Edição nº 595

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 28 de abril de 2014 a 11 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 595

Advogados se ressentem de formação mais abrangente

Avaliação da categoria sobre o currículo dos cursos de Direito no país é descortinada por tese da Faculdade de Educação

Exame da OAB: de acordo com dados da Ordem, 81,5% dos bacharéis que prestaram a prova entre 2010 e 2012 foram reprovados
O Brasil tem atualmente cerca de 750 mil inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), número que faz com que o país conte com 393 desses profissionais para cada 100 mil habitantes. Tal proporção é muito superior à verificada na Europa, que soma 257 advogados para cada grupo de 100 mil moradores. Do ponto de vista quantitativo, os brasileiros não têm do que se queixar quando precisam dos préstimos de um desses operadores do Direito. Entretanto, a quantas anda a formação acadêmica desse enorme contingente? A resposta pode ser encontrada na tese de doutorado da pedagoga e advogada Tania Alencar de Caldas, defendida recentemente na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Segundo o estudo, embora 56% dos entrevistados tenham declarado que se sentiam satisfeitos com o curso que fizeram, uma parcela significativa se queixou de deficiências no currículo, como a carência de atividades práticas e o insuficiente incentivo à pesquisa.

Denominado “Egressos de cursos de Direito: Visão dos aprovados no exame da Ordem”, o trabalho de Tania contou com a orientação do professor José Camilo dos Santos Filho, fundador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (Gepes) da FE. A autora explica que um dos objetivos da pesquisa era conhecer o perfil dos que ingressaram nos quadros da OAB no primeiro decênio deste século, bem como a visão do grupo acerca do Exame de Ordem. Outra intenção era trazer à tona as percepções desses profissionais sobre os conhecimentos proporcionados pelos currículos dos cursos de Direito, oferecidos tanto por instituições públicas quanto privadas. Para levantar esses dados, a pesquisadora teve que cumprir um longo caminho.

Inicialmente, Tania entrou em contato com a OAB nacional, com o propósito de obter os e-mails dos advogados, para o envio de questionários online. Ela foi encaminhada, então, às seccionais estaduais. “O contato com as representações da Ordem nos estados foi marcado por certas dificuldades. Algumas seccionais demonstraram boa receptividade ao trabalho, mas outras nem tanto. O principal argumento das que apresentaram resistência era de que não poderiam fornecer o endereço eletrônico de seus associados a terceiros, por questão de sigilo”, explica. Depois de muito negociar, a pesquisadora finalmente conseguiu uma relação com 8 mil e-mails, possibilitando a seleção de 4.850 endereços.

Tania Alencar de Caldas, autora da tese: “Penso que é o momento da sociedade e dos atores mais diretamente ligados ao  ensino jurídico promoverem uma refl exão que leve ao aprimoramento dos cursos de Direito no Brasil”
O passo seguinte foi enviar aos advogados questionários online com perguntas fechadas e uma Escala de Atitudes contendo 45 assertivas. Este último instrumento, conforme a autora da tese, foi validado em pesquisa desenvolvida pelo Gepes, no período de agosto de 2010 a julho de 2011, sob a coordenação da professora Elisabete Pereira, com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e da qual Tania também participou. As assertivas, observa a autora da tese, abordaram três principais pontos em relação aos currículos dos cursos de Direito: formação geral, formação profissional e formação básica. “Além disso, duas perguntas abertas proporcionaram análises qualitativas sobre o Exame de Ordem e reflexões sobre o curso de Direito”, pormenoriza a advogada e pedagoga.

De acordo com ela, 1.225 profissionais responderam às questões formuladas, o que possibilitou uma análise estatística significativa, com erro amostral inferior a 3%. Em relação ao perfil dos advogados, a pesquisadora apurou que o maior percentual deles tem entre 20 e 29 anos, que 56,7% pertencem ao gênero masculino e que 61,1% frequentaram instituição privada. Do universo consultado, 39,9% declararam ter prestado o Exame de Ordem uma única vez e 48,3%, duas vezes. “Nós também identificamos as razões que levaram os advogados a optar pela carreira. As alternativas mais assinaladas foram ‘amplitude de oportunidade de atuação profissional’ e ‘admiração pela advocacia’”, revela a autora da tese.

Em relação à escolha da faculdade, prossegue Tania, o estudo aferiu que o parâmetro que orientou a opção da maioria (64,7%) foi o da “instituição de ensino conceituada”, a despeito de ela ser pública ou privada. Quanto à percepção dos advogados sobre a qualidade dos cursos de Direito, a pesquisa chegou ao seguinte dado: 56% dos consultados disseram que ficaram satisfeitos com o ensino oferecido. Dentre as características positivas destacadas por eles apareceram “bons professores”, “desenvolvimento do raciocínio jurídico” e “currículo amplo e abrangente”.  “Ao mesmo tempo, um número significativo de pessoas apontou como pontos negativos a carência de atividades práticas e o pequeno estímulo à pesquisa”, comenta Tania.

