Edição nº 607

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 22 de setembro de 2014 a 28 de setembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 607

Jatos de alta velocidade inativam bactérias em águas residuais

Equipamento desenvolvido na FEC combina técnicas que combatem microrganismos

Um equipamento desenvolvido por pesquisadores da Unicamp visa contribuir para a inativação de bactérias em águas residuais da atividade industrial, da agricultura e do esgoto doméstico, que constituem grande preocupação em termos de saúde pública e comprometem os ecossistemas. De maneira simples, o equipamento propicia a formação de jatos de alta velocidade em um reservatório com água contaminada por uma bactéria, destruindo-a pela combinação de altas tensões e pela indução de reações químicas propiciadas pelo fenômeno da cavitação. “Avaliação de equipamento tipo jato cavitante para inativação de Escherichia coli empregando múltiplos jatos” é a dissertação de mestrado apresentada por Maiara Pereira Assis, sob orientação do professor José Gilberto Dalfré Filho e coorientação da professora Ana Inés Borri Genovez, na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC).

Jato cavitante vem de cavitação, fenômeno que Dalfré Filho vem estudando há 15 anos, sendo esta dissertação mais um dos resultados. “Iniciei as pesquisas no meu mestrado, em 1999, então para investigar o fenômeno em estruturas hidráulicas (barragens, vertedores, bacias de dissipação), que são feitas de concreto e onde normalmente se registram velocidades elevadas da água. Irregularidades no acabamento do concreto podem levar à formação de bolhas no líquido, que chamamos de cavitação. Assim como a ebulição cria bolhas devido ao aumento da temperatura, a cavitação também, embora a temperatura permaneça constante e a pressão decresça.”

O professor da FEC explica que em vertedouros como da hidrelétrica de Itaipu, a água não utilizada para geração de energia é lançada em jatos numa fossa de dissipação. “Como a velocidade do jato é grande, a pressão pode cair mais facilmente a ponto de formar bolhas no escoamento. Havendo alguma mudança no escoamento, que leve a um aumento da pressão, essas bolhas implodem, resultando em ondas de pressão que se chocam contra a parede sólida: a intensidade e a repetição do fenômeno acarretam danos importantes, até com a remoção de muitos metros cúbicos de concreto.”

Do mestrado ao doutorado, Dalfré Filho, orientado pela professora Ana Inés Borri Genovez, ocupou-se em montar um simulador de cavitação para determinar a erosão que o fenômeno provoca em concretos. “Na continuidade dos estudos, vislumbramos a utilização do equipamento de cavitação para a inativação de microrganismos presentes na água. Foi quando Maiara entrou no grupo, primeiro na iniciação científica, com pequenas modificações no simulador original. Agora no mestrado, ela desenvolveu um equipamento mais específico, atendendo a necessidades observadas em trabalhos anteriores para melhorar seu desempenho.”

 

Destruindo a E. Coli

Segundo Maiara Assis, este equipamento é mais potente e a mudança essencial está no volume de líquido a ser tratado e na pressão, que são maiores, e na existência de múltiplos bocais, ao invés de apenas um. “Mantivemos como contaminante uma cepa não patogênica da bactéria Escherichia coli, que está presente no intestino de todo animal de sangue quente, sendo assim um indicador da contaminação fecal na água; a E. coli pode provocar doenças que são de veiculação hídrica.”

A autora da dissertação informa que a nova configuração do equipamento foi testada e comparada com a configuração existente no Laboratório de Hidráulica e Mecânica dos Fluidos, na busca de uma eficiência ótima. “Testamos o equipamento com um tipo de contaminante, mas teoricamente ele pode ser aplicado em vários outros e, por exemplo, para complementar o tratamento da água potável. Não podemos afirmar que seu uso isolado permite tomar a água diretamente, pois para isso são necessários vários outros processos além da inativação da bactéria.”

Um adendo de Maiara diz respeito à existência de outros trabalhos pelo mundo utilizando o mesmo método de cavitação para contaminantes diversos, incluindo aqueles que não são eliminados nos processos tradicionais para tornar a água potável, como desinfecção, coagulação, decantação, filtração, adição de produtos químicos, etc. “Nós corremos o risco de tomar água contendo substâncias como hormônios e fármacos. Testar o equipamento para esses contaminantes persistentes seria uma pesquisa desafiadora e interessante”.

O orientador Gilberto Dalfré lembra dois outros trabalhos realizados no próprio laboratório da FEC, um deles publicado no congresso mundial da Associação Internacional de Engenharia Hidroambiental. “Esta pesquisa envolveu as capivaras (animais de sangue quente) que frequentam o lago da Unicamp. A água do lago foi testada no equipamento, com pressões baixas e, de forma muito tranquila, observamos a inativação dos microrganismos. Considerando que o líquido contaminado em laboratório para os testes no equipamento possui grande concentração de bactérias, em águas naturais o procedimento foi bem mais fácil.”

