Prof. Luiz Carlos Dias | Foto: Antonio Scarpinetti

Luiz Carlos Dias é Professor Titular do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da UNICAMP no combate à Covid-19.

Precisamos de um clamor popular

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Segundo o levantamento feito pela parceria do consórcio de veículos de imprensa formado por G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL, até o dia 08/02/2021, o Brasil aplicou a primeira dose das vacinas Coronavac (Butantan/Sinovac) e Covishield (Oxford/AstraZeneca/Fiocruz) em 3.816.951 de pessoas, ou cerca de 1,79% da população brasileira e a segunda dose em 33.723 pessoas. Outros dados também podem ser acessados no site “Our World in Data”.Enquanto cidadãos e cidadãs, nós temos que exigir do governo federal o protagonismo para garantir a universalidade das campanhas de vacinação em massa.

Uma campanha de vacinação não pode durar 16 meses, tem que ser muito mais curta, audaciosa. O Governo Federal precisa providenciar mais doses de vacinas e organizar o processo de vacinação em massa. Nós precisamos de um clamor popular, precisamos da população exigindo a compra de vacinas, pressionando para uma campanha nacional de conscientização da população.

Israel, embora seja um país pequeno e tenha adotado recentemente algumas restrições de movimentos, já vacinou um terço da população com a vacina da Pfizer e está observando redução no impacto da doença e no total de hospitalizações por Covid-19 na faixa etária acima dos 60 anos. Os cientistas israelenses atribuem a queda em infecções e hospitalizações em pessoas com mais de 60 anos à vacinação e não apenas às restrições atuais.

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Sobre mutações e variantes do vírus

Mutações no Sars-CoV-2 acontecem com certa frequência, pois o vírus está tentando escapar da ação do sistema imunológico do hospedeiro humano e em um processo de evolução natural, o vírus pode estar dando os primeiros passinhos para escapar da proteção dos anticorpos neutralizantes produzidos pelas vacinas. O vírus busca aumentar sua capacidade de multiplicação e transmissão com o objetivo de infectar o maior número de hospedeiros.

Sorte nossa que as vacinas treinam o sistema imunológico para atacar diferentes partes do vírus, um amontoado de proteínas que é um alvo bem maior do que partes mais pontuais que estejam sofrendo mutações e esta resposta não depende só de anticorpos neutralizantes, mas também de células de memória como os linfócitos T (T CD4 e T CD8).

Algumas mutações podem tornar o vírus mais transmissível, mas eventualmente outras podem dar ao vírus a capacidade de fugir da resposta imune. A primeira vez que tivemos notícia de uma variante significante do vírus foi com a D614G que apareceu na Europa e na China em fevereiro de 2020, se espalhou rapidamente pela Europa e pelas Américas e está pelo mundo hoje. Esta variante se liga mais facilmente à proteína ECA-2 (porta de entrada do vírus em nossos órgãos) em nossas células, em comparação com a variante original, sendo um pouco mais transmissível. Mas outras variantes aparentemente ainda mais transmissíveis apareceram, facilitadas pelo comportamento humano.

Vamos tentar entender um pouco o que significam alguns dos termos.

O que são mutações: Ocorrem com frequência e de forma aleatória no material genético do vírus e nem sempre deixam o vírus mais forte ou mais transmissível, mas algumas mutações que ocorrem na proteína Spike (S) do Sars-CoV-2 podem ser mais preocupantes, pois é esta proteína na parte externa do vírus, através do domínio de ligação ao receptor (RDB), que é usada para interagir quimicamente com a proteína ECA-2 em nossos órgãos e entrar nas células.

Duas mutações importantes ocorreram na proteína Spike, a N501Y, que apareceu em 3 variantes e a E484K, que aparece nas variantes da África do Sul e de Manaus. A mutação N501Y trocou um aminoácido asparagina (N) no material genético do vírus de Wuhan por um resíduo tirosina (Y), que aparentemente se liga mais fortemente com a proteína ECA-2 em nossas células, através do domínio de ligação ao receptor (RDB), com maior número de ligações de hidrogênio, enquanto a mutação E484K parece enfraquecer a ação dos anticorpos.

