Edição nº 626

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de maio de 2015 a 07 de junho de 2015 – ANO 2015 – Nº 626

Liberação controlada de NO
rende biomateriais poliméricos

Filmes e hidrogéis recobrem dispositivos e atuam na vasodilatação
da pele, na cicatrização de lesões e na prevenção de infecções

O professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira, coordenador das pesquisas: “O óxido nítrico é uma das menores moléculas biologicamente ativas na natureza”O óxido nítrico (NO) é uma molécula pequena que fascina os cientistas. Faz 20 anos que o professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira voltou de seu estágio de pós-doutorado na Inglaterra, cumprido de 1993 a 1995, quando eram amplamente divulgadas as descobertas das propriedades bioquímicas do NO, que renderiam o Prêmio Nobel de Medicina de 1998 para Robert Furchgott, Louis Ignarro e Ferid Murad. “Aquelas descobertas chamaram muito minha atenção e, no retorno ao Brasil, iniciei pesquisas com moléculas capazes de liberar óxido nítrico, especialmente para incorporá-las em polímeros (foco de meu mestrado e doutorado). Tinha a perspectiva de promover uma liberação controlada de NO e obter propriedades fisiológicas e biológicas”, recorda o professor.

“O óxido nítrico é uma das menores moléculas biologicamente ativas na natureza e uma espécie sinalizadora onipresente nos mamíferos, incluindo a nós, humanos”, escreve Ganzarolli no painel em que divulga as linhas de pesquisa de seu laboratório no Instituto de Química (IQ). “Sua aparente simplicidade química esconde uma sofisticada gama de ações fisiológicas e patofisiológicas, que vão da citoproteção à citotoxicidade e da vasodilatação à neurotransmissão.”

Neste laboratório, o docente da Unicamp e seus alunos preparam biomateriais poliméricos doadores de NO na forma de hidrogéis e filmes, visando duas aplicações principais: o uso tópico para promover a vasodilatação da pele, a cicatrização de lesões e a prevenção de infecções; e o recobrimento de dispositivos de implante, como stents intracoronários e cateteres endovenosos. “Além de desenvolvermos novos materiais para uso biomédico, também realizamos modificações na superfície de polímeros para torná-los mais biocompatíveis.”

Marcelo Ganzarolli explica que, nas aplicações tópicas, são exploradas duas ações bioquímicas do óxido nítrico: a vasodilatação e a cicatrização. “Trabalhamos com filmes poliméricos e também hidrogéis que, aplicados no local, causam a vasodilatação dérmica, o que contribui no tratamento de doenças associadas a uma deficiência na produção de NO pelo próprio organismo – esta deficiência pode levar a vasoconstrição e falta de irrigação da pele.”

Os mesmos materiais doadores de NO, segundo o professor, podem ser aplicados para acelerar a cicatrização de lesões, em particular as crônicas como de diabetes, que são uma das principais causas da amputação de extremidades do corpo (pés e dedos). “Os filmes e hidrogéis também se mostraram eficientes para o tratamento de lesões crônicas de outras causas, a exemplo de pessoas que ficam acamadas por muito tempo e sofrem lesões de pressão (ulcerações).”

Ganzarolli esclarece que resultados relevantes de cicatrização em modelos animais foram descritos em vários artigos, com a colaboração da professora Andréa Monte Alto Costa, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “Mostramos que esses materiais aceleram a cicatrização quando aplicados topicamente cobrindo as lesões, e que tanto os hidrogéis como os filmes poliméricos são capazes de liberar o NO de uma forma controlada. Demonstrada esta ação cicatrizante em animais, o potencial de uso para tratamento de lesões crônicas em humanos é bastante grande.”

Já a vasodilatação dérmica, efeito importante para tratamento de algumas doenças, foi constatada no próprio laboratório mediante aplicações tópicas em voluntários, seguindo os protocolos aprovados pelo Comitê de Ética do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. “Possuímos um instrumento chamado laser Doppler, com o qual medimos o fluxo sanguíneo na pele: aplicamos um polímero com a molécula doadora ao lado de outro que não a continha; retirando ambos ao mesmo tempo, observamos embaixo do polímero doador um avermelhado na pele, que indica aumento do fluxo sanguíneo.”

Uma segunda linha de atuação do grupo de Ganzaroli é o desenvolvimento de polímeros quimicamente modificados para recobrir dispositivos como os stents intracoronários implantados para desobstrução de artérias. “Como os stents ficam retidos após o implante, há o risco de uma reoclusão do vaso; por isso, atualmente, eles são recobertos com polímero doador de um fármaco inibidor da reoclusão, sendo que o óxido nítrico possui esta capacidade.”

