Edição nº 610

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 10 de outubro de 2014 a 19 de outubro de 2014 – ANO 2014 – Nº 610

Pesquisa mostra desarticulação de bancários nos Estados Unidos

Americano compara situação da categoria no Brasil com a de seu país

Os bancários dos Estados Unidos são uma das categorias menos sindicalizadas, e mais mal pagas, do país, com um terço dos trabalhadores recebendo algum tipo de auxílio do poder público. “Basicamente, nós damos subsídios às grandes empresas, como Walmart, McDonald’s, e também aos bancos, para pagar salários baixos e com poucos benefícios”, disse ao Jornal da Unicamp o pesquisador americano Steven Strong, que defendeu, no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, a dissertação de mestrado “Why US Financial Workers are Unorganized: The19th century origins of a current problem” (“Por que os trabalhadores do setor financeiro nos EUA são desorganizados: as origens de um problema atual no século 19”).

Na introdução de seu trabalho, Strong delineia um contraste entre a situação do bancário no Brasil e em seu país, a começar pelo vocabulário: a existência de uma palavra que distingue o funcionário do banco de seu dono “chamou minha atenção”, escreve ele. “No Brasil, a palavra ‘bancário’ carrega o respeito conquistado por um sindicato com uma longa história de vitórias”, diz a dissertação, que mais à frente acrescenta: “O trabalhador do setor financeiro nos Estados Unidos, em contraste com sua contraparte no Brasil, é talvez um dos mais negligenciados em termos de literatura acadêmica e preocupação do movimento trabalhista. O movimento trabalhista dos EUA organizou apenas 1% do setor”.

Strong nota que as entidades de classe dos bancários brasileiros vêm tentando ajudar na organização dos colegas americanos. “A questão dos bancários nos EUA torna-se bem importante, para os brasileiros, com a entrada de capital americano no setor financeiro no Brasil”, disse ele. Tanto a Contraf (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro) quanto a CUT já atuaram nesse sentido. “A Contraf facilitou um acordou entre o Banco do Brasil, nos EUA, e a CWA que vai ficar como modelo”, completou. 

A CWA, ou Communications Workers of America, é um sindicato que congrega trabalhadores de várias áreas, incluindo tecnologia da informação e mídia. “Líderes sindicais dos EUA visitaram a Contraf no Brasil, e a Contraf apoia, com fundos, as iniciativas para organizar os bancários nos EUA. A CWA e Contraf têm uma publicação em inglês e português que circula entre os bancários nos dois países”, disse, dando exemplos da cooperação internacional entre sindicalistas do setor.

 

Patrões e empregados

A desorganização dos bancários nos Estados Unidos, mostra o pesquisador em seu levantamento histórico, tem raízes profundas na história do país e na forma como o setor financeiro se organizou lá. 

Diferentemente de países como a Inglaterra ou mesmo o Brasil, que contam com uma tradição histórica de grandes instituições bancárias de alcance nacional, nos EUA os bancos nasceram pequenos e com alcance geográfico limitado. Isso levou a uma aproximação entre “banqueiro” e “bancário”, tanto do ponto de vista do trabalhador – que se via com possibilidades reais de subir na empresa, ou mesmo de vir a suceder o patrão – quanto no imaginário do movimento trabalhista, para quem o setor financeiro como um todo era visto como um adversário, sem distinção entre patrão e empregado.

Mesmo quando os bancos passaram a assumir um caráter mais corporativo, a mobilidade interna, ou ao menos a impressão de mobilidade, se manteve, diz a dissertação, citando o trabalho do historiador Clark Davis, que enfatiza a importância, para os bancos americanos do início do século 20, de cultivar o “funcionário de carreira” como um modo de atrair e preservar depositantes.

“Os fatores que aponto no meu trabalho ajudam a entender porque não foi maior a auto-organização dos bancários nos EUA, como aconteceu na Inglaterra e outros países, e porque o próprio movimento sindical não deu mais atenção à organização dos bancários como uma categoria chave”, disse o pesquisador. “Dependendo da época em que estudamos a questão, diferentes fatores ganham destaque. Mas o grande problema, na maioria das épocas, é a falta de uma perspectiva classista em relação ao setor financeiro, que reconheça a distinção entre banqueiro e bancário, e a possibilidade de ação do bancário na luta da classe trabalhadora, contra o banqueiro”.