As variantes N501Y e a E484K afetam exatamente o domínio de ligação ao receptor (RDB), a região mais crucial da proteína mais importante do Sars-CoV-2, a Spike (espícula ou S). Contudo, as vacinas podem continuar a funcionar porque elas não produzem anticorpos apenas contra o domínio de ligação ao receptor (RDB).

O que é uma variante: Mudança do vírus no processo de replicação, de forma que se uma mutação ocorre muitas vezes, se há fixação confirmada pelo sequenciamento do genoma, mostra ser uma variante do vírus anterior original. Algumas variantes identificadas são: B.1.1.7 (501Y.V1) no Reino Unido, B.1.351 na África do Sul (501Y.V2) e agora a P.1. (501Y.V3) em Manaus. As siglas representam as mudanças na proteína Spike (espícula viral). Estas mudanças são discretas, mas levam ao domínio das variantes mutantes ao longo do tempo, pois elas conseguem ser mais transmitidas e dominam a pandemia no local.

As variantes sul-africana e brasileira tem mutações em comum, ocorrendo em pontos semelhantes no vírus. Um estudo preliminar publicado no dia 07/02/2021 na plataforma medrxiv mostra que a variante britânica B.1.1.7 está se espalhando rapidamente e pode dominar os casos de Covid-19 nos EUA em março. Segundo a OMS, a B.1.1.7 já está circulando em 80 países.

No que se constituí uma Cepa: São variantes ou conjuntos de variantes de uma determinada linhagem que se comportam de modo diferente do vírus original. As variantes que não se comportam de forma semelhante, como as do Reino Unido e da África do Sul, são cepas diferentes. Ainda não temos confirmação se a variante de Manaus é de fato uma nova cepa, se promove um comportamento diferente na dinâmica da pandemia aqui no Brasil.

O que é Linhagem: Conjunto de variantes originadas de um vírus original em comum, como certo número de mutações que estão ocorrendo em vários países.

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Ainda é cedo para concluir isto, não devemos ainda nos preocupar com escape vacinal, que seria as vacinas não funcionarem para estas variantes de vírus, mas fato é que quanto mais o vírus se espalhar e se disseminar, maior será o número de mutações que podem fazer com que o vírus escape da resposta de proteção tanto do sistema imunológico como das vacinas. Por isto, é essencial uma elevada cobertura vacinal rápida em todos os países, para evitar que em um processo de evolução natural, o vírus possa se adaptar.

É importante ter à disposição o maior número de doses das diferentes vacinas, organizar as campanhas de vacinação em massa com a maior urgência possível, mantendo o sistema de vigilância epidemiológica para identificar e detectar rapidamente os novos mutantes.

Neste contexto, é possível que as vacinas de vírus inativados podem até se sair melhor contra variantes e evitar o escape vacinal que pode vir a acontecer com outras plataformas vacinais. Mas caso realmente aconteça, tanto as vacinas de RNA mensageiro (mRNA) como as de vetor viral usando os adenovírus, podem ser adaptadas para combater as mutações.

A variante P.1., com maior capacidade de transmissão, encontrada em Manaus está presente em 91% das amostras (de 35 amostras, 32 estavam positivas) de vírus sequenciadas no Amazonas e em breve será encontrada em outras regiões do país, pois a tendência é ela se tornar dominante. As mutações sofridas por essa variante do Sars-CoV-2 podem ter aumentando a sua capacidade de infectar pessoas que já tinham adquirido imunidade com a primeira infecção.

Fato é que se o vírus se torna mais transmissível, nem precisa ficar mais letal, pois automaticamente nós teremos maior número de pessoas infectadas, mais casos graves, mais hospitalizações e consequentemente mais óbitos. Se o vírus se tornar mais letal, aí será o caos mais caótico que o caos já caótico instalado por aqui. A própria vacinação em massa, se não for feita de forma rápida e contínua, poderá pressionar o vírus a sofrer mutações para infectar as pessoas, o que pode impulsionar ainda mais a evolução do vírus.

