Edição nº 594

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 14 de abril de 2014 a 27 de abril de 2014 – ANO 2014 – Nº 594

Méritos para o feito em casa

Pesquisa revela que o azeite extravirgem nacional exibe características similares às de importados

Estudos desenvolvidos pelo químico industrial de alimentos Cristiano Augusto Ballus, na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, orientados pela professora Helena Teixeira Godoy, e complementados por trabalhos realizados no Centro de Investigación y Desarrollo del Alimento Funcional, vinculado ao Departamento de Química Analítica da Universidad de Granada (Espanha), mostram que o azeite de oliva extravirgem brasileiro, produzido ainda de forma restrita, exibe características similares aos produtos importados. Recomendado pelos benefícios que traz à saúde, o consumo do azeite extravirgem vem aumentando no Brasil, embora os custos de importação restrinjam a sua utilização.

O azeite de oliva extravirgem é altamente recomendado por seus benefícios à saúde humana segundo comprovações mencionadas na literatura médica que, divulgadas pelos meios de comunicação, contribuíram para disseminar o aumento de seu consumo em todo o mundo. Talvez os estudos mais vulgarizados nessa área estejam relacionados à conhecida dieta mediterrânea, na qual se atribui a ele importante papel na prevenção de determinadas doenças, como as coronarianas e alguns tipos de câncer. Entre os principais responsáveis por estes efeitos destacam-se o elevado teor de ácido oleico, que diminui o colesterol “ruim”, e a presença de compostos fenólicos, que agem como sequestradores de radicais livres.

A fração lipídica dos azeites de oliva, constituída por ácidos graxos, corresponde a 98% de sua composição química. Nos 2% restantes assumem particular importância principalmente duas classes de compostos antioxidantes: os fenólicos e os tocoferóis. Entre outros parâmetros, a legislação determina que para ser considerado extravirgem o azeite de oliva deva conter entre 55% e 83% de ácido oleico entre os ácidos graxos e apresentar acidez abaixo dos 0,8%, características responsáveis pela sua maior resistência à degradação durante o tempo de prateleira e no uso em condições mais drásticas, como é o caso de frituras.

Esta estabilidade está associada à preponderante presença do ácido oleico na fração lipídica, cuja molécula possui apenas uma ligação dupla, diferentemente do que acontece, por exemplo, com o óleo de soja, que possui elevados teores de ácidos graxos que contêm duas e três ligações duplas, o que o torna mais facilmente degradável por oxidação.

O azeite de oliva extravirgem é obtido da azeitona somente através de meios mecânicos, sem nenhum outro tratamento. O fruto é colhido na época devida e, no menor tempo possível, lavado e prensado, seguindo-se os processos de filtração, decantação ou centrifugação. Este processamento garante que mesmo os componentes minoritários, entre eles os fenólicos, permaneçam no produto final, diferentemente de outros óleos vegetais que, quando submetidos ao refino químico, perdem várias das substâncias benéficas à saúde.

 

Primeira fase

Em relação aos azeites de oliva extravirgem importados para comercialização no Brasil, não foram encontrados estudos que avaliassem sua capacidade antioxidante e o teor de compostos fenólicos. Em vista disso, Cristiano iniciou suas pesquisas com azeites de oliva importados e encontrados nos supermercados com o objetivo de caracterizar tanto qualitativamente como quantitativamente os antioxidantes neles presentes. Nesta fase, ele analisou 45 amostras quanto ao teor de fenólicos totais e capacidade antioxidante total, desenvolveu um método para separar, identificar e quantificar 17 diferentes compostos fenólicos, aplicando-o a outras 15 amostras de azeite de oliva importados, nas quais conseguiu quantificar 5 destes compostos. Ao comparar os teores destes últimos com os trabalhos realizados em países europeus, ele concluiu que eram compatíveis. Desta etapa resultaram dois artigos, um em fase de submissão e outro publicado no periódico Food Chemistry.

Durante a realização desta primeira fase do trabalho, que se estendeu por cerca de dois anos, Cristiano se deu conta de que no Brasil estava-se tentando produzir azeite de oliva extravirgem, o que o interessou muito diante da possibilidade de se chegar a um produto nacional supostamente de menor custo e acessível a um mercado consumidor maior.

Com efeito, a importação do produto, basicamente de Portugal, Espanha, Itália e Grécia, o torna caro para o consumidor brasileiro que geralmente restringe seu uso a saladas e determinados pratos específicos e utiliza no dia a dia os tradicionais óleos locais. A possibilidade de ampliação do consumo de azeite de oliva no mercado brasileiro despertou, já há alguns anos, o interesse pela produção de azeites de oliva nacionais, particularmente por iniciativa de institutos de pesquisa como a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), a Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa-RS), que se propuseram estudar e desenvolver no país variedades de oliveiras adequadas à produção de azeite de oliva extravirgem. Embora ainda não comercializados em escala, estes azeites produzidos no Brasil começaram a aparecer em alguns pontos de venda de MG e RS.

