Edição nº 647

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 29 de fevereiro de 2016 a 06 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 647

Inteligente e mais barato

Pesquisadores da FEM utilizam sensores de baixo custo
para serem incorporados a projetos de carros autônomos

Pesquisadores do Laboratório de Mobilidade Autônoma (LMA) da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp iniciaram em novembro último os primeiros testes de campo com um automóvel comercial instrumentado para prescindir ou auxiliar o motorista. O objetivo da linha de pesquisa é desenvolver estudos sobre veículos inteligentes utilizando sensores de baixo custo, que possam ser incorporados a projetos de carros autônomos. Os primeiros ensaios pelas ruas do campus de Barão Geraldo foram considerados positivos pela equipe envolvida no projeto.

O LMA é coordenado pelo professor Janito Vaqueiro Ferreira. De acordo com ele, a pesquisa, que já vinha sendo realizada há alguns anos, ganhou impulso com a doação em 2011 de um carro por uma montadora brasileira, que foi batizado de VILMA (Veículo Inteligente do Laboratório de Mobilidade Autônoma). Antes de iniciar os testes, porém, os pesquisadores tiveram que automatizar alguns sistemas do veículo, como o volante, o acelerador e o freio. “Embora esse trabalho não fosse o foco do estudo, nós tivemos que realizá-lo para poder dar sequência ao projeto”, explica o docente da FEM.

Superada essa primeira etapa, os integrantes do LMA iniciaram os testes que possibilitam aplicar os resultados da pesquisa propriamente dita, abrangendo assuntos relacionados com reconhecimento de ambientes, localização, planejamento de trajetórias e controle. Os pesquisadores criaram, por exemplo, algoritmos que permitiram o desenvolvimento de um sistema de localização híbrida. A tecnologia se vale de sensores de baixo custo (GPS e câmera de vídeo comuns), que atuam com o auxílio de informações fornecidas por um mapa digital.

“Dito de forma simplificada, nós utilizamos informações do ambiente para localizar e orientar a navegação. A câmera, por exemplo, faz a percepção do ambiente, retornando objetos chave com sua posição obtida da odometria visual. O mapa digital, por sua vez, fornece a posição exata dos objetos chave encontrados. Um algoritmo promove a fusão dos dados obtidos pela câmera com os do mapa digital. Com isso, nós conseguimos reduzir o erro de localização, que no GPS convencional normalmente é superior a um metro, para poucos centímetros”, explica o professor Janito.

O docente da FEM admite que existem dispositivos que executam tarefas similares de localização precisa, como o GPS de alta precisão e um sensor remoto ativo que usa diversas faixas de laser para fazer a percepção do ambiente. Ocorre, porém, que eles custam muito caro, alguns com preços na faixa de dezenas de milhares de dólares. “No lugar desse sensor a laser, nós estamos usando uma câmera comum que pode ser comprada em qualquer loja de produtos eletrônicos”, compara. Uma das consequências futuras desse tipo de estudo, conforme Janito, deve ser a ampliação da segurança no trânsito.

De acordo com dados do Ministério da Saúde relativos a 2013, um contingente de 44 mil pessoas morreu por causa de acidentes de trânsito naquele ano no Brasil, número equivalente ao da população de Dracena, município do interior de São Paulo. Aproximadamente 75% dos acidentes registrados no país são provocados por falha humana. “A ideia que nós temos é usar os sistemas robóticos autônomos para reduzir esse índice de erro humano. Vale ressaltar que o nosso objetivo é chegar a um sistema que seja autônomo, mas cooperativo. Ou seja, é possível que em algum momento o ocupante do carro queira cooperar com a direção do veículo, e não assumir 100% do controle do carro por um motivo o outro. Isso será possível desde que o sistema entenda que o condutor não está contrariando algum protocolo de segurança, como exceder o limite de velocidade ou fazer ultrapassagem em local proibido”, exemplifica.

Segundo o docente, outras ferramentas também estão sendo desenvolvidas para auxiliar a navegação autônoma, que apresenta dois níveis: global e local. A navegação global é similar àquela feita pelo GPS, que define um trajeto para se deslocar de um ponto ao outro. Já a navegação local é orientada pelas informações retiradas do ambiente, que ajudam a estabelecer o meio de alcançar o objetivo traçado. “Tudo isso concorre para que façamos uma navegação reativa, de tal modo que aquilo que está acontecendo no ambiente contribua para o planejamento. Nesse caso, são levados em consideração diversos dados, entre eles a velocidade do carro, o fluxo do trânsito, a ocorrência de acidentes, a configuração da via e até a presença de lombadas e semáforos ao longo do caminho”, elenca o professor Janito.

O projeto de automação do VILMA, continua o docente da FEM, está sendo implementado de forma progressiva. “Os primeiros testes estão sendo feitos agora. Vamos ver se tudo o que projetamos até aqui funciona bem na prática. Feito isso, vamos acrescentar progressivamente novas facilidades ao sistema, de maneira a torná-lo cada vez mais autônomo. Isso é mais ou menos o que a indústria automobilística tem feito, acrescentando sistemas de auxílio ao condutor. Atualmente, ainda não existe um veículo totalmente autônomo comercial. Existem modelos que oferecem algumas facilidades, como estacionar sozinho ou reduzir a velocidade automaticamente quando o sensor identifica um veículo logo à frente, entre outras”.