Um segundo trabalho com o mesmo equipamento, conforme o professor, não focou a inativação de bactérias e sim a decomposição de compostos persistentes, no caso, o corante azul de metileno. “O processo deixou o líquido mais transparente, apesar de não ter eliminado completamente o azul – o que pediria um processo complementar sob a luz solar. Esta técnica poderia ser testada na água que é descartada em alguns tipos de indústrias que utilizam corantes no seu processo produtivo.”

 

Indústria e comunidades

Dalfré descreve o equipamento como simples em termos de formato, havendo um reservatório em que acontece a cavitação, uma bomba de alta pressão e um sistema de tubulações. “No final da tubulação temos os bocais (estudamos vários tipos) que auxiliam no desenvolvimento da cavitação e, bem projetados e com as características apropriadas, acabam inativando os microrganismos presentes na água contaminada.”

 

O professor esclarece que o equipamento, a princípio, seria somente parte de uma unidade de tratamento, pois no estágio atual de desenvolvimento não é possível a sua utilização para volumes tratados em estações de grande porte. “Ele serve para pequenos valores de vazão, como em plantas industriais e comunidades. À medida que a água residual entrasse nesta unidade de tratamento, recircularia durante determinado tempo dentro do reservatório de reação e passaria para um processo acoplado determinado conforme o objetivo: consumo, reuso ou descarte no rio.” 

Maiara Assis explica que o equipamento deve receber volumes por bateladas, uma vez que existe um ciclo a cumprir, não bastando passar o líquido pelo jato uma única vez. Nos ensaios feitos por ela, chegou-se a uma percentagem elevada de inativação com um ciclo de 45 minutos, tempo consideravelmente reduzido em comparação com outros processos semelhantes, implicando também em consumo mais eficiente de energia elétrica. Além disso, sendo um processo que não envolveu adição de cloro, evitou-se levar mais problemas aos corpos hídricos e ao ambiente, como ocorre, por exemplo, na inativação exclusivamente por cloro.

 

Uma substância complexa

Maiara Assis incluiu em sua dissertação de mestrado informações da literatura que mostram como a água lançada na forma de esgoto doméstico e industrial em corpos hídricos representa uma ameaça à saúde pública. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o desafio para a saúde global é a prevenção contra doenças relacionadas à qualidade da água. Dois milhões de mortes anuais são atribuídas às más condições da água, de saneamento e de higiene no mundo.

Autores consideram a água uma substância complexa, assim como as impurezas que se apresentam nas águas naturais, várias delas inócuas, outras pouco desejáveis e algumas extremamente perigosas. Entre as impurezas nocivas encontram-se vírus, bactérias, parasitas, substâncias tóxicas e até mesmo elementos radioativos, causando doenças relacionadas com a água.

As formas de tratamento tradicionais para tornar a água potável muitas vezes também geram resíduos que são prejudiciais à saúde. Assim, os contaminantes previstos na legislação federal devem ser controlados, analisados e enquadrados em relação à potabilidade e em termos de lançamento de efluentes.

Existem formas que vão das mais simples às mais complexas de tratamento. Uma estação do tipo convencional compreende geralmente os seguintes processos de tratamento: desinfecção, coagulação, floculação, decantação, filtração, correção do pH, fluoretação, adição de produtos químicos auxiliares, reservação e distribuição. As etapas e tecnologias empregadas podem variar de uma estação de tratamento para outra.

Além do processo convencional, em que a desinfecção da água é realizada por cloração, existem os tratamentos não convencionais, destacando-se: ozonização, sonólise, eletrólise, fotólise e membrana filtrante, que podem ser compostos de um processo único, ou interativos, gerando um efeito sinérgico com outros tipos de tratamento também alternativos.

Autores apontam que o desinfetante químico mais utilizado para a produção de água potável é o cloro, líquido ou gasoso. Ele tem sido empregado como desinfetante primário na vasta maioria das estações que tratam água superficial ou subterrânea. Outros desinfetantes químicos são considerados alternativos, destacando-se o hipoclorito de sódio ou de cálcio, o ozônio, o dióxido de cloro, o permanganato de potássio, a mistura ozônio-peróxido de hidrogênio, o íon ferrato, o ácido peracético e outros agentes em fase de pesquisa e desenvolvimento, como sais de prata e sais de cobre, entre outros.

 

Publicação

Dissertação: “Avaliação de equipamento tipo jato cavitante para inativação de Escherichia coli empregando múltiplos jatos”
Autora: Maiara Pereira Assis
Orientador: José Gilberto Dalfré Filho
Coorientadora: Ana Inés Borri Genovez
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)