big Science vs Small Science | Imagem: Reprodução: evolution-green.com

A descoberta da estrutura do DNA seria um caso mais apropriado. A descoberta da mais famosa das estruturas moleculares é devida a um time de apenas quatro pessoas: a dupla James Watson e Francis Crick, que juntos com Maurice Wilkins levaram o prêmio Nobel pelo feito, e Rosalind Franklin, responsável pelas melhores fotografias cristalográficas dessa emblemática molécula. Fotografias obtidas em equipamento pensado para outra coisa. Crick não era para estar trabalhando no tema (seu doutorado era sobre a hemoglobina), bem como Watson, que era para ter ficado na Dinamarca estudando vírus (lembrando que os outros três trabalhavam na Inglaterra). Algo desorganizado, desobediente e de baixo custo. Isso aconteceu em meados do século passado e na virada para este século o cenário era bem diferente.

O artigo que descreve o sequenciamento da Xyllela fastidiosa, realizado por um consórcio brasileiro e publicado na Nature [II], é assinado por 115 coautores [III]. A Biologia deixou de ser “pequena” para também ser “grande”. Esse é exatamente o tema do artigo que inspirou a inclusão de “média” no título dessa coluna: “Big, small or mezzo?”, publicado no EMBO Reports em 2010 [IV]. A linha fina [V] do artigo denuncia a discussão deste: “lições dos estudos de ciências sobre o presente debate acerca dos projetos de pesquisa ‘grandes’ versus ‘pequenos’”.

Os autores da grande, pequena ou média original de 2010, contam a história do desenvolvimento do big e seu papel na Biologia hoje, lembrando que big também caracterizava os programas de pesquisa organizados em função do Ano Internacional da Geofísica (1957-1958) [VI]. Big significa, além de equipes cada vez maiores e equipamentos crescentemente complexos, modificações na organização da pesquisa e, portanto, nas formas de seu financiamento. O sucesso do “grande” parece evidente, mas associa-se a uma “industrialização das atividades de pesquisa” o que leva a uma diminuição do espaço para a pequena ciência, território do exploratório e do risco.

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Science Raps by KIPP Kids: Rosalind Franklin vs. Watson & Crick | Imagem: Reprodução | maxinemachine.wordpress.com

De Solla Price já se preocupava em seu livro de 1963 com a possibilidade de que a “burocracia associada à ciência grande afastaria os intelectuais independentes de quem a ciência depende”. Por outro lado, atrai muitos outros, pois “grande” proporciona normalmente mais publicações e maior impacto em citações. O artigo sobre os três tamanhos de ciência discorre ao final a respeito dos cuidados necessários na diversificação adequada do financiamento da pesquisa para garantir esses diferentes tamanhos.

Textos mais recentes já em seus títulos também anunciam que o debate continua. “O fim da ‘small science’?” (Science, 2012) [VII] reafirma a necessidade da ciência pequena junto à grande biologia. “Reflexões pessoais sobre ‘big science, ‘small science’ ou a mistura correta” (National Institute of Health, 2014) [VIII] aborda, entre outras coisas, a ameaça que a ciência grande representaria para a ciência pequena em épocas de restrições financeiras.

O tema também surge indiretamente em texto de 2016 sobre os recordes de financiamento de pesquisa na Coreia do Sul [IX]: “Porque a Coreia do Sul é o maior investidor em pesquisa do mundo”. A matéria começa comentando um típico empreendimento “grande”: a detecção de uma partícula hipotética chamada Áxion, que seria um dos componentes da misteriosa matéria escura que compõe a maior parte do universo. Apesar de “grande” é de alto risco, que é mais característico da ciência “pequena”. Se der certo, entenderemos melhor o universo e certamente levará um prêmio Nobel para a Coreia do Sul e a linha fina dessa matéria na Nature é exatamente esta: “a nação asiática está gastando muito na esperança de ganhar um prêmio Nobel, mas precisará de mais do que dinheiro para alcançar suas ambições.” As críticas ao modelo de financiamento coreano vão exatamente na direção de que a ciência pequena estaria sendo subfinanciada. Se o objetivo lá do outro lado do mundo é conseguir o seu primeiro Nobel, o que um Nobel teria a dizer sobre como isso acontece?

Adepto da ciência pequena, deixo para a semana que vem as estórias de dois deles. Uma história para continuar em brotinhos.

 


[I] https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/peter-schulz/5145-autores-particulas-e-catedrais

[II] http://www.comciencia.br/dossies-1-72/reportagens/genoma/genoma1.htm

[III] Para verificar se eu contei corretamente: https://www.nature.com/articles/35018003

[IV] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2892327/

[V] http://dicionariodejornalismo.blogspot.com.br/2012/01/linha-fina.html : Pequena linha de texto usada sobre ou logo abaixo do título para destacar informações da matéria. 

[VI] https://en.wikipedia.org/wiki/International_Geophysical_Year

[VII] http://science.sciencemag.org/content/337/6102/1583

[VIII] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4006109/

[IX] https://www.nature.com/news/why-south-korea-is-the-world-s-biggest-investor-in-research-1.19997

 

 

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