Edição nº 544

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 29 de outubro de 2012 a 04 de novembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 544

Mandioca gera
etanol e eletricidade

Dissertação desenvolvida na FEM caracteriza e demonstra potencial da biomassa

 

A produção de etanol tendo a mandioca como matéria-prima já foi objeto de estudos nas décadas de 1970 e 80, mas esta opção acabou descartada pelos pesquisadores por conta da baixa produtividade da raiz no campo. Hoje, entretanto, é possível mais do que dobrar aquela produtividade, então de 12 toneladas por hectare ao ano, para pelo menos 30 toneladas, justificando uma nova avaliação da ideia. É o que fizeram o professor Waldir Antonio Bizzo e o engenheiro agrônomo João Paulo Soto Veiga, em pesquisa de mestrado junto à Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM). E com resultados surpreendentes.

O estudo focou o potencial da mandioca para fins de etanol, bem como a caracterização dos resíduos da planta e seu aproveitamento na geração de eletricidade e vapor para autossuficiência energética de uma usina produtora do combustível. “A ideia de voltar a pesquisar a mandioca no sentido de produzir energia partiu da professora Teresa Lousada Valle, do IAC, que acaba de ser premiada por seu conhecimento em raízes e tubérculos”, reconhece Waldir Bizzo. “Vem do passado o mito de que a mandioca não funciona para etanol e, por isso, até hoje não se faz. Por que não tentar fazer?”

 Segundo o docente da FEM, a parceria com o IAC começou há quatro anos, mas o trabalho evoluiu com a integração à equipe do agrônomo João Paulo Veiga, que explica algumas características da mandioca. “No processo de colheita, utiliza-se uma máquina cortando os ramos superiores da planta. Sobram 10 ou 20 centímetros de galhos e a chamada cepa – que serviu como semente no ano anterior e de onde saem as raízes de mandioca. A cepa ganha volume, aspecto lenhoso e, embora possua alto teor de amido, acaba descartada por causa da dificuldade em moê-la. Além disso, precisa ser separada manualmente, o que é demorado e acarreta gasto com mão de obra.”

Na falta de dados sobre as propriedades dos resíduos da mandioca, a novidade na dissertação de João Veiga está justamente na caracterização desta biomassa, calculando a quantidade em que é produzida, a umidade que apresenta no campo e quando estocada, e o quanto de energia é capaz de gerar. Para a avaliação, o IAC forneceu três variedades de seu campo experimental na cidade de Echaporã (SP), sendo que a de melhor desempenho foi a IAC-14, que já é comercializada. Colhida 12 meses após o plantio, a variedade apresentou alta produção de raízes (30,12 t/ha/ano) e uma das maiores relações de produção de resíduos (315 quilos por tonelada de raiz).

Foram dois anos de pesquisa para demonstrar que o montante de resíduos produzidos pela planta, além de gerar a energia para a manutenção de uma usina de produção de etanol a partir do amido de mandioca, proporciona a geração de energia elétrica excedente, passível de ser vendida ao mercado. “Este excedente de eletricidade é muito superior à praticada atualmente pelas usinas de açúcar e álcool. E, considerando a produção de energia e de biocombustível, a mandioca possui índices comparáveis aos da cana-de-açúcar”, assegura o engenheiro agrônomo.

De acordo com João Paulo Veiga, na transformação de amido (de milho ou de mandioca) em etanol, os resíduos podem ser queimados na caldeira para geração de vapor, que por sua vez vai acionar uma turbina para fornecer tanto a energia elétrica quanto a energia térmica demandadas no processo. “Atualmente, usinas de açúcar e álcool no Estado de São Paulo vendem uma média de 4,4 gigajoule de eletricidade excedente por hectare/ano; com resíduos da mandioca este excedente pode chegar a 21,8 gigajoule.”

Um parâmetro importante obtido nos estudos é que os resíduos não podem ser utilizados assim que colhidos, devido à alta umidade, havendo necessidade de um período de secagem no campo ou na indústria. “Os índices que estudamos foram a 30% de umidade. Outro detalhe é que esta biomassa tem cinzas com alto teor de óxidos básicos e deve ser trabalhada a temperaturas menores na câmara de combustão. Isso porque estas cinzas apresentam baixo ponto de fusão e, se fundidas no caminho de exaustão, vão se agregando nos tubos da caldeira e criando uma camada isolante, ao invés de proporcionar boa troca térmica.”

Surpresa

O professor Waldir Bizzo confessou-se surpreso diante dos resultados obtidos com a raiz e os resíduos da mandioca, que são comparáveis aos oferecidos pela cana-de-açúcar. “Do ponto de vista energético, penso que se trata de um produto atrativo. O lado negativo, assim como no caso da cana, é a energia competindo com o alimento. Mas, por outro lado, imagino que a intensificação da utilização da raiz de mandioca para produzir energia pode incentivar, também, o consumo do alimento, tornando os processos mais intensivos, produtivos e rentáveis, inclusive reduzindo seu custo. A cana deve ter ficado muito mais barata nos últimos anos.”