 

AÇÃO BACTERICIDA

Segundo Marcelo Ganzarolli, mais uma ação importante de materiais doadores de NO, a bactericida, tem sido demonstrada em colaboração com o Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. “Verificamos que esses polímeros matam bactérias responsáveis por infecção hospitalar, como pseudômonas e estafilococos. A infecção é causa de complicações também em materiais de implantes: no cateter endovenoso, por exemplo, devido ao contato com o sangue, sua superfície está sujeita à formação de trombos, que depois se desprendem e levam problemas a outros órgãos como pulmões e cérebro.”

Se a superfície do cateter tiver a propriedade de inibir a adesão de plaquetas, explica o docente do IQ, os trombos não vão se formar – e o NO possui também esta propriedade anti-trombogênica. “Descrevemos esta ação bactericida (ou microbicida) em trabalhos publicados sobre as moléculas que sintetizamos e que podem ser utilizadas em solução. Além do cateter propriamente, o próprio ponto onde ele está inserido pode ser uma porta de entrada de bactérias para o resto do organismo, o que também é evitado por nossos materiais.”

Ganzarolli destaca outro estudo em colaboração, desta vez com a área de Ciências Biológicas da USP, mostrando o potencial destes biomateriais para tratamento da leishmaniose cutânea, uma doença negligenciada que ainda demanda novas formas de abordagem. “Já havíamos demonstrado, em culturas de microrganismos, que as moléculas de NO eliminam promastigotas da leishmania. E um trabalho mais recente, em camundongos infectados com este protozoário que receberam tratamento tópico, aponta não só a redução do número de parasitas, como a aceleração da cicatrização. Atualmente recorre-se a fármacos por via oral contra a leishmaniose cutânea, o que deve continuar sendo feito, mas oferecemos um tratamento coadjuvante que auxiliaria na recuperação das lesões.”

 
Uma membrana com alto poder de intumescimento
 

A aluna Sarah De Marchi Lourenço: aumento do fluxo microcirculatório sanguíneo após a aplicação da membranaAs pesquisas realizadas no laboratório do professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira vêm gerando depósitos de patentes, com várias concessões feitas no Brasil através do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual) – muitos trabalhos envolvem colaborações com pesquisadores de outras unidades da Unicamp, USP, UERJ e UFC. “As principais plataformas demonstrando as propriedades dos materiais que desenvolvemos já estão protegidas, mas ainda temos uma grande parte de protótipos, cujas características precisam ser melhoradas até que se tornem um produto para uso clínico”, afirma o docente do Instituto de Química.
 
Ganzarolli observa que os aperfeiçoamentos são contínuos na pesquisa científica e, em relação aos biomateriais doadores de óxido nítrico (NO), um dos focos está nas características mecânicas, como flexibilidade e intumescimento (capacidade de absorção de água que, dependendo da aplicação, precisa ser controlada para mais ou para menos). “A estabilidade dos materiais é outra característica importante, pois se estiver baixa, devemos criar mecanismos para aumentá-la, a fim de que o produto ganhe um tempo de prateleira aceitável para a indústria. Mais uma preocupação é a velocidade de liberação do fármaco, que deve ser lenta para cicatrização de lesões, ou rápida para obter uma ação bactericida eficaz.”

Nesse sentido, a aluna Sarah De Marchi Lourenço acaba de apresentar dissertação de mestrado em que desenvolveu um biomaterial com alta capacidade de intumescimento. “Preparei uma membrana porosa de poli(álcool vinílico), ou PVA, funcionalizada com ácidos carboxílicos, que tem esta propriedade de intumescimento. E incorporei o óxido nítrico, que possui ação vasodilatadora na pele. O PVA é um polímero biocompatível já utilizado para propósitos médicos e que permite modificações químicas através de reações com estes ácidos.”

Em ensaios de quantificação e de vasodilatação, Sarah Lourenço detectou um aumento do fluxo microcirculatório sanguíneo após a aplicação desta membrana na pele e graus de intumescimento até 600% maiores (em água) do que a massa do material. “Em termos de aplicação, é interessante que o material absorva grande quantidade de líquido. As feridas diabéticas, por exemplo, liberam uma quantidade anormal de exsudato – líquido biológico que contém proteínas que degradam a matriz extracelular – e por isso não cicatrizam. A remoção do excesso de exsudato facilita a proliferação celular e o fechamento da lesão.”