Edição nº 598

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 23 de maio de 2014 a 01 de junho de 2014 – ANO 2014 – Nº 598

Telescópio


‘Science’ dedica edição à desigualdade

No rastro dos movimentos Occupy e do enorme sucesso editorial do livro O Capital no Século XXI, do economista francês Thomas Pikkerty, a revista Science da semana passada dedicou uma seção especial à questão da desigualdade econômica, com cinco artigos – entre reportagens e revisões da literatura científica – a respeito do tema, e que vão da psicologia da pobreza à transmissão da desigualdade entre as gerações. “Um diálogo internacional surgiu em torno da questão” da desigualdade, diz a introdução dessa sequência de artigos, “juntamente com alguns dados científicos que o alimentam”. Todo o material reunido pela Science em seu caderno especial “A Ciência da Desigualdade” estará disponível gratuitamente, por tempo limitado, no site.

 

Pikkerty: Marx também estava errado

O primeiro texto da seção especial sobre desigualdade da revista Science é assinado por Thomas Pikkerty e Emmanuel Saenz. Com o título “Desigualdade no Longo Prazo”, o texto se vale de dados históricos e estatísticas para afirmar que “a desigualdade de renda e riqueza era muito alta um século atrás, principalmente na Europa, mas caiu dramaticamente na primeira metade do século XX. A desigualdade de renda voltou a aumentar nos Estados Unidos desde os anos 70, de forma que os EUA são, hoje, muito mais desiguais que a Europa”.

O artigo resume os dados e metodologias usados por Pikkerty em seu best-seller O Capital no Século XXI, incluindo a análise da relação entre o crescimento da rentabilidade do capital, da economia como um todo e da desigualdade. E conclui: “A desigualdade não segue um processo determinístico. De certo modo, tanto Marx quanto Kuznets [Simon Kuznets (1901-1985), economista ganhador do Nobel que defendia que a desigualdade tende naturalmente a diminuir numa economia de mercado] estavam errados. Há forças poderosas empurrando, alternadamente, na direção de maior ou menor desigualdade. Quais dominam depende das instituições e políticas que a sociedade decide adotar”.

 

Desigualdade e diploma

Também na seção especial da Science sobre desigualdade, o economista David H. Autor, do MIT, chama atenção para o que considera o principal fator de desigualdade dentro dos “outros 99%” da população, numa referência à divisão, feita pelo movimento Occupy, entre o 1% mais rico de os demais cidadãos: “O crescimento dramático do bônus salarial associado à educação superior e à capacidade cognitiva”.

Autor se debruça especificamente sobre a situação nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, mas sua discussão pode ter relevância para o Brasil: dados do IBGE do ano passado mostravam que um trabalhador brasileiro com nível superior ganhava, em média, 220% a mais que um brasileiro com menos estudo. E um relatório da OCDE, publicado em 2011, já apontava o Brasil como o país onde o diploma de nível superior mais eleva a perspectiva de renda do trabalhador.

O economista levanta dados que o levam a concluir que o bônus salarial dos trabalhadores mais qualificados e a perda de renda dos menos educados resulta fundamentalmente de pressões de oferta e demanda – incluindo a crescente substituição do trabalho pouco intelectualizado por máquinas e computadores – mas afirma que há, também, fatores de política pública que influenciam o movimento, como o valor do salário mínimo, o poder de negociação dos sindicatos e a política tributária.

 

Crescimento e desigualdade

A relação entre crescimento econômico, desigualdade e pobreza nos países em desenvolvimento é complexa e depende da medida de desigualdade que se utiliza – se absoluta ou relativa – escreve o economista Martin Ravallion, da Universidade Georgetown, na edição especial sobre desigualdade econômica da revista Science. No geral, o crescimento econômico do mundo em desenvolvimento, incluindo países como Índia e Brasil, tem sido neutro em termos de impacto sobre a desigualdade relativa, mas vem agravando a desigualdade absoluta.

Ravallion explica a diferença entre essas medidas com o seguinte exemplo: “Se a distribuição de renda entre duas pessoas muda de US$ 1.000 e US$ 10.000 para US$ 2.000 e US$ 20.000, a desigualdade relativa não muda, mas o abismo absoluto entre o rico e o pobre dobrou”. Só que ao mesmo tempo em que aumenta a desigualdade absoluta, escreve o autor, o crescimento tende a reduzir a pobreza extrema e a miséria, o que pode gerar uma tensão entre políticas de combate à miséria e políticas de redução da desigualdade. E mesmo o efeito de redução da pobreza do crescimento é atenuado, no entanto, se a desigualdade inicial da sociedade já for grande demais. “Quanto mais desigual for a distribuição original, menor a fatia do crescimento que vai para os pobres, e menor a queda de desigualdade gerada pelo crescimento”.

