Audiodescrição: Imagem colorida de uma gota de água projetando uma planta no fundo.

A coluna Ambiente e Sociedade é um espaço de discussão crítica e analítica sobre as questões ambientais contemporâneas, dando ênfase às problemáticas concernentes às transformações para sociedades sustentáveis. Dentre outros, são abordados temas como mudanças climáticas, políticas públicas ambientais, biodiversidade, degradação ambiental urbana e rural, energia e ambiente, Antropoceno, movimentos ambientalistas, desenvolvimento e sustentabilidade, agricultura sustentável e formação de quadros na área.

Anppas e Unicamp no processo de construção do campo de Ambiente e Sociedade no Brasil

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Roberto Donato da Silva Júnior*

Entre os dias 05 e 08 de outubro deste ano, a Unicamp vai sediar, mesmo de forma virtual, o X Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (X Enanppas), com o tema “Vinte anos de Século XXI: Mudanças ambientais e ambientalismo em tempos de negacionismos”.

O Encontro vem pleno de significados históricos. Marca os vinte anos de existência da Associação, seu décimo evento bienal e, acima de tudo, a solidificação de um campo acadêmico e político voltado para os problemas socioambientais no espectro científico no país. Expressa, também, a necessidade de se analisar de forma mais sistemática os rumos das mudanças ambientais e do próprio ambientalismo nestes vinte anos de século XXI, em um momento de inflexão do arcabouço político-institucional brasileiro com relação às questões ambientais, tristemente simbolizada pela famosa expressão “vamos passar a boiada”. E, como decorrência, o X Enanppas se propõe refletir sobre os ímpetos negacionistas que crescem na estrutura governamental e em parte da sociedade civil do país, a partir de um convite à construção de uma agenda de atuação político-acadêmica socioambiental para, pelo menos, os próximos vinte anos.

Para enfrentar esses desafios, a Anppas se ampara em uma rede amadurecida de pesquisadoras e pesquisadores congregados em programas de pós-graduação e institutos de pesquisa, cuja participação da Unicamp é destacada desde sua fundação. Nascida oficialmente em 04 de setembro de 2000, ela é o resultado da ação de um grupo de pesquisadores e pesquisadoras de diferentes instituições com o objetivo de construção de um espaço próprio para a análise os problemas socioambientais contemporâneos.  Esse esforço culminou, no final dos anos 1990, na utilização das reuniões científicas anuais da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) para visibilizar pesquisas de cunho socioambiental através dos Grupos de Trabalho sobre movimentos sociais e, mais tarde, sobre ecologia política.

Apesar desse ímpeto inicial importante, a presença na Anpocs apresentava, naquele momento, algumas dificuldades para a expansão e fortalecimento do debate socioambiental no cenário acadêmico brasileiro. Uma delas, é que a circunscrição do tema em um grupo de trabalho reverberava certas tendências teóricas que se propunham pensar a problemática socioambiental como uma “especialidade” das ciências sociais de forma geral e da sociologia em particular. E o exercício acadêmico do grupo ia, justamente, no sentido contrário: a importância de se afirmar a centralidade do tema nas dinâmicas complexas do mundo contemporâneo. Por outro lado, ao estar sediado em um encontro científico próprio das ciências sociais, este grupo de pesquisadoras e pesquisadores se via impossibilitado de oferecer às questões ambientais em um dos seus eixos epistemológicos mais reconhecidos como necessários à sua complexidade: o exercício da interdisciplinaridade. Como congregar as contribuições da ecologia, geologia, geografia, das engenharias e da climatologia, dentre outras, em um fórum destinado às ciências sociais?

Assim, a fundação de uma Associação capaz de oferecer centralidade às interações entre ambiente e sociedade sob uma perspectiva radicalmente interdisciplinar tornou-se inevitável. Interessante pensar que esses esforços se constituem no contexto de fortalecimento e expansão de programas de pós-graduação interdisciplinares no interior da Capes, com a criação Área de Avaliação Interdisciplinar, em 1999. E, a partir desta, o surgimento da própria Área de Avaliação da Ciências Ambientais, em 2011.

É nesse momento que se pode compreender a importância da Unicamp na construção deste cenário em que os elementos “centralidade das questões ambientais” e “interdisciplinaridade” se apresentavam como fundamentais para a fundação da Anppas. Para isso, vale ressaltar a construção do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais, o NEPAM. Fundado em 1982 como Núcleo de Ecologia Humana, destinado a promover ações, estudos e pesquisas interdisciplinares em todos os campos relacionados com a Ecologia. O núcleo foi reorganizado em 1986/1987, agora como NEPAM, a partir de docentes, pesquisadoras e pesquisadores oriundos do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), do Instituto de Biologia (IB) e Instituto de Geociências (IG). A iniciativa, liderada pelo saudoso Daniel Hogan, visava garantir a congregar as pesquisas e atividades de cunho ambiental esparsas pela Universidade em um espaço institucional capaz de fornecer o desafio de tornar a Unicamp uma referência no tema. Rapidamente, em 2006, a experiência resultou na criação do Doutorado em Ambiente e Sociedade, hoje um dos programas considerados de excelência pela Área de Ciências Ambientais da Capes.

Não obstante, esses elementos contribuíram decisivamente para a formação da Anppas em seus anseios de centralidade e interdisciplinaridade como atributos de construção do campo de ambiente e sociedade no Brasil, a partir da contribuição das experiências do Nepam em articulação com iniciativas de outras universidades, como a USP, UnB, UFRJ, UFSC, UFPR, dentre outras. Essa contribuição, lideradas pelas docentes e pesquisadoras Leila da Costa Ferreira e Lúcia da Costa Ferreira e Sônia Cal Seixas, pode ser evidenciada em três fatores decisivos para a consolidação da Anppas em seus primeiros passos: a promoção dos dois primeiros Encontros Nacionais da Anppas (em 2002 e 2004) sob responsabilidade da Unicamp; o desenvolvimento da Revista Ambiente e Sociedade (hoje o mais importante periódico cientifico do campo no Brasil) e sua permanência no Nepam nos seus primeiros anos de existência; e a presença das pesquisadoras nas duas primeira diretorias da Associação, tendo como destaque, a presidência de Leila da Costa Ferreira entre os anos de 2004 e 2008.

Finalmente, ao sediar o X Encontro Nacional da Anppas, a Unicamp, o NEPAM e o Doutorado em Ambiente e Sociedade confirmam seu compromisso de participar com protagonismo dos esforços da Anppas em garantir a centralidade e interdisciplinaridade do campo de ambiente e sociedade no Brasil. E de participar, também, das iniciativas atuais da Anppas em ampliar o escopo de sua atuação, congregando ao Encontro não apenas os programas de pós-graduação das área de ciências ambientais, mas, também representantes de outros programas com interesse correlato, formuladores de políticas públicas e representantes da movimentos sociais.

Tudo isso nos habilita a saudar a influência da Unicamp neste processo e convidar toda a sua comunidade acadêmica à participação no X Enanppas!

*Roberto Donato da Silva Júnior é professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp; Docente Permanente do Doutorado em Ambiente e Sociedade e do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (ICHSA); Membro da Diretoria da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (ANPPAS) e da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação Interdisciplinar em Sociais e Humanidades (Aninter-SH)

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