Edição nº 589

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 07 de março de 2014 a 16 de março de 2014 – ANO 2014 – Nº 589

Desvendando o mundo micro

Software desenvolvido no IC usa recurso tridimensional para identificar micro-organismos com alta taxa de acerto

Quando um médico e um biólogo vão ao microscópio para analisar uma bactéria, fungo ou protozoário, eles enfrentam uma série de problemas para identificar esses minúsculos seres. Com frequência, ocorre o que os especialistas classificam como “ruído”. Este pode ser materializado tanto na falta de foco da imagem quanto na mudança de cor dos micro-organismos, provocada pelo eventual uso de soluções. Além disso, determinados organismos são “gelatinosos”, característica que faz com que sofram alterações no seu formato. Software desenvolvido pelo cientista da computação Danillo Roberto Pereira, no contexto da sua tese de doutorado defendida no Instituto de Computação (IC) da Unicamp, sob a orientação do professor Jorge Stolfi, pode contribuir para a superação dessas dificuldades. Nos testes realizados em laboratório, a ferramenta alcançou taxa de acerto na identificação dos micro-organismos em torno de 70%, considerada “excelente” pelo autor do trabalho.

Pereira explica que desenvolveu um método original e genérico de alinhamento/casamento de modelos deformáveis tridimensionais de micro-organismos. Em outros termos, o que ele fez foi gerar um modelo matemático que representa a superfície tridimensional de alguns micro-organismos. O casamento/alinhamento, nesse caso, consiste em recuperar a pose (posição, tamanho, rotação e possíveis deformações) dos organismos. “Pense na imagem de uma pessoa sorrindo. Se eu quero saber qual a posição dos olhos e da boca, eu pego um modelo tridimensional e faço o alinhamento desses pontos para recuperar o contexto no qual a imagem foi gerada. O mesmo princípio vale para a identificação dos micro-organismos”, esclarece o pesquisador.

Qual a importância desse tipo de ferramenta? Conforme Pereira, alguns micro-organismos são muito parecidos uns com os outros, mas causam doenças diferentes. Por isso é fundamental que o especialista consiga identificá-los com precisão, de modo a facilitar a abordagem terapêutica. “Normalmente, a imagem de uma bactéria ou protozoário é feita em poucos segundos. Entretanto, o especialista leva várias horas analisando-a, para tentar identificar o patógeno. O que estamos propondo é um recurso rápido e com elevado grau de confiança na identificação desses micro-organismos”, reforça.

Para desenvolver o software, o autor da tese de doutorado procedeu da seguinte forma. Ele selecionou uma base composta por quatro micro-organismos complexos: Volvox, Paramecium, Elegans e Cyclops. Também utilizou três modelos convencionais e simples (esfera, cubo e cilindro). Depois, com base em imagens geradas por microscopia ótica e eletrônica, comparou-as às imagens tridimensionais que representam a superfície tanto dos objetos quanto dos micro-organismos, para estabelecer um parâmetro de comparação. “Atingimos uma taxa de acerto na identificação em torno de 70% a 75%, o que é excelente levando em conta a generalidade do método”, considera Pereira.

Aliás, a característica genérica da ferramenta merece um registro à parte. Segundo o cientista da computação, o modelo não é específico para a identificação de um dado organismo. “Existem métodos que trabalham com apenas um tipo de organismo. Ou seja, não servem para a análise de outras espécies. O software que nós estamos propondo serve para os mais diversos tipos de seres microscópicos”, assegura. O recurso é tão versátil, prossegue o autor da tese de doutorado, que pode ser utilizado em outras áreas além da biologia e da medicina.

Um exemplo de aplicação é o segmento esportivo. De acordo com Pereira, o software pode servir, por exemplo, para recuperar a pose referente a um atleta. Para entender melhor o que isso quer dizer, imagine-se um praticante do arremesso de dardo. Basta filmar o arremessador em ação, para posteriormente recuperar os seus movimentos conforme o modelo tridimensional. “Com isso, é possível resgatar as passadas, a posição dos braços e do tronco, além de outros aspectos. Com isso, o treinador tem como identificar possíveis falhas na execução da prova e adotar medidas para corrigi-las”, compara o pesquisador.

Indo um pouco mais longe, a ferramenta também pode ser aplicada em processos de reconhecimento facial. Nesse caso, o software promove a comparação entre o modelo tridimensional disponível e imagens de um banco de dados. “Se o modelo matemático que desenvolvemos provou funcionar muito bem no mundo micro, é provável que ele tenha um melhor desempenho no mundo macro. Isso, é claro, é apenas uma suposição que terá que ser comprovada por meio de novos testes”, observa o cientista da computação.

Para desenvolver a ferramenta, Pereira fez uso de técnicas relacionadas a diferentes áreas, como a computação gráfica, processamento de imagem e métodos multiescalas hierárquicos. Questionado se o software foi objeto de alguma medida de proteção intelectual, o pesquisador responde que somente agora, após a defesa da tese, é que estudará providências nesse sentido. Ele entende, porém, que o modelo proposto por ele tem todas as condições de ser transformado em produto comercial. “Não vejo grandes problemas em transferirmos essa tecnologia para uma indústria interessada em produzi-la em escala. Penso que ela será de grande ajuda para usuários de diferentes áreas do conhecimento”, entende Pereira, que contou com bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

 

Publicação

Tese:Fitting 3D Deformable Biological Models to Microscope Images
Autor: Danillo Roberto Pereira
Orientador: Jorge Stolfi
Unidade: Instituto de Computação (IC)
Financiamento: Fapesp