 

Ciclo de carbono no semiárido

A vegetação das regiões semiáridas do hemisfério sul pode estar se transformando em importantes reservatórios de carbono, captando parte do CO2 lançado na atmosfera pela queima de combustíveis fósseis, diz artigo publicado na edição da última semana da revista Nature

Os autores – uma equipe internacional formada por europeus, americanos e australianos – debruçaram-se sobre o grande sumidouro de carbono de 2011, quando a massa de terra do planeta absorveu quase duas vezes mais carbono que a média dos dez anos anteriores, na maior captura de carbono pelos continentes desde o início da medição das concentrações do gás na atmosfera, em 1958. 

Os autores determinaram que a vegetação de três regiões semiáridas do hemisfério sul cresceu de modo excepcional nesse mesmo ano, principalmente na Austrália. As outras áreas afetadas foram a zona temperada no sul da América do Sul e o sul da África. “Essas regiões experimentaram até seis temporadas com aumento de chuva, e desde 1981 uma expansão de 6% na cobertura vegetal da Austrália quadruplicou a sensibilidade da absorção líquida de carbono pelos continentes à precipitação”, escrevem os autores.


Educação e genética na escolha do cônjuge

Pessoas em busca de um marido ou esposa tendem a selecionar parceiros geneticamente semelhantes a si mesmos, diz estudo publicado no periódico PNAS, mas esse efeito da seleção genética é muito menor que o da seleção por nível educacional. Os autores do trabalho, ligados a instituições dos Estados Unidos, compararam os chamados SNPs – polimorfismos de nucleotídeo único, um tipo de marcador presente no DNA que pode ser usado para distinguir indivíduos ou graus de parentesco – de casais heterossexuais casados e de pares heterossexuais formados ao acaso, e concluíram que a similaridade genética entre os casais casados é maior que a observada nos pares aleatórios. Os autores concluem que a influência da similaridade genética na escolha do parceiro é da ordem de 4,5%. 

O mesmo artigo também avaliou a influência da educação – medida em anos completos de ensino formal – na escolha de parceiros, comparando o nível educacional de casais casados ao de casais formados ao acaso. Desta vez, o grau de influência calculado pelos autores foi de 12,7%. “Descobrimos que os cônjuges são mais semelhantes geneticamente do que dois indivíduos escolhidos ao acaso, mas que esta similaridade é, no máximo, um terço da similaridade educacional”, escrevem os autores. “Além disso, processos de segregação social no mercado de casamentos são amplamente independentes da dinâmica genética da seleção sexual”.

 

Luz em matéria

Matéria e energia podem ser convertidas uma na outra, um fato científico resumido na equação E=mc2. No entanto, embora a transformação de matéria em energia seja um feito tecnológico quase corriqueiro – é o que acontece durante uma explosão atômica, e também, de modo controlado, nas usinas nucleares – o inverso, o uso de energia para gerar matéria, continuava a ser um desafio em termos de execução prática.

Agora, uma pesquisa publicada na última semana no periódico Nature Photonics sugere um experimento em que a colisão de duas partículas de luz, ou fótons, deve dar origem a um par de partículas materiais: um elétron e seu correspondente de antimatéria, o pósitron.

De acordo com nota divulgada pelo Imperial College London, onde atuam dois dos autores da proposta, o experimento envolve o uso de elétrons acelerados a uma velocidade altíssima, que entrariam em colisão com um anteparo de ouro, choque que produziria partículas de luz de alta energia. Essa luz seria dirigida para o interior de um cilindro também de ouro, cuja superfície interna teria sido aquecida por um laser, produzindo mais partículas de luz. A matéria surgiria da colisão entre o feixe de luz vindo do bloco de ouro com os fótons presentes na cavidade do cilindro.

Um dos autores da proposta, Oliver Pike, disse que o experimento é simples e pode ser realizado com tecnologia disponível hoje. “A corrida para executar o experimento já começou”, declarou ele, por meio de nota.