Ensaios contra as novas variantes 

Um dado que serve de alerta é que um estudo conduzido na África do Sul apontou que muitos dos novos casos confirmados de Covid-19 foram causados pela nova variante sul-africana, chamada B.1.351. Outro dado preocupante é que cerca de um terço dos voluntários tinha resultado sorológico positivo para infecções prévias do vírus, o que indica reinfecção com a nova variante. Aparentemente, a imunidade prévia adquirida após a primeira infecção não garantiu proteção. A mutação E484K, encontrada nas variantes sul-africana e de Manaus pode ser a responsável.

CoronaVac: A Sinovac comunicou que realizou testes que comprovam, após o uso de anticorpos que o organismo produziu após a vacinação, que a CoronaVac neutraliza as variantes do Sars-CoV-2 do Reino Unido (chamada variante "Kent", ou B.1.1.7) e da África do Sul. Esses resultados ainda não foram publicados. É preciso investigar se a imunidade desencadeada pelo uso das vacinas CoronaVac e de Oxford/AstraZeneca é capaz de neutralizar a variante P.1. de Manaus, através da análise do soro do sangue de pessoas vacinadas.

Pfizer/BioNTech e Moderna: A Pfizer divulgou resultados preliminares no dia 19/01/2021 que mostram que os anticorpos produzidos pela sua vacina (BNT162b2) neutralizaram os mutantes da proteína Spike das novas variantes. A vacina da Pfizer/BioNTech conseguiu imunizar as pessoas contra a variante B.1.1.7 que surgiu no Reino Unido, mas a eficácia caiu um pouquinho contra a variante da África do Sul. Este mesmo trabalho foi publicado pela Pfizer/BioNTech, agora revisado por outros cientistas no dia 08/02/2021 na revista Nature Medicine e mostra que a vacina conseguiu neutralizar, em laboratório, três variantes do Sars-CoV-2, da África do Sul, do Reino Unido e com mutações que ocorrem na variante brasileira.

A vacina da Moderna mostrou boa resposta imunológica contra a variante B.1.1.7 do Reino Unido, mas perdeu um pouquinho de eficácia contra a variante B1.351 que surgiu na África do Sul. Tanto no caso da Pfizer como no caso da Moderna, os pesquisadores usaram o soro dos indivíduos vacinados em testes contra cada tipo de mutação encontrada.

Os resultados mostraram que a taxa de anticorpos neutralizantes no sangue foi reduzida em cerca de duas a três vezes quando comparada à variante do Reino Unido e de seis a oito vezes, no caso da variante da África do Sul. Contudo, é importante lembrar que os anticorpos são apenas um dos mecanismos do sistema imune de defesa contra o vírus, que também conta com as células de memória como os linfócitos T (T CD4 e T CD8).

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Novavax e Janssen: Os imunizantes da Novavax e da Janssen também mostraram eficácia um pouco menor contra a variante da África do Sul.

Vacina de Oxford/AstraZeneca (ChAdOx1 nCoV-19): A vacina ChAdOx1 nCoV-19 mostrou boa eficácia contra a variante do Reino Unido, de acordo com resultados preliminares de pesquisas. Em um preprint em revisão na revista The Lancet, os cientistas relataram que os níveis de anticorpos neutralizantes (aqueles que eliminam o vírus) foram mais baixos em pessoas vacinadas que pegaram a variante Kent, em comparação com aqueles que contraíram variantes mais antigas. Mas a resposta reduzida de anticorpos foi associada a uma proteção apenas ligeiramente menor contra infecções sintomáticas com a variante de Kent. Entre o pequeno número de pessoas incluídas no estudo, a eficácia da vacina caiu de uma média de 84% contra as variantes mais antigas para 74,6% contra a variante Kent.

