Edição nº 616

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 27 de novembro de 2014 a 31 de dezembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 616

Telescópio


Dente determina origem de vampiro

Estudo publicado no periódico PLoS ONE analisou uma série de seis chamados sepultamentos apotropaicos – literalmente, “que evitam o mal”, ou “que afastam malefícios” – num cemitério polonês do século 17. Os rituais apotropaicos, que incluíam depositar uma foice sobre o cadáver, ou uma pedra em sua boca, eram praticados, principalmente, para evitar que os mortos retornassem como vampiros.

Os autores, de instituições dos Estados Unidos e Canadá, usaram uma análise de isótopos de estrôncio dos dentes dos cadáveres para testar a hipótese de que os suspeitos de vampirismo seriam forasteiros ou imigrantes. O resultado, no entanto, foi negativo: a composição dos dentes dos “vampiros” coincidiu com a da população local da época.

“Esses dados indicam que os visados para práticas apotropaicas não era migrantes mas, em vez disso, representavam indivíduos locais cuja identidade social ou modo de morrer os marcou com suspeita”, escrevem os autores. “Epidemias de cólera que varreram muito da Europa Oriental durante o século 17 podem ser uma explicação alternativa (...) já que a primeira pessoa a morrer numa epidemia infecciosa tinha, presumia-se, maior probabilidade de voltar da morte como vampiro”.

 

Esquecendo a história

Estudo publicado na revista Science buscou determinar se existe um padrão seguido pelo esquecimento de fatos na memória coletiva – definida como a “representação do passado que é compartilhada por um grupo”. O objetivo era descobrir a taxa com que um fato histórico que é conhecido por 100% da população no instante em que acontece vai, aos poucos, sumindo da lembrança, com o passar das gerações.

 Os autores, da Universidade Washington de Saint Louis, analisaram a capacidade de estudantes americanos de ensino superior de lembrar os nomes e a ordem dos presidentes do país. Foram avaliadas três gerações de estudantes – de 1974, 1991 e 2009 – e também um grupo paralelo de cerca de 400 adultos, testados em 2014.

O que os pesquisadores encontraram, em todos os grupos, foi uma curva de memória em forma de “U”, com um alto índice de lembrança nas pontas – com o presidente que estava no cargo no momento da pesquisa e seus antecessores imediatos, numa extremidade, e os primeiros chefes da república, na outra – e uma forte “amnésia coletiva” no meio, quebrada apenas por alguns pontos excepcionais, como Abraham Lincoln e seus sucessores imediatos. 

 “A memória dos presidentes que serviram durante a vida do indivíduo decai linearmente”, diz o artigo. Quanto aos presidentes de gerações anteriores, os autores escrevem que a forte lembrança de Lincoln e seus sucessores, em todos os grupos, está ligada à Guerra Civil e ao fim da escravidão nos EUA, o que os autores associam ao “efeito de isolamento” detectado em experimentos mais tradicionais de memória, onde se constata que um item destacado numa lista – uma imagem numa relação de palavras, por exemplo – tende a ser mais recordado que os itens “normais”.

 

Mais fungos perto dos polos

Um levantamento da biodiversidade dos fungos mostra que a variedade desses organismos não depende da das plantas: embora nas latitudes mais baixas a biodiversidade dos dois grupos pareça fortemente correlacionada, à medida que se aproxima dos polos, a diversidade das plantas cai bastante em relação à dos fungos. “Isso põe em questão as estimativas atuais da riqueza dos fungos”, que pressupõe uma ligação muito mais próxima com a dos vegetais em todos os ambientes, diz artigo sobre o estudo, publicado na revista Science.

As principais variáveis envolvidas na biodiversidade dos fungos, escrevem os autores, são climáticas, “o que traz preocupações sobre o impacto da mudança do clima na disseminação de doenças e nas consequências funcionais da alteração das comunidades de micro-organismos no solo”.

 

Um novo ar condicionado

A revista Nature traz a descrição de um sistema de refrigeração capaz de reduzir a temperatura do interior de um edifício em até 5º C, sem consumir eletricidade, e sob a luz do Sol. Os criadores do sistema, ligados à Universidade Stanford, apresentaram um painel refletor solar que, além de devolver 97% da radiação solar incidente, também elimina o calor interno do edifício, irradiando-o numa faixa do espectro infravermelho para a qual a atmosfera terrestre é transparente, o que faz com que a energia rume para o espaço. “A fria escuridão do Universo pode ser usada como um recurso termodinâmico renovável, mesmo nas horas mais quentes do dia”, diz o artigo. O material testado pelos autores é uma plataforma composta de sete camadas de óxidos de silício e háfnio. 

