Edição nº 673

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 24 de outubro de 2016 a 06 de novembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 673

Dupla função contra o câncer

Pesquisadores desenvolvem sistema com propriedades magnéticas e luminescentes com potencial para aplicações biomédicas

Pesquisa desenvolvida para a tese de doutoramento da química Beatriz da Costa Carvalho concebeu um sistema bifuncional que apresenta propriedades magnéticas e luminescentes com potencial para aplicações biomédicas. A tecnologia é composta por um núcleo magnético, constituído por nanopartículas de magnetita, e por uma “casca” de sílica, na qual está ligado um complexo luminescente. Submetidas a um campo magnético alternado, as nanopartículas que formam o núcleo se aquecem e podem ser empregadas no tratamento de tumores cancerígenos, pelo método da hipertermia. Já o complexo ligado à casca funciona como uma espécie de termômetro, que promove o controle da temperatura gerada durante o processo. O trabalho foi orientado pelo professor Italo Odone Mazali em colaboração com o professor Fernando Aparecido Sigoli, ambos do Instituto de Química (IQ) da Unicamp.

Embora o sistema seja tratado como bifuncional, na prática ele pode ser considerado multifuncional, como destaca o professor Mazali. Além das duas atividades já descritas, ele desempenha outros dois papéis: transportar um fármaco na sua superfície e, depois, liberá-lo de forma controlada no organismo. “Testamos essas funções do sistema de forma separada em laboratório, e constatamos a eficácia de cada uma. O próximo passo será realizar ensaios em modelo animal, para verificar se essas funções ocorrem de forma simultânea”, adianta o docente.

De acordo com Beatriz, um dos grandes desafios da tese foi sintetizar as nanopartículas de magnetita que compõem o núcleo do sistema. Ela explica que o tamanho das partículas interfere diretamente nas características delas. “Se forem muito grandes, da ordem de 100 nanômetros ou mais, elas perdem uma propriedade importante denominada superparamagnetismo. Essa propriedade faz com que as partículas se aqueçam quando submetidas a um campo magnético alternado e que parem de se aquecer quando o campo é cessado. Trata-se de um aspecto importante porque permite controlar com precisão uma possível abordagem terapêutica por hipertermia”, explica a pesquisadora.

Para obter as partículas em tamanho adequado, a autora da tese se valeu de uma técnica original, que gerou esferas em torno de 100 nanômetros. Estas, por sua vez, são formadas por inúmeras esferas menores agregadas, com dimensões de 10 a 13 nanômetros cada uma. Para utilizar uma analogia oferecida pelo professor Mazali, é como se essas partículas fossem bolas de futebol constituídas por diversas bolas de gude. “As partículas menores é que respondem pelas propriedades superparamagnéticas e não a partícula maior”, esclarece Beatriz.

Nos testes laboratoriais, as diminutas partículas de magnetita que compõem o núcleo do sistema levaram somente 10 minutos para atingir a temperatura de 70 graus Celsius, quando submetidas ao campo magnético alternado. Essa temperatura está acima da utilizada nos tratamentos por hipertermia, que gira em torno de 40 a 45 graus Celsius. “Portanto, é possível controlar a temperatura em função do tempo de aplicação do campo magnético”, esclarece Beatriz.  O sistema concebido por ela também é composto por uma casca de sílica, que cumpre funções importantes. A primeira é proteger o núcleo. Ademais, ela serve de suporte para a ligação do complexo luminescente, que funciona como um termômetro.

Por meio desse complexo luminescente, é possível monitorar com precisão a temperatura das nanopartículas quando estas são submetidas ao campo magnético alternado. “A casca tem, ainda, outra função. Nós escavamos a sua superfície para torná-la porosa, e carregamos nela um fármaco para ser transportado até um determinado ponto do organismo. Nos ensaios laboratoriais que realizamos, nós comprovamos que o sistema não somente consegue promover a entrega do medicamento, como faz a sua liberação de forma controlada. Nós fizemos um acompanhamento por 48 horas. Constatamos que, no início, o fármaco é liberado de forma mais rápida. Entretanto, ao final do período, ainda ocorria a liberação”, pontua a autora da tese.

O professor Mazali assinala que a combinação das diferentes funções do sistema pode representar, no futuro, um avanço no tratamento do câncer. “Da forma como o sistema atua, ele primeiro ataca o tumor por hipertermia, fragilizando-o. Depois, complementa a terapêutica entregando e liberando controladamente o fármaco no ponto desejado. Um dado importante é que o sistema não apresenta qualquer característica citotóxica, ou seja, ele não provoca nenhum efeito nocivo no organismo”, assegura o orientador da tese.

Na opinião do docente, o sistema está muito bem estabelecido. “Agora, precisamos testar as funções de modo simultâneo e otimizar as condições para aplicação real, inicialmente em modelo animal. Temos que verificar, por exemplo, se é possível aumentar a carga do fármaco. Também temos que checar como o sistema funciona em temperatura de hipertermia, já que nossos ensaios foram realizados em temperatura ambiente. De toda forma, penso que estamos muito próximos do estado da arte nessa área. Para atingirmos o estado da arte de maneira completa, um caminho talvez seja ligar uma molécula na superfície da casca que possa fazer o reconhecimento de células tumorais. Isso garantiria maior especificidade no tratamento, mas é uma solução bastante complexa”, analisa o orientador da tese.

 

Resultado adicional

Durante a pesquisa em torno do sistema, Beatriz chegou a um resultado adicional que não estava previsto no escopo inicial da tese. Analisando as características das nanopartículas de magnetita e os dados presentes na literatura, a pesquisadora suspeitou que o material talvez pudesse apresentar atividade catalítica, para ser utilizada em processos de degradação de corantes presentes em efluentes. Nos ensaios realizados em laboratório, a suspeita foi comprovada. A descoberta rendeu um artigo científico, que já foi publicado na revista RSC Advances.

A pesquisadora observa que o método já é usado pelas indústrias têxteis para degradar corantes empregados na fabricação de tecidos e que estão presentes nos efluentes que participam do processo. Sabendo disso e que as propriedades das nanopartículas são alteradas de acordo com o tamanho destas, Beatriz analisou o efeito catalítico das nanopartículas em três dimensões: 700, 350 e 100 nanômetros. “Nós verificamos que essa atividade também muda de acordo com o tamanho das partículas. As de 100 nanômetros apresentaram o melhor desempenho. Em apenas 30 minutos foi possível degradar um corante de cor rosa na concentração que determinamos”, informa.

O professor Mazali relata que os resultados alcançados pela pesquisa desenvolvida por Beatriz, que contou com bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), podem gerar alguma medida de proteção intelectual por parte da Universidade. Consulta nesse sentido será encaminhada à Agência de Inovação Inova Unicamp. “Nós sempre trabalhamos com a perspectiva de que nossas investigações possam ser aplicadas. A aplicação, porém, é uma consequência do trabalho de formação de recursos humanos. Nossa principal preocupação é formar pessoas preparadas para o exercício profissional”, afirma


Publicação

Tese: “Nanoestruturas caroço-casca bifuncionais hierarquicamente organizadas com propriedades magnéticas e luminescentes”

Autora: Beatriz da Costa Carvalho

Orientador: Ítalo Odone Mazali

Unidade: Instituto de Química (IQ)