Edição nº 568

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 29 de julho de 2013 a 04 de agosto de 2013 – ANO 2013 – Nº 568

Uma viola caipira saída do computador


Passados mais de 300 anos, apesar de todo o avanço tecnológico, não se conseguiram produzir ainda violinos com atributos tais como estética magnífica, sonoridade expressiva, abrangência de frequências e tão amplo alcance sonoro quanto os dos famosos Stradivarius, denominação latinizada oriunda do nome do luthier italiano Antonio Stradivari (1644-1737), famoso construtor de instrumentos de corda.

Esse impasse não foi superado, embora a tecnologia utilizada para o conhecimento da construção de instrumentos musicais começasse a ser empregada, mais particularmente em relação ao violino, desde a década de 70. Essas tecnologias assentam-se no Método de Elementos Finitos e são utilizadas com muita eficácia, há pelo menos 50 anos, em estudos envolvendo desde a análise estrutural de aeronaves e automóveis até o desenvolvimento de materiais para biomedicina (ou biomateriais), entre outros. Esse método, de emprego consolidado na engenharia, que passou a ser disseminado também no estudo de instrumentos musicais, é muito utilizado no Departamento de Mecânica Computacional, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, nos trabalhos orientados pelo professor José Maria Campos dos Santos. O método visa estabelecer uma compatibilidade entre um modelo real e um modelo computacional, de forma que este possa representar aquele com a maior objetividade possível. Entre as várias vantagens dessa modelagem estão, por exemplo, os entendimentos do comportamento das estruturas estudadas sejam de engenharia ou de instrumentos vários, a simulação de aperfeiçoamentos e inovações, a utilização nos controles de qualidade.

Utilizando análise modal, que é a investigação do comportamento vibracional, do modo de vibrar de um sistema que pode ser estrutural ou acústico, o físico Guilherme Orelli Paiva realizou uma análise do comportamento vibroacústico da caixa de ressonância de uma viola caipira. A caixa de ressonância desse instrumento é determinante na sua qualidade sonora, isto é, influencia na amplificação do som, tempo de emissão sonora ou tempo de decaimento e características do timbre responsável por sons mais brilhantes ou mais abafados. O foco na caixa de ressonância se justifica, portanto, tendo em vista que é ela a responsável pela radiação sonora do instrumento.

Segundo o autor, a escolha da viola caipira se justifica porque, embora os estudos sobre instrumentos de corda venham se desenvolvendo há décadas, a viola nunca foi abordada a partir da perspectiva da engenharia. A motivação principal do pesquisador foi a de contribuir para o conhecimento e o aperfeiçoamento da construção de um instrumento muito popular no Brasil. Além disso, ao visitar algumas fábricas de instrumentos musicais e oficinas de luthiers ele verificou que não existe nenhum processo de desenvolvimento, aperfeiçoamento e controle de qualidade desse instrumento que independa da sensibilidade humana.

Essa subjetividade pode se revelar maior ou menor, variar com a idade, com as condições físicas e climáticas, psicológicas, etc. Observou que basicamente se faz a reprodução empírica de modelos antigos, que vêm dando certo há muito tempo, processo que não dá margem ao emprego de novas geometrias ou materiais e as inovações se apoiam em processos de tentativas e erros. Ele considera que para a produção em escala a ferramenta computacional constitui importante recurso para uma avaliação objetiva do instrumento, da sua concepção à fabricação, contribuindo ainda para sua inovação e melhoramento a partir da caracterização vibracional. Dessa maneira, o trabalho propõe para a viola caipira uma abordagem científica acerca da relação do seu comportamento vibratório – parâmetros objetivos – e sua qualidade sonora – parâmetros subjetivos.

A viola caipira derivou da viola portuguesa que é por sua vez oriunda de instrumentos árabes como o alaúde. Muito difundida em Portugal nos séculos XV e principalmente XVI, chegou ao Brasil e passou a ser utilizada pelos jesuítas na catequese dos indígenas. A viola brasileira, construída pelos locais a partir de materiais tipicamente nacionais, deu origem a seis tipos principais: a viola caipira ou cabocla, machete, nordestina, a de cocho, de buriti e de fandango. A viola caipira, a mais popular, é muita difundida nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do país.