A África do Sul comunicou a suspensão do uso da vacina da AstraZeneca em seu programa de imunizações, pois dados preliminares de um ensaio clínico mostraram proteção limitada contra doenças leves causadas pela variante 501Y.V2. Trata-se de um pequeno estudo de fases I e II, que mostrou eficácia limitada contra infecções leves devido à variante sul-africana B.1.351. Foi um estudo muito pequeno, com a participação de jovens, investigando os casos moderados da doença e é importante salientar que mesmo assim, nenhum participante necessitou de hospitalização. Trata-se de uma decisão mais por precaução já que o estudo, ainda sem revisão por outros cientistas, não esclareceu se a vacina é capaz de impedir formas graves da Covid-19.

Anticorpos monoclonais: O tratamento do vírus com anticorpos monoclonais, como os da empresa Eli Lilly, teve efeito reduzido contra a variante da África do Sul. Os anticorpos monoclonais agem de forma muito específica contra uma região do Sars-CoV-2 que está alterada pelas mutações e por isto podem estar perdendo potência.

De forma geral, os imunizantes parecem mostrar uma eficácia um pouco menor contra a variante surgida na África do Sul, que apresenta uma composição genética aparentemente um pouco mais resistente aos anticorpos neutralizantes. Se isto for comprovado, uma saída seria os laboratórios trabalharem no desenvolvimento de novas versões de suas vacinas adaptadas às mutações, atualizando as plataformas, a exemplo do que é feito com a vacina da gripe, além de uma possível terceira dose como reforço para aumentar a proteção da população.

A solução é vacinar, vacinar, vacinar em massa, antes que o vírus se torne também mais virulento.

Anvisa: protocolo simplificado

A Anvisa autorizou o novo protocolo simplificando o processo de autorização temporária de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19. O novo guia cita que o estudo de fase 3 deve ser "preferencialmente" conduzido também no Brasil. Contudo, o pedido para uso emergencial de vacinas sem que estudos de fase 3 estejam sendo conduzidos no Brasil, deve obedecer a alguns critérios:

  1. Acompanhamento dos voluntários para avaliação de eficácia e segurança por pelo menos 1 ano;

  2. Garantia de acesso completo a todos os dados e informações de estudos e de fabricações gerados, assim como garantia de monitoramento;

  3. Demonstração de que estudos pré-clínicos e clínicos seguiram as diretrizes nacionais e internacionais.

Para mais detalhes, clique aqui

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A mudança no protocolo simplificando do processo de autorização temporária de uso emergencial pode facilitar a aprovação de outros imunizantes no Brasil. O Ministério da Saúde anunciou no dia 03/02/2021 que negocia a compra de 30 milhões de doses das vacinas Sputnik V e Covaxin. A Sputnik, que apresentou 91,6% de eficácia em fase 3, é desenvolvida pelo Instituto Gamaleya da Rússia e conta com a parceria da União Química no processo de transferência de tecnologia.

A candidata vacinal Covaxin, produzida pelo laboratório Bharat Biotech, da Índia e baseada em plataforma de vírus inativado como a CoronaVac, teve apenas resultados de fase 1 publicados, mostrando segurança e boa resposta imunológica. A Precisa Medicamentos anunciou no dia 03/02/2021 que assinou um termo de cooperação científica com o Instituto Israelita Albert Einstein de Ensino e Pesquisa para realizar os estudos de fase 3 no Brasil. A Covaxin está em estudos de fase 3 na Índia, deve ser aplicada em duas doses, com intervalo de 28 dias entre elas.

Anvisa: medidas provisórias do Senado Federal

No País acostumado a legislar por medidas provisórias, o Senado Federal aprovou uma que afeta a autorização temporária para uso emergencial pela Anvisa, de modo que vacinas que já tenham autorização para uso emergencial em países como Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Rússia, China, Japão, Canadá, Coreia do Sul e Argentina, precisam ser liberadas em cinco dias no País. Duas medidas provisórias, MP1.003 e MP1.004, que estabelecem condições jurídicas e financeiras, viraram projeto de Lei e se forem sancionadas pelo presidente da República, vão virar Lei.