Validação

As primeiras validações do sistema desenvolvido pelos pesquisadores do LMA fazem parte do trabalho de doutoramento do engenheiro mecatrônico Olmer Garcia, orientando do professor Janito. Inicialmente, ele trabalhou no processo de automação, com o VILMA ainda estacionado. Em seguida, foi feita a parte de integração da comunicação, ou seja, a conexão entre os dados fornecidos pelos sensores. “Nós trabalhamos com uma arquitetura aberta na qual nós pudéssemos adicionar os dados sobre planejamento e percepção. O sistema operacional escolhido foi o Linux”, informa.

Garcia testou primeiramente cada sensor isoladamente e depois a comunicação entre eles, ainda com o carro parado. A intenção foi verificar se tudo funcionava como esperado. Cumprido todo esse protocolo, os pesquisadores colocaram o VILMA para rodar, dessa feita para observar o comportamento do sistema de navegação em situação real. Garcia ressalta que a parte de planejamento global ainda não foi implementada. Por enquanto, somente o planejamento local está operando. A velocidade do veículo está sendo controlada automaticamente, fazendo com que o veículo mantenha a velocidade demandada com o auxílio de um joystick, cujo papel é alterar em tempo real as velocidades solicitadas, para emular as informações que seriam fornecidas pelo planejamento.

Na fase atual, os pesquisadores estão percorrendo pontos do campus para fazer o mapeamento das rotas e criar um banco de dados para testes. “Depois, vamos trabalhar na questão da segurança, para ver o que acontece se o condutor quiser se sobrepor ao sistema de navegação do automóvel e decidir, por exemplo, acionar a direção para realizar uma ultrapassagem proibida pela direita. A ideia, como disse o professor Janito, é chegarmos a um sistema de navegação cooperativo, que permita que o sistema de navegação seja replanejado, sem que a segurança dos ocupantes seja comprometida”, pontua o doutorando.

Além de contribuir para a redução do número de acidentes, os veículos autônomos também podem proporcionar outros benefícios para a sociedade, de acordo com o professor Janito. Segundo ele, num cenário no qual a frota desses carros seja expressiva, é possível fazer com que um carro se comunique com o outro e que todos dialoguem com um sistema de tráfego igualmente automatizado, no contexto do que os especialistas classificam de cidade inteligente. “Esse tipo de interação permite estabelecer, por exemplo, um sincronismo entre a velocidade dos veículos e as fases dos semáforos, de modo a otimizar o trânsito e reduzir os congestionamentos”, prevê o docente da FEM.

Outra possibilidade, acrescenta Garcia, é diminuir a frota de veículos, por meio do aproveitamento mais racional do automóvel pela família. “Hoje, o homem e a mulher saem para trabalhar cada um com um carro, e mantêm os veículos estacionados durante o dia todo em seus locais de trabalho. Se o filho deles precisa ir à faculdade nesse período, ele tem que utilizar o terceiro automóvel da família. Um único veículo autônomo, em tese, poderia atender às necessidades dos três, desde que horários e rotas fossem previamente planejados para a realização de vários deslocamentos ao longo do dia”, infere.

De acordo com o professor Janito, quando as pesquisas em torno do tema da mobilidade autônoma tiveram início, a ideia inicial dos integrantes da equipe era de que as ferramentas que estavam sendo desenvolvidas no LMA poderiam servir a todos os tipos de veículos, fossem eles terrestres, aquáticos ou aéreos. “Com o avanço das investigações, o que percebemos é que as coisas não são bem assim. Algumas soluções básicas puderam ser aproveitadas, mas outras acabaram sendo diferentes para cada veículo devido à sua especificidade”, admite o docente.

O professor Janito sustenta ainda que a pesquisa sobre veículos inteligentes é um assunto de grande atualidade e que está sendo pesquisado em diversas instituições, que utilizam diferentes recursos e enfoques. “Por se tratar de um tema interdisciplinar, envolvendo inclusive questões sociais, éticas e legais, dentre outras, além das óbvias questões técnicas, é enriquecedor e necessário estabelecer parcerias para troca de experiências e cooperações, já que existem muitas opções tecnológicas a serem exploradas”.

O LMA, enfatiza o docente, mantém atualmente duas cooperações internacionais formais. Uma delas com a Universidade Técnica de Compiègne (França), que tem também pesquisa em veículos autônomos, inclusive em parceria com importantes montadoras de automóveis, e que já participou do doutoramento de dois pós-graduandos do LMA em coorientação. Um projeto do Programa Professor Visitante do Exterior (PVE), mantido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), auxilia para que a troca de experiências seja mais efetiva.

Outra cooperação está sendo desenvolvida com a Escola Nacional de Engenheiros de Brest, também na França. A instituição está inserida em uma região que confere grande importância aos assuntos relacionados ao mar, em todos os seus aspectos, e realiza pesquisas para o desenvolvimento de veículos autônomos submarinos para diversos fins. No escopo desta colaboração estão sendo construídos veículos autônomos submarinos “gêmeos” na Unicamp e na ENIB. Por meio da parceria, é realizada intensa troca de experiências e informações, com ajuda também de um projeto PVE/Capes.