Processo

Guilherme explica que na produção da viola a concepção, fabricação e controle de qualidade dependem da sensibilidade de profissionais especializados, que testam cada um dos instrumentos. A utilização de métodos numéricos computacionais possibilita simulações que reduzem significativamente etapas desses trabalhos. A simulação computacional permite experimentar previamente, leva à economia de tempo e enseja inovações na arquitetura ou nos materiais utilizados, quesito este importante para o Brasil que importa várias madeiras, utilizadas principalmente nos instrumentos de maior qualidade. Como cada tipo de instrumento deve atender a uma gama de nuances sonoras pretendidas, o método possibilita o casamento dos vários parâmetros necessários e simulações permitem caracterizar o comportamento do instrumento em diferentes configurações estruturais e nas várias etapas de construção.

O pesquisador enfatiza que a metodologia pode ser empregada nas simulações necessárias a todas as etapas envolvidas na construção do instrumento. Constituem exemplos delas a determinação das características e propriedades esperadas do tampo do instrumento; do efeito das traves internas que nele podem ser dispostas em várias posições; dos efeitos resultantes da produção da caixa e colocação de seus suportes internos; da interferência de diferentes materiais na variação de leques harmônicos; dos tipos de madeira e disposição de suas fibras, etc. Antes de produzir o primeiro instrumento o luthier pode, então, se valer das simulações envolvidas na obtenção dos efeitos desejados. Em decorrência, há economia de trabalho e do tempo gasto na montagem do instrumento, sem necessidade de reconstruí-lo na verificação de cada parâmetro testado.

O modelo computacional, envolvendo todas as etapas da construção da caixa da viola caipira, foi desenvolvido pelo pesquisador a partir de um instrumento fornecido pela fábrica Rozini, sediada na cidade de São Paulo. Ele explica: “Conseguimos que o modelo computacional reproduzisse o modelo real com bons resultados, embora a modelagem nunca atinja os 100% desejados. As aproximações se revelaram significativas em relação a vários dos parâmetros analisados como rigidez, densidade e espessura da madeira, achado que permite simular as propriedades mecânicas da madeira a ser empregada”. Ele chegou a um modelo computacional que reproduz, com aproximação aceitável, uma situação real adotada como padrão e que permite prescindir da utilização da sensibilidade humana para aquilatar as características almejadas para o instrumento.

Mas, segundo Guilherme, será necessário ainda relacionar as propriedades mensuráveis do instrumento, que correspondem ao modo de sua vibração, com as características sonoras ligadas à subjetividade, que varia de indivíduo para indivíduo, qualidades que ele chama livremente de psicoacústicas. A propósito ele enfatiza: “Quanto mais o modo de vibração simulado se aproxima das características do padrão real, maior o poder de previsão. Ainda não temos caracterizado um padrão real ótimo que possa servir de referência para a modelagem, mas uma vez estabelecido teremos condições de dizer que características todos os componentes do instrumento precisam apresentar para atingi-lo”.


Ponto de chegada

O pesquisador conclui que a metodologia computacional desenvolvida constitui uma boa técnica na caracterização e controle de qualidade da viola caipira em qualquer etapa da produção. A ideia central é a de viabilizar o comparativo entre o resultado simulado e o produto experimental previamente validado. O método permite que vários tipos de madeiras brasileiras possam ser catalogados quanto ao uso na construção de instrumentos musicais, sobretudo os de corda, o que exigiria conhecer suas propriedades mecânicas, ainda não determinadas. Esse constitui um dos seus próximos objetivos para viabilizar o seu uso.

No doutorado ele pretende dar continuidade à sua pesquisa, tentando inclusive caracterizar o ótimo a ser atingido, casando os parâmetros mensuráveis com fatores subjetivos. Espera que, uma vez ampliado o seu alcance, essa metodologia computacional permita fazer previsões, alcançar inovações e realizar controles de qualidade de modo a justificar sua implantação nos meios produtivos, determinando o desejável estabelecimento de uma ponte entre eles e a universidade.



Publicação
Dissertação: “Análise modal vibroacústica da caixa de ressonância de uma viola caipira”
Autor: Guilherme Orelli Paiva
Orientador: José Maria Campos dos Santos
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)

Comentários

Comentário: 

Como instrumentista há muito tempo,experimentei uma gama de instrumentos de corda, porém o que mais agradou em timbres, foram os construídos com a caixa de ressonância em Jacarandá da Bahia , tampo em pinho Sueco, braço jacarandá e escala em ébano.