Na prática, a votação da medida provisória autoriza a entrada do Brasil no consórcio Covax Facility, da OMS, com regras mais flexíveis para a autorização provisória de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19. Existe um enorme risco institucional associado aqui, pois deveria estar claro que todas as agências reguladoras seguem os mesmos critérios técnicos aceitos e utilizados internacionalmente.

Esta decisão retira a autonomia da Anvisa, que tem responsabilidade pela aprovação, mas deve conceder chancela acatando as decisões de outros institutos internacionais. O Congresso brasileiro já se equivocou anteriormente em assuntos técnicos de saúde, com o episódio da fosfoetanolamina, a famigerada pílula do câncer e com os medicamentos para emagrecer e mais esse episódio mostra a falta de soberania das nossas instituições em atuar em benefício da população brasileira. Isto fere a soberania nacional, pois não necessariamente as vacinas aprovadas em outros países são as mesmas que vem para o Brasil ou as que serão produzidas aqui podem não ter a mesma qualidade.

A inspeção do local e do método de fabricação por parte da Anvisa é essencial, assim como a análise da qualidade de cada lote e dos insumos, que pode ter impacto na integridade da vacina. A Anvisa é responsável por garantir a segurança, qualidade e eficácia de vacinas após análise detalhada de todos os dados.

A Sputnik é uma boa vacina, sou favorável à compra, mas também sou favorável à análise independente e com autonomia por parte da Anvisa. Eu confio no Butantan e na Fiocruz, mas não conhecemos a capacidade de produção da empresa negociando a produção da Sputnik no Brasil. Se houver erros na formulação da vacina, isto será aproveitado pelo movimento antivacinas. Vem judicialização aí e a Anvisa pode ir ao STF. Que País é este?

Anvisa: autorização de insumos para Coronavac e Covishield

A Anvisa aprovou no dia 17 de janeiro, o uso emergencial de 6 milhões de doses da CoronaVac (Butantan/Sinovac), além de 2 milhões de doses da Covishield (Oxford/Fiocruz), proveniente do instituto Serum da Índia. Estas 8 milhões de doses já estão sendo distribuídas para a população brasileira. A Anvisa aprovou ainda, no dia 22 de janeiro, o uso emergencial de mais 4.1 milhões de doses da CoronaVac.

Apesar do início da vacinação e da distribuição da CoronaVac e da Covishield pelo país, ainda não temos doses suficientes para imunizar nem a população-alvo da primeira fase da vacinação. Só no grupo prioritário, o Brasil tem cerca de 15 milhões de pessoas, e precisaríamos de cerca de 30 milhões de doses de vacinas. Nós temos hoje em solo brasileiro, 10.1 milhões de doses da CoronaVac e 2 milhões de doses da Covishield, totalizando 12.1 milhões de doses que serão utilizadas para vacinar aproximadamente 6 milhões de brasileiros do grupo prioritário, o equivalente a 2.8% da população do País.

A aprovação pela Anvisa criou expectativa muito positiva, mas a falta de insumos e de vacinas gera frustração e preocupação. Nós começamos a vacinar, é ótimo, mas não podemos parar. Nós somos 212 milhões de brasileiros, precisamos vacinar em 2021 algo em torno de 170 milhões de brasileiros, 80% da população, então precisaremos de 340 milhões de doses. Considerando 10% de perdas, o país precisa adquirir algo em torno de 380 milhões de doses.

Pelos acordos assinados, tanto o Butantan quanto a Fiocruz receberam poucas doses prontas. O Butantan tem previsão de receber um total de 46 milhões de doses da CoronaVac vindas da China, sendo que 6 milhões de doses da vacina já chegaram prontas para aplicação, nas seringas, e outras 4.1 milhões foram envasadas na fábrica do Butantan, com 5 mL de vacina em cada frasco, cada frasco com 10 doses, com doses de 0,5 mL. O Butantan recebeu o produto já formulado, com todos os ingredientes e excipientes. Não teve alteração, nem adição nenhuma. Estas doses devem ser usadas em até 8 horas após o frasco ser aberto, para garantir a qualidade da vacina e evitar perdas.

