Edição nº 556

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 08 de abril de 2013 a 14 de abril de 2013 – ANO 2013 – Nº 556

Grupo revela que queimadas lançam
12 t de mercúrio por ano na atmosfera

Pesquisas inéditas desenvolvidas na Amazônia
mensuram impactos ambientais



O desmatamento provocado por queimadas na região amazônica brasileira pode gerar um agravante ainda desconhecido. A ameaça acaba de ser esclarecida por uma pesquisa inédita da Unicamp. O estudo revelou que, além da destruição do bioma, as queimadas na região provocam elevadas emissões de mercúrio na atmosfera, elemento altamente tóxico aos seres vivos.

A investigação demonstrou que são liberados, anualmente, 12 toneladas de mercúrio com a queima da vegetação e do solo superficial da floresta. O cálculo considerou a taxa anual de desmatamento da região, estimada em 1,7 milhão de hectares no período entre 2000 e 2010. O trabalho foi coordenado pela oceanógrafa Anne Hélène Fostier, docente do Instituto de Química (IQ) da Unicamp.

“O mercúrio emitido pela ação das queimadas pode ser transportado em escala local, regional ou mesmo global. Isso acontece porque o elemento possui um longo tempo de residência na atmosfera, onde permanece, em média, um ano. Durante este tempo, ele é capaz de ‘rodar’ todo o planeta, razão pela qual é considerado como um poluente global”, alerta a pesquisadora.

Ela desenvolve estudos nesta área há mais de uma década. As primeiras investigações sobre o assunto foram realizadas no final dos anos de 1990 no Estado do Amapá. O último trabalhou de campo na floresta aconteceu em setembro de 2011, em uma estação experimental da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), localizada no Acre.

Anne Hélène Fostier adverte que, uma vez lançado na atmosfera, o mercúrio pode ir para o solo ou para os corpos aquáticos. Nos rios, lagos e oceanos o elemento nocivo passa por um processo de metilação, que o torna ainda mais tóxico.

“A metilação acontece no meio ambiente por via biológica e transforma o mercúrio inorgânico em orgânico, principalmente em metilmercúrio, uma das formas mais tóxicas deste elemento. Quando o metilmercúrio é incorporado pela cadeia alimentar, os riscos de intoxicação são muito grandes. É uma ameaça, sobretudo, para as populações ribeirinhas, que encontram nos peixes a sua principal fonte proteínica”, expõe a docente.

Ainda de acordo com ela, qualquer processo que favoreça a incorporação de mercúrio na cadeia alimentar eleva os riscos imediatos de intoxicações para a população, tornando-se um problema local e regional.

Em âmbito global, a preocupação com o poluente impulsionou a assinatura de um tratado em fevereiro último. Conhecido como Convenção de Minamata, o acordo objetiva reduzir as fontes de emissão de mercúrio do planeta. O Brasil é um dos signatários desta convenção. Para entrar em vigor, o acordo necessita da aprovação de 50 países.

O nome do tratado é uma referência ao desastre na cidade de Minamata, no Japão, que intoxicou, por meio do mercúrio na água, centenas de pessoas. A tragédia ocorrida na década de 1920 deu origem à Doença de Minamata, uma síndrome neurológica causada pela intoxicação com o elemento químico.

“A assinatura desta convenção internacional mostra o quanto a problemática das emissões de mercúrio na atmosfera continua sendo uma questão extremamente importante para a qualidade do meio ambiente”, sublinha a docente da Unicamp.

Ela cita pesquisas internacionais que mostram uma multiplicação por três das concentrações de mercúrio na atmosfera no século passado em relação àquelas existentes na era pré-industrial. “Isso aconteceu devido a todas as emissões geradas pela ação do homem”, aponta Anne Hélène Fostier.