 

Comunistas

A contratação de mulheres para realizar serviços bancários, a partir da Segunda Guerra Mundial – o que, na época, foi visto por muitos como uma desvalorização da carreira – e a crescente organização racional e mecanização do trabalho acabaram corroendo a ideia de que bancário e banqueiro estariam unidos numa causa comum, ou de que as perspectivas individuais e individualistas de ganho por ascensão na carreira seriam sempre melhores do que as conquistas possíveis por meio de ação coletiva por meio do sindicato, escreve o pesquisador.

“Mas no momento em que o sindicalismo do setor financeiro foi mais forte, organizado pelo UOPWA (United Office and Professional Workers of America, ou Trabalhadores de Escritório e Profissionais Unidos da América), os próprios sindicatos e centrais sindicais dos EUA destruíram esse movimento, supostamente porque o sindicato tinha sido dominado pelos comunistas”, disse Strong.

A dissertação relata como uma tentativa fracassada de greve em Wall Street, em 1948, desarticulou a organização trabalhista no setor financeiro. “O sentimento anticomunistas dos trabalhadores de Wall Street levou-os a rejeitar a UOPWA-CIO, que tinha mais experiência em organizar trabalhadores de escritório, e dispunha de recursos para grandes campanhas”, diz a dissertação. 

Atualmente, “sem um movimento de auto-organização dos bancários, vai ser preciso um forte investimento das centrais sindicais, e vários sindicatos, para mudar a realidade desse setor”, disse Strong. “Hoje, os bancários nos EUA são 90% mulheres, a maioria não brancas, e o movimento sindical dos EUA está ignorando esses trabalhadores, o que está ligado, como é o caso em vários setores, a um forte legado de racismo e de machismo dentro a liderança sindical”.

 

Revolução

A sindicalização ampla dos bancários americanos poderia beneficiar a população dos Estados Unidos de várias formas, acredita Strong. Uma elevação dos salários reduziria a necessidade de subsídios estatais para ajudar os trabalhadores mal pagos. “Também tem a questão de ‘accountability’, e a proteção de ‘whistleblowers’”, disse ele. 

“Accountability” é uma expressão que costuma ser traduzida como “prestação de contas” ou “transparência”, e inclui alocação devida das responsabilidades no caso de malfeitos. Já “whistleblower”, literalmente “soprador de apito”, é o nome dado a funcionários que denunciam práticas ilegais ou antiéticas de suas empresas.  O mais famoso “whistleblower” da atualidade é Edward Snowden, que revelou ao público segredos da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos, para a qual prestava serviços.

“Há muitas práticas sujas dentro do setor financeiro”, lembrou Strong. “Mas os trabalhadores precisam de organização e de direitos para se sentirem seguros e reclamar das injustiças. Isso pode beneficiar os consumidores, e talvez controle alguns dos aspectos que criaram a última crise financeira nos EUA”.

O pesquisador acredita, no entanto, que os Estados Unidos precisam desenvolver um movimento de esquerda revolucionária para que os trabalhadores possam realmente se organizar. “A sindicalização dos trabalhadores é tão baixa nos EUA, e especialmente no setor financeiro, que só o aprofundamento da crise global, e o crescimento de uma esquerda revolucionária, vai mudar essa realidade”. 

Ele diz que os capitalistas do setor financeiro “são tão reacionários e contra sindicalização” que só uma ameaça viável de expropriação e nacionalização iria forçá-los a ceder um pouco aos sindicatos. “É o mesmo com a questão de se criar um partido dos trabalhadores nos EUA, e mudar as leis para facilitar sindicalização”. 

Strong acredita que uma revolução socialista nos Estados Unidos traria resultados diversos dos produzidos pelo chamado “socialismo real” do século 20. “O povo dos EUA já fez uma revolução para libertar-se do imperialismo, uma outra para quebrar o poder dos latifundiários”, enumera, referindo-se à Guerra de Independência e à Guerra Civil. “Só falta a terceira, para acabar com o poder dos capitalistas, a revolução socialista”.  

Ele diz que, sendo os EUA um país desenvolvido com uma história bem diferente de outros onde já houve revoluções socialistas, “a sociedade resultante será bem diferente que qualquer outra experiência histórica”. “Para mim, não tem nada que pareça mais desejável, para melhorar a vida da maioria das pessoas dos EUA e do mundo, do que essa terceira revolução americana.

 

Publicação

Dissertação: “Why US Financial Workers are Unorganized: The19th century origins of a current problem”
Autor: Steven Strong
Orientador: Carlos Salas Paéz
Unidade: Instituto de Economia (IE)