Edição nº 575

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 16 de setembro de 2013 a 22 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 575

Produção de sílica vítrea é viável no país, mostra tese

Vidro é importado, apesar de o Brasil ser o maior produtor de quartzo do mundo

A sílica vítrea, um vidro especial feito de quartzo fundido, é insumo essencial para indústrias de alta tecnologia, como a de informática e de painéis de energia solar, além de ser componente fundamental em equipamentos científicos, como espectrômetros e lâmpadas ultravioleta. Dono das maiores reservas de quartzo do mundo, o Brasil não produz, mas importa esse vidro – embora a matéria-prima nacional seja perfeitamente capaz de gerar sílica vítrea de alta qualidade, como mostra a tese de doutorado de Christiano Pereira Guerra, defendida na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp.

“A sílica vítrea é um vidro altamente puro”, disse Guerra ao Jornal da Unicamp. “E, quanto mais puro o vidro, mais elevado é o ponto de fusão”, que ultrapassa os 1.500º C. Isso faz com que o material seja usado em fornos industriais e em recipientes para a fusão do silício, material que vai dar origem a chips de computador e a células de conversão de energia solar. A sílica vítrea também possui alta transmitância em comprimentos de onda do ultravioleta médio, o que a torna ideal para lâmpadas que emitem luz nessa faixa de frequência. 

Para elaborar sua tese, que conclui que o quartzo brasileiro tem “excelente viabilidade (...) para a fabricação de sílica vítrea de elevado valor agregado”, Guerra obteve amostras de quartzo brasileiro de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Paraíba e areias de quartzo comerciais da região de Rio Claro, no Estado de São Paulo.  Ele também trabalhou com pós de quartzo comercial, incluindo amostras importadas dos EUA e do Japão.

“Houve esforços anteriores para a produção de sílica vítrea de boa qualidade no Brasil, mas com pós de quartzo importado, de alta qualidade e de pureza”, disse o pesquisador. “O que eu fiz foi pegar vários tipos de pós de quartzo diferentes, com variados teores de impurezas. Alguns dos pós de quartzo utilizados foram produzidos por mim a partir de lascas adquiridas de garimpeiros. Fui até o garimpeiro, adquiri amostras”. Para moer as lascas, foi usado um moinho de sílica vítrea para evitar contaminação.

Guerra diz que gostaria de ter obtido amostras de mais regiões do Brasil, mas que o objetivo específico da pesquisa não era, neste momento, testar todos os quartzos nacionais, mas apenas alguns com diferentes teores de impurezas.

Por meio da fusão do pó de quartzo com maçaricos, o pesquisador obteve tarugos – cilindros – de vidro, cuja qualidade avaliou. Um dos critérios de qualidade usados foi a concentração de bolhas no vidro, “como as bolhas nas bolas de gude”, explicou Guerra, formadas por impurezas do quartzo que acabam vaporizadas durante a fusão. O outro critério de qualidade foi o valor da transmitância alcançado no comprimento de onda 254 nanômetros, usado em lâmpadas ultravioleta com efeito germicida.

“Algumas das lascas deram origem a pós de quartzo de alta pureza, outros foram pós de quartzo comercial obtidos de fornecedores do Brasil, produzidos para exportação com teores médios de impurezas. Durante a formação do vidro, aparecem bolhas”, contou ele, que é físico e engenheiro eletricista. 

“Na tentativa de eliminar essas bolhas, foi utilizada uma etapa de lixiviação ácida. São usados litros de ácidos para purificar um quilo de pó de quartzo”, relatou. Após o tratamento com ácido, o teor de bolhas do vidro produzido com pó comercial brasileiro caiu a um nível comparável ao obtido com o uso de pó de origem japonesa. Além disso, parte das amostras de quartzo originadas em Minas Gerais deu origem a um vidro de alta qualidade, sem a necessidade de purificação química do pó. “Isto permite uma economia de insumos, energia e infraestrutura para a produção de pós de quartzo de alta pureza, além do menor impacto ambiental na produção e beneficiamento deste mineral”, diz o texto da tese.

“É lógico que os garimpeiros se interessam em vender esse material já processado e classificado, mas eles não têm know-how nem recursos para isso”, disse Guerra. 

O pesquisador enfatiza o papel fundamental do vidro de sílica na indústria de semicondutores, a base dos chips de computador, hoje presentes em praticamente todos os equipamentos eletrônicos, de brinquedos a telefones celulares. O silício que dará origem aos chips é fundido em recipientes feitos desse vidro, que suporta as elevadas temperaturas e também, por ser extremamente puro, não contamina o material trabalhado.

No período de janeiro a julho deste ano, o Brasil gastou US$ 3,1 bilhões com a importação de semicondutores, 10% a mais do que no primeiro semestre de 2012, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). O total de importações do setor eletroeletrônico, até julho deste ano, ficou em US$ 25,2 bilhões, ante exportações, pelo mesmo setor, de US$ 4,1 bilhões. As importações totais do Brasil, no semestre, somaram US$ 117,5 bilhões. 