Remoção

A floresta amazônica tem papel imprescindível na remoção global do mercúrio da atmosfera, considera a cientista da Unicamp. Ela esclarece que as partículas de mercúrio presentes no ar são retidas na copa das árvores da floresta, que possuem uma grande área superficial. Outra parte do mercúrio é incorporada pelas folhas, por meio de troca gasosa com o ambiente. O elemento químico é pouco solúvel em água e possui alta volatilidade na temperatura ambiente.

“A floresta é um sumidouro do mercúrio presente na atmosfera, proveniente tanto de fontes naturais, como antrópicas. Hoje, as maiores fontes antrópicas – aquelas geradas pela ação do homem – são a queima de combustíveis fósseis e as atividades de mineração, sobretudo a extração do ouro. O mercúrio está presente, naturalmente, nos oceanos e no solo”, explica.

A queima da floresta emite de volta para a atmosfera o mercúrio contido no solo e na vegetação. Conforme Anne Hélène Fostier, pesquisas mundiais mostram que esta é a segunda maior fonte de emissão de mercúrio entre aquelas consideradas naturais. A ação dos oceanos é tida como a primeira.

“Atualmente existem informações sobre a emissão pela queima de florestas em várias regiões do mundo. Porém, na Amazônia brasileira, os dados ainda são escassos, embora a região corresponda a 10% de toda a área coberta por floresta no mundo”, dimensiona a professora da Unicamp.

Ela orientou estudo de mestrado que permitiu um refinamento dos dados obtidos nos últimos anos. A dissertação foi defendida em fevereiro de 2013 pelo engenheiro químico José Javier Melendez Pérez. Entre os principais resultados do trabalho, está o que calcula em oito toneladas a taxa anual de emissão de mercúrio na atmosfera devido à queima da floresta amazônica.

Os dados empregados neste estudo foram adquiridos a partir de experimentos com queimadas programadas realizadas na estação da Embrapa na cidade de Rio Branco, capital do Acre. Foram coletadas e analisadas amostras de solos e vegetação da área experimental.


Solo

A queima da floresta potencializa em pelo menos 50% a transferência do mercúrio para a atmosfera. Tal propagação ocorre no primeiro ano depois do desmatamento. Este é outro resultado importante das investigações coordenadas por Anne Hélène Fostier.

O processo seria responsável por lançar mais quatro toneladas de mercúrio por ano na atmosfera, totalizando a emissão de 12 mil quilos do elemento tóxico no ambiente. O aumento desta transferência acontece porque o solo fica mais exposto à radiação solar devido à queima da floresta. Com isso, a troca gasosa do mercúrio presente no solo para a atmosfera torna-se mais favorável. “Por ser um elemento muito volátil, o mercúrio é liberado como consequência da queima da vegetação e do solo superficial. Mas isso acontece também após a queimada porque o solo está sem cobertura vegetal. Esta falta de vegetação favorece a troca gasosa entre o solo e a atmosfera. Quanto maior a intensidade luminosa, maiores são as emissões de mercúrio pelo solo quando este não está coberto por floresta”, explica.

Estes resultados foram obtidos pelo pesquisador norte-americano Anthony Carpi, professor do John Jay College, da Universidade da Cidade de New York (Cuny), nos Estados Unidos. O norte-americano passou seis meses no Instituto de Química da Unicamp como pesquisador visitante. Ele contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Seu objetivo foi quantificar o mercúrio emitido pelo solo da floresta antes e depois de ter sido desmatada.

A quantificação de mercúrio realizada por Anthony Carpi confirmou indícios de outra investigação realizada no início de 2000 por Anne Hélène Fostier na Bacia do Rio Negro, também na região amazônica. O estudo apontou que uma área desmatada do solo, independentemente se foi por queimada ou não, emite até 20 vezes mais mercúrio do que uma área coberta por vegetação. O mercúrio presente no solo pode ser originário de depósitos minerais naturais, mas também das partículas absorvidas da atmosfera pelas folhas das árvores.