Em nota, a Universidade Stanford diz que o material foi criado de modo a ter custo compatível com o uso na construção civil, lembrando que 15% do consumo de eletricidade em edifícios, nos Estados Unidos, vem da refrigeração do ar.

 

Segredos da fotossíntese

Pesquisadores japoneses apresentam, na revista Nature, uma nova descrição da estrutura do complexo de proteína fotossistema II, fundamental no processo de fotossíntese, pelo qual plantas se apropriam da energia da luz do Sol. 

O fotossistema II usa a energia luminosa para separar os átomos de oxigênio e hidrogênio que compõem a água. A Nature lembra que a possível recriação sintética dessa função poderá representar uma fonte limpa de energia para atender às necessidades humanas.

Tentativas anteriores de desvendar a estrutura do complexo levaram a resultados contraditórios, o que sugere que a radiação usada na produção das imagens pode ter danificado as amostras. Os autores do trabalho publicado agora na Nature afirmam ter superado essa dificuldade. “Esperamos que esta estrutura ofereça um plano para a criação de catalisadores artificiais”, escrevem os autores.

 

Fundação Gates exigirá acesso livre

A Fundação Bill & Melinda Gates, estabelecida pelo fundador da Microsoft e uma importante fonte financiadora de pesquisa científica, principalmente na área de saúde, anunciou que, a partir de 1º de janeiro de 2017, todos os artigos produzidos por projetos realizados com seu apoio terão de ser publicados em periódicos de acesso gratuito. 

“Todas as publicações resultantes de financiamento da fundação, e todos os dados subjacentes à pesquisa publicada serão disponibilizados imediatamente no ato da publicação”, diz nota publicada no website da organização.

“Dado o foco da Fundação Gates em melhorar a saúde das populações mais pobres do mundo, damos alta prioridade não só à pesquisa necessária (...) mas também à coleta e ao compartilhamento dos dados, para que outros cientistas e especialistas possam se beneficiar desse conhecimento”, prossegue o texto.

Nota sobre a iniciativa da Fundação Gates publicada pelo blog da revista Nature chama atenção para o ponto mais radical da nova política: a exigência de que os artigos sejam não só disseminados gratuitamente, como também sob uma forma de licença de direito autoral que permite a reutilização livre e gratuita do texto – o que inclui a inclusão em publicações comerciais, a extração de trechos ou dados, a tradução para outras línguas. 

 

Chuva ácida “gelatiniza” lagos no Canadá

As chuvas ácidas, que reduzem as concentrações de cálcio no solo, vêm prejudicando os pequenos crustáceos tradicionalmente encontrados nos lagos do Canadá, que precisam desse elemento para formar suas carapaças, e favorecendo organismos competidores, dotados de cobertura gelatinosa. 

Segundo artigo publicado no periódico Proceedings of the Royal Society B, a população da variedade gelatinosa, Holopedium glacialis, dobrou entre a década de 1980 e meados dos anos 2000, enquanto a da tradicional pulga d’água, ou dáfnia, diminuiu, em lagos de Ontário.

Os autores destacam não só o impacto ecológico da substituição, já que as dáfnias representam uma fonte de nutrientes mais rica que o Holopedium, mas também o efeito sobre os sistemas de captação de água para consumo humano: “o aumento na concentração de geleia pelágica poderá impedir a remoção da água do lago para uso residencial, municipal ou industrial”, adverte o artigo. “Os custos de operação da infraestrutura para os usuários de água vai, portanto, subir (...) à medida que aumentam as densidades de cápsulas de geleia que entopem os filtros”.

 

Centopeia revelada

Uma colaboração internacional de cientistas publicou o primeiro genoma completo de uma centopeia, na semana passada. O animal, Strigamia marítima, é uma centopeia venenosa originária da Europa. A espécie não tem olhos, e usa as antenas para caçar. O trabalho foi publicado online no periódico PLoS Biology.

Assim como insetos, aracnídeos e crustáceos, as centopeias – parte da classe miriápode – são artrópodes. Um dos líderes do projeto de sequenciamento, Ariel Chapman, da Universidade de Jerusalém, disse, por meio de nota, que “os artrópodes andam por aí há mais de 500 milhões de anos, mas a relação entre os diferentes grupos e a evolução inicial das espécies não são bem compreendidos”, situação que o novo genoma pode ajudar a retificar.