Na interpretação da autora do trabalho, o retorno dado pelos advogados que iniciaram suas atividades profissionais no primeiro decênio do século 21 aponta para a necessidade de uma reformulação dos cursos de Direito no país. “Pelas respostas abertas foi possível identificar, por exemplo, a necessidade de um curso focado na interdisciplinaridade, que possa proporcionar uma formação mais abrangente aos advogados. Muitos egressos se queixaram de um ensino muito fragmentado”, aponta Tania. Além disso, continua ela, os pesquisados relacionaram outras carências, como a reduzida ênfase na formação humanística, crítica e ética.

Com relação à estrutura curricular, observa a advogada e pedagoga, uma parcela importante dos participantes do estudo fez referência a um currículo rígido e desatualizado. Os advogados mencionaram, ainda, o fato de os cursos contarem com professores desestimulados, entre outras deficiências. “O cenário traçado pelos profissionais consultados explica, em boa medida, a tão discutida crise do Direito, que vemos com certa frequência nas páginas dos jornais, principalmente quando ocorrem os exames da OAB. Afinal, a prova não exige nada além dos conhecimentos adquiridos ao longo do curso, mas somente um pequeno número consegue a aprovação. Ademais, o Exame de Ordem se configura como uma autêntica avaliação externa, portanto, é importante que as instituições de ensino superior levem em consideração o desempenho de seus egressos nesta prova, objetivando esforços de reformulação e atualização curricular”, pondera. Conforme dados da Ordem, 81,5% dos bacharéis que prestaram a prova entre 2010 e 2012 foram reprovados.

Tania considera que essa crise ainda deverá ser tema de discussões por um bom tempo. Ela assinala, no entanto, que fases marcadas por adversidades também são geradoras de oportunidades. “Penso que é o momento da sociedade e dos atores mais diretamente ligados ao ensino jurídico promoverem uma reflexão que leve ao aprimoramento dos cursos de Direito no Brasil. Particularmente, eu defendo a ideia de estender o curso em um ano, para que haja tempo necessário para promover uma formação mais ampla dos bacharéis e proporcionar-lhes a chance de unir teoria e prática ainda nos bancos escolares. Obviamente, não se trata de uma mudança trivial. A proposta certamente é complexa, mas acredito que ela mereça ser considerada”.

História
A lei que instituiu o ensino jurídico no Brasil data de 11 de agosto de 1827. Os dois primeiros cursos de Direito foram instalados nos estados de São Paulo e Pernambuco, em 1º de março e em 15 de maio de 1828, respectivamente. O Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Academia de São Paulo e o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais de Olinda representaram um marco na história do país, dado que tinham o propósito de formar integrantes da elite administrativa brasileira. De acordo com o Censo da Educação Superior, em 2010 existiam 1.092 cursos de Direito no Brasil, distribuídos em 144 instituições públicas e 948 escolas privadas. Ao todo, eles abrigavam cerca de 700 mil estudantes.

Depoimentos de pesquisados
“A graduação deve visar o equilíbrio, mas, sobretudo, deve despertar o interesse do graduando em Direito, a realizar pesquisas incentivando-o ao pensamento técnico-jurídico, aplicando os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, sem se afastar da criatividade, de forma a torná-lo um veículo ‘inovador na área jurídica’”.

“A multidisciplinariedade é fator fundamental para o Direito, já que lida com o sociológico, o econômico, o cultural. É importante que haja várias disciplinas no curso de Graduação, para que o aluno possa ter uma visão geral de todos os aspectos que o Direito abrange”.

“Entendo que o currículo de um curso de Direito deva ser, na medida do possível, o mais abrangente possível, de modo que o aluno desenvolva competências multidisciplinares que serão importantes para o exercício profissional”.

“O que queremos significar como profissional–cidadão é o desenvolvimento de um posicionamento reflexivo no trato com a especificidade do conhecimento da área profissional e suas consequências para com a sociedade e para com o mundo contemporâneo”.

Publicação
Tese: “Egressos de cursos de Direito: visão dos aprovados no exame da Ordem”
Autora: Tania Alencar de Caldas
Orientador: José Camilo dos Santos Filho
Unidade: Faculdade de Educação

Comentários

Comentário: 

Ao longo dos anos, as teses desenvolvidas na Unicamp têm contribuído para a cidadania do país e, em especial, com estudos sobre a formação dos profissionais do Direito, desenvolvidos na Faculdade de Educação.

sal_silva@ig.com.br