A Anvisa aprovou o processo de envase e todos os parâmetros de qualidade para aprovação dos lotes. Assim, novos lotes podem ser produzidos sem nova aprovação pela Agência, seguindo o mesmo protocolo. Mais informações você pode encontrar no site da Anvisa e nas apresentações da 1ª. Reunião Extraordinária Pública da Diretoria Colegiada da Anvisa e da 2ª. Reunião Extraordinária Pública da Diretoria Colegiada da Anvisa.

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Novos lotes de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA)

O Butantan recebeu no dia 04/02/2021, um lote com 5.400 litros com insumos (IFA, Ingrediente Farmacêutico Ativo) que deve render cerca de 8,6 milhões de novas doses da CoronaVac após a etapa de produção. Na sequência, a vacina será envasada, rotulada, embalada e submetida ao processo de controle de qualidade. Um outro lote com 5.600 litros de matéria-prima deve chegar até o dia 10 de fevereiro, permitindo a preparação de mais 8,7 milhões de doses do imunizante.

Com os dois lotes, poderão ser produzidas 17,3 milhões de novas doses da CoronaVac, mas o número exato de doses só será conhecido após o processo de produção. O processo completo leva 20 dias a partir da chegada dos insumos à fábrica. O Butantan está em fase de negociação para a liberação de outros 8.000 litros de matéria-prima pela farmacêutica chinesa.

E assim será até completar as primeiras 46 milhões de doses. O Butantan tem ainda mais 54 milhões de doses para receber até setembro, que devem chegar na forma de alguns mil litros de matéria prima, o IFA, matéria-prima desse imunizante que é importada da China. O Butantan está trazendo a vacina concentrada da China e envasará o imunizante em suas instalações, transformando 1.000 litros de IFA concentrado em cerca de 1,5 milhão de doses. Neste caso, como o Butantan vai realizar as etapas de formulação e filtração esterilizante, será necessário cumprir as etapas de validação e análise técnica e novamente solicitar autorização temporária de uso emergencial para aprovação da Anvisa ou então solicitar o registro definitivo da vacina.

Sabem estes sucos de frutas, xaropes concentrados que você compra por aí, tipo compra um litro, coloca água para diluir e prepara algo como 5 litros de suco? O suco de frutas concentrado é como o IFA das vacinas; sem o xarope concentrado de maracujá, você não faz aquele suco de maracujá, sem o IFA concentrado das vacinas, você não faz vacina.

O IFA, no caso do Butantan, é o princípio ativo adsorvido, fixado em superfície de hidróxido de alumínio, que funciona também como adjuvante, ajudando a aumentar a resposta imunológica. A CoronaVac usa o vírus Sars-CoV-2 inativado, morto. Na China, eles cultivam o vírus em células Vero, de rins de macaco, coletadas lá na década de 70 e produzem milhões de vírus. Depois eles inativam, ou matam o vírus com uma substância química chamada beta-propiolactona. Mas esta substância não fica nas vacinas, eles purificam, só sobra o vírus inativado, aí colocam os excipientes.

Além do IFA, as vacinas podem conter água esterilizada, sais, pequenas quantidades de constituintes biológicos, como proteínas, conservantes, estabilizantes e antibióticos para evitar a proliferação de bactérias e dar estabilidade ao princípio ativo.

Insumos: Brasil depende da Índia e China

O Brasil depende de Índia e China para conseguir produzir as duas únicas vacinas (CoronaVac e Covishield) autorizadas pela Anvisa para uso emergencial em caráter temporário. Os insumos da vacina Covishield da AstraZeneca são produzidos na China e na Índia, enquanto da vacina do Butantan são produzidos na China. Esta dependência tecnológica em insumos é um problema estrutural no Brasil e o déficit comercial na área hoje é de aproximadamente US$15.

