Edição nº 617

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 27 de fevereiro de 2015 a 08 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 617

Na origem da fissura lábio-palatina


Helenara Salvati Bertolossi

Os popularmente conhecidos lábios-leporinos são falhas no desenvolvimento do lábio e do palato (céu da boca) e podem ocorrer isoladamente, sem outras malformações associadas, quando então são consideradas não sindrômicas. Se acompanhadas de outras alterações no individuo, são denominadas sindrômicas. As fissuras lábio-palatinas não sindrômicas levam a alterações na estética, na fala, na audição e a outros problemas que podem se manifestar por complicações oriundas da fissura.

As fissuras lábio-palatinas não sindrômicas estão entre as anomalias congênitas (presentes no nascimento) mais comuns, correspondem a 75% de todas as formas de fissura e ocorrem em cerca de um em cada mil indivíduos. Os seus fatores de risco não estão claramente definidos. Atualmente sabe-se que a fissura tem aspectos multifatoriais que podem ser tanto genéticos quanto ambientais.

A fisioterapeuta Helenara Salvati Bertolossi Moreira desenvolveu pesquisa com o objetivo de caracterizar o perfil epidemiológico - que se baseia nas características clínicas, demográficas e ambientais - em busca dos fatores de risco do desenvolvimento dessas fissuras nos indivíduos afetados residentes na região oeste do estado de Paraná e, ainda, verificar a suscetibilidade da associação de polimorfismos em genes que codificam enzimas do sistema do reparo do DNA no surgimento das fissuras lábio-palatinas.

O estudo foi desenvolvido por ela, que é professora do curso de fisioterapia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), junto ao programa de pós-graduação em estomatopatologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp. A parceria entre as duas universidades se estabeleceu através de um projeto de Doutorado Interinstitucional (DINTER), mantido pela Capes, que privilegia projetos nacionais e internacionais. A orientação do trabalho esteve a cargo do professor Ricardo Della Coletta, que mantém na FOP linha de pesquisa na área de fissura lábio-palatina, e contou com financiamentos da Fapesp, Capes e CNPq.

O estudo

Na primeira parte do estudo, que caracterizou o perfil epidemiológico dos indivíduos afetados, a pesquisadora investigou idade dos pais e hábitos da mãe durante a gestação, como utilização de acido fólico ou de outras vitaminas durante esse período, consumo de álcool ou tabaco, de drogas licitas ou ilícitas, contato com substâncias químicas como agrotóxicos e ainda as complicações associadas que os afetados apresentavam.  Participaram desta parte do trabalho 194 afetados e seus pais, na região Oeste do Paranã, mais especificamente Cascavel. A pesquisadora colheu saliva de todos eles e entrevistou pais no período de agosto de 2012 a dezembro de 2013 com vistas a levantar dados referentes aos aspectos ambientais relacionados às fissuras.

O objetivo da segunda parte do trabalho foi o de verificar a associação de polimorfismo em genes que codificam enzimas do sistema de reparo do DNA na susceptibilidade da fissura. A autora explica que o DNA está constantemente sendo “agredido”, sofrendo em decorrência alterações na sua sequência de nucleotídeos. Entretanto, a eficiência do sistema de reparo do DNA não permite a persistência da grande maioria destas alterações. Mas, as alterações não corrigidas podem dar origem a doenças. Em vista disso, diz ela, “a nossa hipótese de trabalho foi a de que variações polimórficas em genes que codificam enzimas de reparo poderiam reduzir a eficiência do sistema e favorecer o aparecimento das fissuras, particularmente quando o evento ambiental estiver associado”.

Nesta parte do trabalho foi realizado um estudo genético de oito genes antes não considerados em relação às fissuras lábio-palatais não sindrômicas. Para tanto, foram utilizados 233 trios de amostras - pai, mãe e paciente com fissuras - provenientes de quatro centros de tratamento situados em quatro estados: 74 trios provenientes do Paraná, coletados pela própria pesquisadora, 93 de Minas Gerais, 34 da Bahia e 22 da Paraíba, coletadas em 2012 e 2013 por outros pesquisadores. A coleta em locais diferenciados visou ampliar a amostragem.

Resultados

O levantamento do perfil epidemiológico revelou que os homens de cor branca foram os mais acometidos e que a fissura que atinge conjuntamente o lábio e o palato é mais frequente que a forma que incide isoladamente em um ou outro. Mais de 80% das mães não fizeram uso de acido fólico para prevenir malformações durante o primeiro trimestre de gestação. Por sua vez, entre as alterações sistêmicas, as otorrinolaringológicas, que são aquelas que acometem o ouvido, nariz e garganta, foram as mais prevalentes em fissuras palatinas em comparação com as fissuras labiais, seguidas pelas alterações respiratórias. Dos oito genes selecionados para estudo dois deles mostraram-se possivelmente como fator de risco para o desenvolvimento de fissuras labiais (o gene XRCC1) e fissuras lábio-palatais (o gene ERCC2).

Para a autora, a análise dos mecanismos de reparo do DNA e da etiologia das fissuras lábio-palatais não sindrômicas é essencial para tentar desvendar quais deles estão associados à origem dessa doença multifatorial, que é a mais frequente na face.

 

Publicação

Tese: “Avaliação epidemiológica e investigação de polimorfismos em genes do reparo do DNA na fissura lábio-palatina não sindrômica”

Autora: Helenara Salvati Bertolossi Moreira

Orientador: Ricardo Della Coletta

Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)

Financiamento: Fapesp, Capes e CNPq