Edição nº 582

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 01 de novembro de 2013 a 10 de novembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 582

A ‘química verde’ a serviço da saúde dos consumidores

Técnicas permitem a detecção de substâncias prejudiciais à saúde em cosméticos e alimentos

Cosméticos, como esmaltes de unha e cremes hidratantes, e alimentos, como feijão e leite em pó, podem agora ter sua qualidade e autenticidade avaliadas em laboratório por meio de uma técnica que envolve análise qualitativa e quantitativa, a partir de métodos desenvolvidos no Instituto de Química (IQ).

Segundo Gustavo Giraldi Shimamoto, autor do estudo, cosméticos como os que foram avaliados podem conter substâncias potencialmente prejudiciais à saúde dos consumidores. A legislação brasileira não as proíbem, quando utilizadas nas concentrações recomendadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) mas, mesmo sendo deletérias, sequer aparecem advertências ao seu uso nos rótulos das embalagens.

As análises, uma conjunção de duas técnicas, são rápidas e não destrutivas. Estão em conformidade com os princípios da “química verde”, uma vez que não empregam reagentes e não geram resíduos. Esses achados trazem boas perspectivas de aplicação em produtos de várias naturezas. Foi o que mostrou a pesquisa de mestrado do químico, realizada entre 2011 e 2013.

Uma das substâncias em geral identificadas nas amostras de esmaltes, disponíveis no mercado, é a resina toluenossulfonamida-formaldeído (TSFR). Sua função é aumentar o brilho e a aderência, e contribuir para que o esmalte dure mais tempo na unha. Por outro lado, traz alguns inconvenientes para quem é suscetível a alergias. No Canadá, nos Estados Unidos e em alguns países da Comunidade Europeia, essa substância tem sido banida.

Das marcas brasileiras de esmaltes analisadas, apenas uma não continha essa resina. Em todas as demais, ela estava presente em sua formulação. A despeito do grande contingente de pesquisas alertando para o seu caráter alergênico, continua sendo empregada, promovendo diferentes tipos de alergia. O ideal para quem é alérgico, conforme Gustavo, é adquirir esmaltes que não contenham essa resina.

Mas como o consumidor comum pode ter certeza disso? O autor do estudo comenta que é muito difícil enxergar a descrição dessa substância no rótulo dos produtos e que uma boa saída é proceder à sua leitura no site do fabricante.

No caso dos cremes hidratantes, também foi possível detectar a presença de dois ingredientes que, apesar de muito recorrentes nesses produtos, podem ser danosos à saúde. Trata-se dos parabenos e do propilenoglicol.

Os parabenos atuam como conservantes em praticamente todos os produtos de beleza, encontrados tanto na forma industrializada quanto em farmácias de manipulação. São comercializados em lojas de produtos “naturais” e, apesar da falsa ilusão de serem inofensivos, eles são disruptores hormonais, ou seja, compostos de uma grande variedade de classes químicas, incluindo hormônios, constituintes vegetais, pesticidas. E têm seus nomes atrelados a graves doenças como o câncer.

Também o propilenoglicol (usualmente um líquido oleoso), além de ocasionar doenças de pele, pode desencadear distúrbios no organismo – em órgãos como os rins e o fígado. É introduzido em produtos cosméticos e farmacêuticos, agindo como conservante e principalmente hidratante.

Na verdade, todos esses compostos cosméticos não devem ultrapassar concentrações especificadas e regulamentadas pela Anvisa. “Com o nosso trabalho, esperamos que o consumidor pense mais a respeito desses produtos”, salienta o mestrando, cujo estudo foi orientado pela docente do IQ professora Maria Izabel Maretti Silveira Bueno e coorientado pela pós-doutoranda Juliana Terra.

Em sua opinião, é fundamental ler rótulos de cosméticos e de alimentos, ter consciência do que se está consumindo e atentar para a validade desses produtos. Eles podem não fazer mal a algumas pessoas, o que não significa que não façam mal a outras. Talvez a proibição desses compostos não seja o melhor caminho, pondera Gustavo, mas sim estar conscientizado na hora de consumir produtos que os contenham.

 

Feijões

Prosseguindo com suas análises, desta vez com alimentos, o pesquisador propôs uma correlação entre o desenvolvimento da fase de germinação deles, a partir dos elementos encontrados nos grãos de feijão. “Tentamos estudar aqueles que estavam mais ligados à germinação de um grão, ou à não germinação de outros”, conta o químico.

O trabalho foi mais voltado ao consumo do produto, à produção e à economia. Foram comparados dois tipos de feijão: o carioca e o preto. “A diferenciação foi marcante, ainda que os dois tipos de feijões tenham se desenvolvido baseados nos mesmos elementos, sofrendo influência de potássio, cálcio, ferro, alumínio e principalmente do silício”, aponta Gustavo.

Conforme sua coorientadora, a dissertação mostrou que esses estudos caminham para várias direções, sobretudo no setor agroindustrial. “Fazemos pesquisas para avaliar feijões que podem germinar e dar um retorno mais rápido e rentável à indústria agrícola”, diz. A proposta mostrou que tem fôlego para ser extrapolada para outros grãos. 