Por sua vez, o Monitor do Déficit Tecnológico, relatório elaborado pela Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec) registrava, no primeiro trimestre deste ano, um déficit de US$ 8,1 bilhões no grupo de alta intensidade tecnológica, e de US$ 13,7 bilhões no de intensidade média-alta.

O autor da tese lembra que a necessidade de importação de equipamentos de alta precisão, que usam vidro de sílica, não só atrasa pesquisas científicas como também encarece processos industriais, tornando produtos brasileiros pouco competitivos no mercado internacional. Guerra, que já trabalhou como engenheiro em empresas de alta tecnologia, como fabricantes de geradores eólicos e células solares, conhece de perto o problema.

“Já senti isso na pele, precisar desenvolver um equipamento e ter de importar componentes: aí, o seu equipamento acaba ficando mais caro que o do concorrente estrangeiro, e por causa destes pequenos detalhes”, disse.

 “Tem um filme do Henfil em que uma ilha paradisíaca exporta cabelos e importa perucas”, exemplificou Guerra, numa referência à película “Tanga – Deu no New York Times”, dirigida pelo humorista em 1987. “Então, é mais ou menos isso. Comparando o valor agregado, temos de exportar navios inteiros de quartzo para importar alguns contêineres de microchips”.

“Um vidro de sílica brasileira daria ferramentas para a indústria nacional de alta tecnologia, de semicondutores e células fotovoltaicas, tornar-se mais competitiva, frente aos países desenvolvidos e aos países emergentes como a China. Então, com certeza, viria a facilitar a sobrevivência das indústrias de alta tecnologia no Brasil”, acredita.

 

Valor agregado

O pesquisador cita o caso da indústria siderúrgica nacional, que agrega valor ao minério de ferro, como um exemplo que poderia ser seguido: “Foi uma indústria de base que possibilitou o surgimento de outras indústrias no Brasil, como a indústria automobilística”. Da mesma forma, acredita, o processamento, no país, de outras matérias-primas disponíveis, como o quartzo, poderia estimular o ressurgimento de uma indústria nacional de microeletrônica. 

“Nos anos 60, estávamos pouco atrás dos EUA e da Europa nesse setor – uma geração atrás, nas áreas de eletrônica e microeletrônica”, afirmou Guerra. “Mas todo esse esforço, parece que de uma hora para a outra é jogado por água abaixo, e agora estamos algumas gerações para trás”.

“Toda a indústria de alta tecnologia, desde a química fina e até a área de semicondutores, precisa da sílica vítrea”, disse ele. “É uma matéria prima fundamental para a indústria. Todos os países que desenvolveram o ciclo da sílica vítrea são os mais desenvolvidos. Pode-se falar em Alemanha, Japão, EUA, China, hoje, tem uma meia dúzia de países, no máximo, que dominaram essa tecnologia. O Brasil não conseguiu dominar totalmente o ciclo do quartzo, sendo que a sílica vítrea é o subproduto mais importante do quartzo”.

O pesquisador lembra que seu trabalho foi construído sobre esforços anteriores, como os dos professores da Unicamp Rogério César de Cerqueira Leite, hoje aposentado, e Carlos Kenichi Suzuki, que foi o orientador de sua tese. O trabalho de preparação dos cilindros de vidro foi feito nas oficinas da empresa Optron, de Campinas, criada pelo físico e ex-professor da Unicamp Ernesto Nagai.

Guerra disse que ainda não há nenhuma proposta firme para a conversão do conhecimento produzido em sua tese num esquema industrial. “Sei que tem muita gente querendo comprar o quartzo brasileiro: vêm muitos estrangeiros”, disse ele. “Quanto ao Brasil, outro dia me ligou um empresário que achou interessante eu ter feito esse trabalho e se mostrou interessado, mas não vejo que seja um projeto de curto prazo a fabricação de vidro de quartzo em escala industrial”. 

No caminho entre o resultado acadêmico e a produção em escala comercial, o pesquisador vê como obstáculos uma falta de política industrial, a cultura das empresas e o próprio sistema de mérito acadêmico, baseado em volume de publicações. “Há coisas que deveriam ser focadas no desenvolvimento: tenho de fazer, não ficar publicando artigos, contando para os outros o que estou fazendo, e como”, disse ele. “Contando para o mundo inteiro: eu fiz isso, usei este quartzo, usei este processo de limpeza para eliminação de bolhas. Aí os estrangeiros com muito mais recursos do que dispomos aqui no Brasil, aproveitam estas ideias para desenvolver a sua tecnologia”. 

No que diz respeito à cultura das empresas, ele acredita que o diálogo entre o setor produtivo e universidades ou centros de pesquisa ainda é muito pouco desenvolvido. Em sua opinião, existe pouca inovação nas empresas brasileiras.

 

Publicação

Tese: “Desenvolvimento de sílica vítrea por fusão em chama a partir de lascas de quartzo brasileiro, visando aplicações de alta transmitância no UV”
Autor: Christiano Pereira Guerra
Orientador: Carlos Kenichi Suzuki
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)

Comentários

Comentário: 

Parabéns Dr. Cristiano Guerra.
Concordo plenamente quando vc diz que é preciso que as coisas sejam feitas e não gastar tempo só com publicação de artigos.
Há que se mudar alguns paradigmas nacionais....