Apesar de a indústria farmacêutica do Brasil figurar entre as 10 maiores do mundo, segundo Relatório - Inspeção internacional de fabricantes de insumos farmacêuticos ativos, publicado em outubro de 2020 no site da Anvisa, cerca de 95% dos insumos usados para produção de medicamentos no Brasil vêm do exterior. Hoje o Brasil produz apenas algo em torno de 5% dos insumos farmacêuticos consumidos no país. A maior parte dos insumos vem da China (47%) e da Índia (27%), além de Itália, Alemanha, Estados Unidos, Suíça e outros países.

Nos anos 80, o Brasil produzia cerca de 50% dos insumos, com incentivo para que empresas multinacionais e nacionais produzissem o IFA aqui. O Brasil produzia antibióticos, o que sempre foi considerada uma questão de soberania nacional, mas com o governo Collor veio a abertura de mercado, ficou mais barato importar o produto e hoje o país não produz mais nenhum antibiótico, sendo refém de dependência tecnológica. Aí vem uma emergência de saúde pública como a pandemia, uma situação de grave crise sanitária mundial e o reflexo do atraso tecnológico e da falta de incentivo é ficarmos na fila dos insumos e não termos como produzir nossos medicamentos e vacinas.

É muito difícil concorrer com os IFAs importados e a indústria de insumos no Brasil foi reduzindo drasticamente os investimentos e hoje somos dependentes de mercados externos. A indústria farmacêutica de genéricos cresceu e fato é que temos poucas farmoquímicas produzindo insumos. O país não priorizou uma política de Estado com investimentos contínuos em inovação, com medidas de apoio à pesquisa para o desenvolvimento de insumos para medicamentos e vacinas.

Hoje, com raras exceções, a indústria farmacêutica nacional faz pouca inovação, tem caráter familiar e se sustenta numa zona de conforto, investindo em cópias de produtos desenvolvidos por empresas do exterior. Se quisermos participar ativamente do processo de inovação, é preciso haver mudança de mentalidade da indústria farmacêutica brasileira.

Vejam a importância de investir em ciência. A escassez de investimentos em ciência é a principal razão para a dependência brasileira em insumos para medicamentos e vacinas. A ciência deu uma resposta extraordinária e hoje temos várias opções de vacinas para combater a Covid-19. Nós precisamos das vacinas, ou teremos dias ainda mais complicados pela frente. Cada dia que passa sem vacinas serão milhares de infectados e infelizmente mais óbitos lá na frente, que poderiam ser evitados por vacinas.

Nós também estamos combatendo o movimento antivacinas, movimento cruel e irresponsável, que combate as vacinas, mas não propõe alternativas para o combate à pandemia. Mas se não tivermos vacinas para toda a população brasileira, eles ganham por WO e o país vai continuar enterrando seus mortos sem nem sequer poder se despedir. O Brasil merece mais, merece melhor sorte.

Enquanto milhões de doses de vacinas de verdade não vêm, a melhor vacina no momento é manter as medidas não farmacológicas, como o uso de máscara, distanciamento físico e hábitos de higiene. E mesmo com o início da campanha de vacinação em massa, precisaremos manter o uso de máscaras e o distanciamento físico por algum tempo, até estarmos todas e todos, seguros. E nós precisamos das vacinas para serem distribuídas para todas e todos de forma equitativa e igualitária.

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ATUALIZAÇÃO DAS VACINAS

Astrazeneca/Oxford: eficácia geral de 82%

Novos dados de eficácia em fase 3 para a vacina ChAdOx1 nCoV-19 (Covishield) publicados na forma de preprint (ainda sem revisão por outros cientistas) na revista The Lancet, mostram eficácia geral de 82,4% após duas doses no intervalo de três meses entre as doses. A eficácia da vacina é maior em intervalos mais longos e uma única dose da vacina é 76% eficaz no período de 22 a 90 dias após a vacinação. A vacina mostrou eficácia de 100% para casos mais graves de Covid-19, evitando internações hospitalares e apresenta potencial em reduzir a transmissão do vírus, com base na redução de 67,6% da carga viral em voluntários após a primeira dose.

