Edição nº 615

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 21 de novembro de 2014 a 30 de novembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 615

Extraindo mais propriedades de óleos

Modificação biotecnológica consegue otimizar potencial oleaginoso de palmeiras

Os óleos amazônicos são cobiçados internacionalmente pelas suas valiosas aplicações. Muito se fala sobre o valor das palmeiras nativas da Amazônia, de onde eles são extraídos, especialmente para a produção de biodiesel. Essas árvores têm sido alvo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil desde a década de 1970.

Tão abundantes são elas na paisagem que, por muito tempo, o Brasil foi reconhecido como pindorama (“terra das palmeiras”). Para se ter uma ideia, hoje são conhecidas pelo menos quatro mil espécies no mundo, a maioria nativas do Brasil e da Colômbia. Grande parte delas é usada como alimentos e é rica em óleo, o que sugere um potencial oleaginoso. Algumas oferecem boas quantidades de óleo na polpa do fruto, outras na semente e outras em ambos.

Uma nova pesquisa desenvolvida na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) apontou que a modificação biotecnológica (por via enzimática) dos óleos da Amazônia – como o buriti, o murumuru, o patauá e a estearina de palma –, extraídos de palmeiras, pode ser uma boa opção biológica para ampliar a aplicação desses óleos. Foi a constatação da engenheira de alimentos Paula Speranza em sua tese de doutorado.

A sua investigação revelou que a modificação biotecnológica destes óleos brasileiros pode ser uma alternativa para a valorização destas matérias-primas, garantindo maior interesse por sua exploração, principalmente na área farmacêutica e cosmética.

O estudo avaliou a fundo a área de modificação de óleos da Amazônia, a fim de observar se as enzimas (proteínas com função biológica de acelerar as reações bioquímicas vitais) conseguiriam atuar nessa modificação e se esse processo aumentaria o potencial biológico das substâncias estudadas, ou seja, se o seu potencial antimicrobiano ampliaria.

A engenheira de alimentos empregou duas misturas de óleo e gordura da Amazônia para a produção das bases lipídicas, sendo a primeira delas composta pelo óleo de buriti e pela gordura de murumuru, e a segunda composta pelo óleo de patauá e pela estearina de palma. 

Esses óleos foram comprados de empresas da Amazônia e fornecidos a Paula Speranza por um grupo de docentes da Universidade Federal do Pará.

A seguir, a própria autora da tese produziu lipases por meio de fermentação, empregadas para modificar os óleos. As lipases, conta ela, são enzimas que agem sobre os lipídios, catalisando as reações químicas dessas moléculas. Essa foi a primeira parte do estudo. A etapa final foi aplicar estes óleos modificados como antimicrobianos. 

 

Diferencial

Os estudos na literatura de caracterização desses óleos já sugeriam que eles tinham uma grande capacidade biológica. “Escolhemos esses óleos justamente por nunca terem sido estudados como deveriam e porque certamente existe um vasto campo a ser explorado”, expôs.

A pesquisa, baseada na interesterificação enzimática (que permite modificar as características físicas e propriedades das misturas de óleos), teve a capacidade de produzir novos óleos com características físicas e químicas inéditas na natureza e com maior potencial biológico.

Esse método consiste em misturá-los em proporções adequadas, submetê-los a um processo no qual, sob ação de um catalisador e condições específicas de processamento, promove-se uma reação de modo a desenvolver gorduras com novas propriedades, como a consistência, por exemplo.

Paula Speranza comenta, no entanto, que a modificação desses óleos por processo enzimático não é uma tarefa simples, pois não é toda lipase que atua nestes sistemas. Muitas vezes a enzima não se liga ao óleo.

Contudo, a pesquisadora ressalta que conseguiu modificar os óleos por via enzimática e aplicá-los em emulsões, que exibiram características que favorecem a aplicação biológica, como a antimicrobiana.  

Ao longo do estudo, os óleos interesterificados mostraram efeito bactericida contra os patógenos gram-positivos Bacillus cereus e gram-negativo Escherichia coli, efeito não observado com as misturas não interesterificadas.

No momento, outros estudos de potencial biológico dos óleos vêm sendo investigados, como a atividade antioxidante e anti-inflamatória. “Os estudos têm indicado resultados promissores neste sentido”, esclarece.

 

Frutos

A autora da tese e sua orientadora, a professora Gabriela Alves Macedo, já entraram com um pedido de patente junto à Agência de Inovação Inova Unicamp para proteger o projeto de óleos modificados, que ainda está em fase de análise.

Como resultado dos estudos, a pesquisadora recebeu bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp) para realizar seu pós-doutorado no Departamento de Alimentos e Nutrição da FEA. Agora, Paula Speranza continua fazendo novas avaliações para melhorar a solubilização destes óleos e aplicá-los em células. O propósito é reduzir a ocorrência de doenças e buscar aplicações na indústria farmacêutica e em outros processos. 

Segundo a engenheira de alimentos, os óleos da Amazônia apresentaram um grande diferencial ao serem comparados a outros óleos. Eles têm compostos minoritários que raramente são encontrados nos óleos em geral. O óleo de buriti, por exemplo, é uma fonte de carotenos, o patauá tem compostos fenólicos e é antioxidante, o murumuru é uma gordura rara e a estearina de palma tem propriedades emolientes, facilmente absorvidas pela pele.

A grande sacada do trabalho, opina a doutoranda, é que não há praticamente estudos avaliando esses óleos. “Nacionalmente são de fato muito poucos. E a modificação deles por processo enzimático, então, não havia nenhuma abordagem na literatura.”

A pesquisadora explica que, para produzir um óleo que não esteja disponível na natureza e para que ele possa ser mais estável, determinadas aplicações requerem características muito específicas. Foram sugestões da doutoranda otimizar as condições de reação de interesterificação enzimática (o tempo de reação e a concentração de enzimas); avaliar novos efeitos biológicos dos lipídios interesterificados; e investigar novas lipases.

 

Publicação

Tese: “Produção de lipídios especiais por interesterificação enzimática de óleos da Amazônia e influência na atividade biológica”
Autora: Paula Speranza
Orientadora: Gabriela Alves Macedo
Coorientadora: Ana Paula Badan Ribeiro
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)