 

Segunda parte

Cristiano considera que a produção experimental de azeite de oliva extravirgem no Brasil vem apresentando resultados promissores, de maneira a viabilizar uma futura produção em escala industrial. Diante disso, diz ele, “é de fundamental importância caracterizar a composição química destes azeites de oliva nacionais, pois suas qualidades estão diretamente atreladas às diversas classes de componentes químicos que os devem constituir. Isto me levou a esta pesquisa”.

Moveu-o ainda o fato de não ter encontrado na literatura nenhum estudo a respeito dos teores de compostos fenólicos e tocoferóis nos azeites de oliva extravirgem produzidos a partir de cultivares existentes em diferentes regiões dos estados do RS, SC e MG. Nesta segunda parte do trabalho, com base em amostras recebidas desses três Estados produtores, o pesquisador se propôs a ampliar seu projeto inicial para englobar a caracterização de compostos majoritários e minoritários contidos nos azeites de oliva extravirgem brasileiros.

Ele deteve-se então em analisar primeiramente os teores de ácidos graxos, de tocoferóis e cinco compostos fenólicos em 17 amostras de azeites de oliva produzidos em MG, a partir de diferentes variedades de azeitonas, nos anos de 2010/2011. O equipamento de que dispunha no laboratório lhe permitiu identificar apenas cinco fenólicos que conseguiu quantificar. Ao fazê-lo, constatou que os teores desses compostos são muito similares aos encontrados em azeites de oliva dos países da Europa e Argentina, também uma grande produtora de azeite de oliva. Este trabalho lhe rendeu artigo que se encontra em fase de avaliação no periódico Food Research International.

O trabalho o estimulou a buscar amostras de outras regiões do Brasil, mesmo porque existe muita variação climática e de solo entre os três Estados produtores. A partir daí Cristiano determinou o perfil qualitativo e quantitativo de 20 diferentes compostos fenólicos utilizando 25 amostras oriundas de diferentes variedades de azeitonas cultivadas em MG, SC e RS nos anos 2011/2012.

Esta parte da pesquisa foi desenvolvida, juntamente com outras atividades, no período de um ano, junto ao Departamento de Química Analítica da Universidad de Granada, em Andaluzia, no sul da Espanha, que acumula grande experiência em trabalhos com compostos fenólicos, particularmente os do azeite de oliva. Além da experiência acumulada, a universidade possui equipamentos que permitem análises com maior acuidade e possibilitam quantificar maior número de compostos. Exemplo disso, explica ele, é o fato de ter identificado, nesta fase, 20 compostos fenólicos e tê-los quantificado, enquanto com o equipamento de que dispunha em seu laboratório só tinha chegado a cinco deles. Com isso, ele conseguiu caracterizar muito melhor os azeites de oliva provenientes dos três estados brasileiros e constatou que são muito similares aos europeus pelo menos em relação aos compostos fenólicos. Artigo correspondente a este trabalho encontra-se em fase de submissão.

 

Chegada

Para Cristiano “a análise de compostos presentes nos azeites de oliva extravirgem produzidos no Brasil será de fundamental importância na determinação de suas qualidades, permitindo aquilatar se os produtos obedecem às diretrizes nacionais e internacionais”. A pesquisa permite, ainda, diferenciá-los dos azeites de oliva provenientes de outros países e leva à construção de uma identidade para os azeites de oliva produzidos nos diferentes estados brasileiros.

Possibilita ainda avaliar de que forma a localização geográfica, as características climáticas, as condições de solos e outros fatores alteram sua composição. Para o pesquisador, o próximo passo será determinar se as características sensórias dos azeites de oliva brasileiros que se revelarem promissores são adequadas à sua comercialização.

Em Granada o pesquisador foi orientado pelo professor Antonio Segura-Carretero, cientista de renome em seu país. Sobre seu estágio na Espanha ele afirma: “Ao sair do Brasil eu tive como objetivo conhecer esse grupo que trabalha com azeite de oliva, o que facilitaria minhas pesquisas e me permitiria criar relacionamentos. A experiência de fato foi muito boa e vivi um dos melhores períodos da minha vida, tanto pela evolução profissional como pessoal, pois amadureci enfrentando novas situações”.

Ele destaca, ainda, a disponibilidade do orientador espanhol, que o recebeu sem maiores delongas, muito interessado em saber das características dos azeites de oliva que começam a ser produzidos no Brasil e, também, dos pesquisadores das empresas oficiais de pesquisa brasileiras, que almejam conhecer as composições dos azeites de oliva que produzem e aquilatar como solo, clima, colheita e processamento as influenciam. A propósito, ele afirma: “Neste particular, foi um aprendizado, pois trabalhando somente com análises, eu não conhecia nada relativo à agronômica, ao cultivo, à colheita, à extração. Essas informações surgiam quando havia necessidade de discutir os dados obtidos em relação a cada variedade e explicar as diferenças encontradas, que podiam estar relacionadas a uma ou mais variáveis. Foi uma experiência riquíssima”.

 

Publicação

Tese: “Caracterização química e capacidade antioxidante de azeites de oliva extravirgem provenientes do Brasil e de outros países utilizando técnicas eletroforéticas, cromatográficas e espectrométricas”
Autor: Cristiano Augusto Ballus
Orientadora: Helena Teixeira Godoy
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)