“Nesta época calculamos que cerca de 30 toneladas de mercúrio por ano podiam ser removidas da atmosfera somente por florestas da região da Bacia do Rio Negro. O atual estudo, desenvolvido pelo Javier Perez, veio justamente refinar todos estes dados. A região amazônica é uma área extremamente diversificada. Torna-se necessário, portanto, realizar investigações em vários lugares ao longo do tempo”, fundamenta Anne Hélène Fostier.


Projeto temático

Os resultados das pesquisas coordenadas por Anne Hélène Fostier integram amplo programa de estudos destinado a quantificar as principais emissões provenientes das queimadas da floresta amazônica. O objetivo é dimensionar o impacto sobre as emissões atmosféricas, bem como estudar os parâmetros de combustão da mata.

O projeto temático financiado pela Fapesp conta com a participação de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Federal do Acre (Ufac), Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UNB), Universidade de Taubaté (Unitau) e Universidade Federal do Rio Grande (Furg). O programa é coordenado pelo docente João Andrade de Carvalho Jr., da Faculdade de Engenharia da Unesp de Guaratinguetá (SP).

“Há ainda, neste amplo projeto, outros estudos sobre a regeneração da floresta depois de uma queimada, além de formas de propagação do fogo. O projeto temático foi muito importante para nos dar o suporte logístico e de infraestrutura que uma pesquisa deste porte exige”, retribui a oceanógrafa. Ela também informa que obteve financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


Técnica

A determinação do elemento químico presente nas amostras coletadas na área experimental da Embrapa foi realizada por meio de um analisador direto de mercúrio. Conforme José Javier Pérez, o equipamento permite uma quantificação mais precisa, rápida e segura em relação aos métodos convencionais, executados por meio de reação química.

“Esta técnica é mais robusta, o que permite a obtenção de resultados cada vez mais exatos. Infelizmente, ainda são escassos os dados sobre emissões de mercúrio decorrentes de queimas de florestas na região da Amazônia. Acredito que outros estudos similares deveriam ser realizados para aumentar a representatividade das informações obtidas”, observa.

“Também estamos trabalhando com investigações visando obter mais dados sobre as concentrações de mercúrio em regiões industriais. O hemisfério norte possui levantamentos densos sobre isso. Em contrapartida, o hemisfério sul – Brasil em particular – tem poucos dados. E se o Brasil quiser, realmente, participar desta nova Convenção de Minamata, mostrando que está reduzindo suas emissões, primeiro vai ter que saber o quanto está emitindo”, completa a orientadora.

Com a entrada em vigor do tratado, ela espera que os países signatários promovam ações de redução, principalmente nas atividades relacionadas à mineração e queima de carvão pelas termelétricas. Anne Hélène Fostier também aponta a necessidade de substituição de equipamentos que ainda utilizam o elemento químico, como termômetros, barômetros, lâmpadas fluorescentes, pilhas e baterias.


Publicação
Dissertação: “Emissões de mercúrio proveniente da queima de floresta tropical na região de Rio Branco (AC, Brasil)”
Autor: José Javier Melendez Pérez
Orientadora: Anne Hélène Fostier
Unidade: Instituto de Química (IQ)
Financiamento: Fapesp e Científico (CNPq)

Comentários

Comentário: 

Parabens aos autores do trabalho.

De fato, já haviamos constatado isso, do outro lado, na Amazonia Ocidental, lá em Alta Floresta e Itaituba .

Coletamos, à época, dados para Hg e Hg-Oxidos, vapores, do espectrometro Van-der-Graaf/INPE.

Com base nesses dados, mais tarde, conseguimos aprovar que o Brasil entrasse no projeto GLOBAL MERCURY, do GEF/UNIDO pelas suas responsabilidades "transboundaries".

Vejam a simulação do carregamento dos vapores de Hg e Hg-Oxidos espalhando-se pela America do Sul , na pagina 22 do livro que editamos sobre o assunto e disponível no Google Library, seja para os lados do Caribe, seja para o lado do Rio de La Plata : https://books.google.com.br/books?id=ruFlBUnSXs4C&printsec=frontcover&dq=...

Saudações, Villas-Bôas

villasboas@cetem.gov.br