O estudo envolveu 17.177 voluntários em três estudos (Reino Unido, Brasil e África do Sul), sendo que 8.597 tomaram a vacina e 8.580 tomaram um placebo. A Fiocruz entrou com o pedido de registro definitivo de sua vacina na Anvisa. Caso seja aprovada, a autorização permitirá que o imunizante seja utilizado em toda a população brasileira.

CoronaVac : saiba qual é sua composição

Segundo a bula da CoronaVac, a composição da vacina é a seguinte: cada dose de 0,5 mL de suspensão injetável contém 600 SU do antígeno do vírus inativado SARSCoV-2, mais os excipientes: hidróxido de alumínio, hidrogenofosfato dissódico, di-hidrogenofosfato de sódio, cloreto de sódio, água para injetáveis e hidróxido de sódio para ajuste de pH. A CoronaVac não contém conservantes, segundo a bula.

Esta é uma etapa fundamental para disponibilizar a vacina em tempo recorde aos brasileiros. A tecnologia e expertise do Butantan vai permitir realizar o processo produtivo na própria fábrica, mas precisa de uma certificação da Anvisa. A partir daí, o Butantan poderá executar a transferência completa de tecnologia e produzir nacionalmente o IFA, produzindo integralmente a vacina. Aí sim, o Brasil terá autonomia na produção desta vacina e vamos nos tornar independentes.

Assim que chegarem os novos insumos da China, a expectativa do Butantan é conseguir duplicar a produção da vacina, passando de 1 milhão para 2 milhões de doses diárias do imunizante. Eu espero que o Butantan tenha capacidade de autonomia total de produção ainda neste primeiro semestre, mas tem uma série de passos que devem ser feitos direitinho para isso acontecer. Hoje, o Butantan tem capacidade para formulação do IFA, envase, controle de qualidade, rotulagem, embalagem, mas precisa produzir a matéria-prima, que é o insumo farmacêutico ativo.

ChAdOx1 (Covishield) : do que é feita

A vacina ChAdOx1, de Oxford/AstraZeneca usa como plataforma um adenovírus de chimpanzé. Segundo a bula cada frasco-ampola contém 10 doses e cada dose de 0,5 mL contém 5 × 1010 partículas virais (pv) de vetor adenovírus recombinante de chimpanzé, deficiente para replicação (ChAdOx1). A vacina contém excipientes como L-Histidina, cloridrato de L-histidina monoidratado, cloreto de magnésio hexaidratado, polissorbato 80, etanol, sacarose, cloreto de sódio, edetato dissódico di-hidratado (EDTA) e água para injetáveis.

A Fiocruz espera entregar cerca de 210,4 milhões de doses da ChAdOx1 a partir do IFA até o fim de 2021, sendo 100,4 milhões de doses até julho de 2021. Com a transferência completa da tecnologia, a Fiocruz começará a produção no Brasil e não será mais necessária a importação do IFA, garantindo a autonomia no processo de produção da vacina.

O Ministério da Saúde informou que recebeu no dia 06/02/2021, um lote com cerca de 90 litros de IFA para a vacina Covishield, armazenado a -55 graus Celsius. A matéria-prima para a preparação do imunizante foi fabricada no laboratório Wuxi Biologics, em Xangai, na China.

O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) vai realizar as etapas de descongelamento do IFA, formulação com a diluição e adição de outros componentes para garantir a manutenção das propriedades da vacina e possibilitar a sua armazenagem de 2 a 8 graus Celsius e preparar cerca de 2,8 milhões de doses, que após envase, rotulagem, embalagem, controle de qualidade e aprovação pela Anvisa, poderão ser distribuídas para a população. A Fiocruz possui todos os detalhes industriais para garantir a formulação correta do imunizante e espera receber ainda em fevereiro, mais três lotes de IFA para produzir mais 15 milhões de doses.

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