Como a análise é “não destrutiva”, foi possível observar a composição do feijão para posteriormente plantá-lo. Alguns germinaram. Outros não. A presença de elementos como cálcio, ferro e, em particular silício, influenciou a germinação, o que significa que a posteriori poderão ser criados métodos para a comercialização de grãos selecionados, aprimorando o processo.

Gustavo verificou que aqueles que tinham uma maior quantidade de silício tenderam mais à germinação. Isso possibilita pensar em um planejamento do cultivo do feijão de forma a modificar o solo, enriquecendo-o com silício, ou até mesmo selecionando grãos com um maior teor desse elemento, pois eles possivelmente serão os mais produtivos.

Maria Izabel comenta que o silício é considerado hoje como um elemento estrutural da planta e que os agricultores reputam o NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) como os três elementos mais relevantes ao seu desenvolvimento. Mas o silício tem se despontado como elemento essencial também. O trabalho do pesquisador ressaltou isso.


Leite em pó

O mestrando acoplou ainda a este estudo análises relacionadas a alimentos como o leite em pó, um dos produtos mais consumidos por crianças, geralmente comparado a compostos lácteos tidos como similares. “Eles não são como o leite em pó, mas têm leite em sua composição”, desmistifica.

Esses compostos lácteos, além de não terem as mesmas características do leite em pó, ainda possuem valores nutritivos inferiores, por isso acabam se tornando mais baratos no mercado e sendo consumidos muito em função do seu baixo custo.

Nem sempre as pessoas têm consciência de que não estão consumindo o mesmo produto. “Então fizemos essa análise para indicar as diferenças e desenvolver metodologias a fim de averiguar a contaminação ou mudança de autenticidade do produto”, relata Gustavo.

“O leite em pó é adulterado geralmente com soro de leite ou com amido”, conta ele. Esse método consegue detectar adulterações com soro e amido em até 25%, pois nessas condições o consumidor ainda não sente diferença no sabor.

Nesse grupo de pesquisa do IQ, o Gerx (Grupo de Espectroscopia de Raios X), há outros estudos que envolvem temas que vão desde chocolates e farinhas até análises de tintas de tatuagem. Em diferentes momentos são percebidos elementos tóxicos nos produtos.

No caso da tatuagem, exemplifica Maria Izabel, é largamente difundida a preocupação com a esterilização das agulhas, esquecendo-se, porém, da tinta, cujos pigmentos ficam presos, impregnados, na pele.

A importância dessas investigações, comenta a orientadora, é que elas buscam uma aplicação direta em problemas havidos habitualmente em diversos tipos de indústrias. “O interessante é que elas podem até ser feitas diretamente em análise de campo, a partir de equipamentos portáteis”, frisa.

Há trabalhos sendo feitos com equipamento portátil relacionados com teor de sacarose em cana para verificar o momento que essa cultura pode ser cortada.

Monitora-se hoje o teor de sacarose da planta e, se ele estiver maximizado, é possível decidir se essa é a hora de proceder ao corte da cana. Essa ação aumenta em muito a produtividade da planta, excluindo a necessidade de ter que levar uma amostra ao laboratório para realizar uma análise.

As amostras dos quatro produtos avaliados foram colhidas no comércio de Campinas, supermercados, farmácias e lojas do ramo. As análises foram feitas de forma direta, não necessitando fazer a abertura e nem o preparo das amostras. São colocadas diretamente para análise em um equipamento de espectroscopia de fluorescência de raios X e geram resultados com informações úteis para todos os tipos de amostras.

 

Modelos

O estudo de Gustavo, que empregou a técnica de fluorescência de raios X aliada à quimiometria, comprovou que as metodologias utilizadas foram capazes de avaliar a qualidade e a autenticidade dos produtos e que podem ser valiosas para se tornarem cada vez mais rápidas, simples e com resultados confiáveis, sem destruir as amostras.

A fluorescência de raios X é uma técnica que permite não só uma análise qualitativa (identificação dos elementos numa amostra), mas também quantitativa, propiciando estabelecer a proporção em que cada elemento está presente.

Ela tem se destacado hoje em análises químicas, devido à possibilidade de detecção simultânea de elementos numa ampla faixa de número atômico e de concentração, e de não necessitar de um pré-tratamento químico. Tem ainda custo acessível e é de fácil operação.

A quimiometria – área que se refere à aplicação de métodos estatísticos e matemáticos, assim como aqueles baseados em lógica matemática e em problemas de origem química – é usada em técnicas de otimização, planejamento, calibração multivariada, análise exploratória, processamento de sinais, imagens, entre outras.

Juliana esclarece que foram criados quatro modelos porque o método envolve tanto a técnica como a própria amostra da análise. Como Gustavo trabalhou com quatro amostras, foram criados quatro modelos. Mas a técnica é a mesma. Essa linha de pesquisa tem diversos trabalhos sendo desenvolvidos no momento. Tempo de prateleira de produtos e sexagem de aves são apenas alguns deles.

 

Publicação

Dissertação: “Potencialidades da fluorescência de raios X aliada à quimiometria na análise de cosméticos e alimentos”
Autor: Gustavo Giraldi Shimamoto
Orientadora: Maria Izabel Maretti Silveira Bueno
Coorientadora: Juliana Terra
Unidade: Instituto de Química (IQ)