A sugestão do docente da FEM, contida na dissertação, é o cultivo da mandioca para fins de etanol em regiões onde a produção do biocombustível a partir da cana-de-açúcar não se dê em níveis economicamente viáveis. “A cana é a menina dos olhos da cultura energética e não vejo possibilidade de entrada de outra cultura onde ela já está estabelecida. Mas em regiões áridas e semiáridas, que apresentam deficiência hídrica e de outros parâmetros climáticos, a mandioca poderia ser utilizada para geração de etanol e de excedente de energia elétrica, assim como outras culturas.”

Waldir Bizzo reconhece que os resíduos das várias culturas agrícolas são deixados no campo também por sua utilidade agronômica, pois contribuem para a ciclagem de nutrientes. No entanto, faz uma pergunta aos agrônomos. “Quanto é preciso deixar lá? Existe uma parte considerável de energia sendo descartada. Há necessidade de uma mudança de técnicas, como de colheita, e também de conceito, começando-se a ver o resíduo como sendo também um produto.”

 

Brasil é o segundo maior produtor mundial

 

A dissertação de João Paulo Soto Veiga traz informações da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) colocando o Brasil como segundo maior produtor mundial de mandioca (com 24,3 milhões de toneladas em 2010), atrás apenas da Nigéria (37,5) e seguido de Indonésia (23,9), Tailândia (22) e Congo (15 milhões de toneladas). Segundo o IBGE, os maiores produtores brasileiros são os estados do Pará, Paraná e Bahia, sendo que em termos regionais, o Nordeste fica em primeiro lugar com mais de 8 milhões de toneladas/ano.

A cultura da mandioca no país é, em sua maioria, realizada por pequenos agricultores e tradicionalmente voltada para a alimentação humana, na forma in natura, de amido e de derivados como a farinha. A sua utilização para a produção de etanol é inexpressiva no mercado brasileiro e mundial – a maioria das usinas utiliza principalmente milho (Estados Unidos) e cana-de-açúcar (Brasil).

 Entretanto, em países da Ásia como China e Tailândia, já está em fase de implantação e adoção dessa matéria-prima para a produção de etanol. A Tailândia já utiliza a mandioca em 10% da produção do biocombustível, índice que deve saltar a 90% depois da implantação e entrada em operação de novas usinas com este propósito. Na China, a política de segurança alimentar está inibindo a implantação de mais usinas que produzem etanol a partir do milho, presente em 80% desta produção. Diante da restrição ao milho, são estudadas outras matérias-primas, como mandioca, sorgo sacarino e batata doce.

Estudos realizados em 2010 mostram que na produção de etanol a partir da raiz de mandioca, para cada joule (unidade de energia) consumido na produção agrícola e processamento desta matéria-prima, obtém-se 1,76 joule no combustível produzido. Este índice pode ser melhorado através da utilização de resíduos de campo da mandioca, visando à produção total ou parcial da energia consumida no processamento industrial. Usando também o biogás dos resíduos das raízes como fonte energética no processamento da raiz, pesquisadores encontraram uma relação de 9,8 J no etanol para cada 1 J consumido na produção.

 

Publicação

Dissertação: “Aproveitamento de resíduos de campo da cultura da mandioca (Manihot Esculenta CRANTZ) para cogeração de energia no processo de produção de etanol de mandioca”
Autor: João Paulo Soto Veiga
Orientador: Waldir Antonio Bizzo
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)

Comentários

Comentário: 

Prezados Bizzo e João Paulo.
Parabéns pela iniciativa e pela valoração de um produto que pode ocupar terras onde a produção de cana de açucar não seria recomendada.
Não lí o trabalho mas certamente vocês levaram em conta a experiência da produção de etanol de mandioca realizada pela Petrobras em Curvelo, creio que nos anos 80.
Atenciosamente,
Tomaz

jtomazvp@gmail.com

Comentário: 

Parabéns pela equipe Unicamp ter acolhido este trabalho que (particularmente acompanhei de perto) agrega um valor imenso aos trabalhos acadêmicos. Parabéns para o J. P. e também ao professor Bizzo, ambos que caminharam por um local onde, até então, não era tão conhecido.

renatocruz@fem.unicamp.br

Comentário: 

Muito interessante a matéria, gostaria de ler o trabalho quando publicado!
pensei comigo: a mandioca é parte da alimentação, ás vezes, uma das poucas opções para quem não têm como comprar ou produzir, outros tipos de alimento, dos agricultores familiares, que porduzem em pequena escala, e precisam da cepa para produzir para o próximo ano.Então, como levar esse conhecimento, desenvolvê-lo, sem prejudicar quem já têm pouca terra pra plantar, onde poucos cultivos sobrevivem, dentre eles a mandioca; nessa terra que a cana não cresce mais, e que hoje é destinada á áreas da reforma agrágia?Essa energia seria pra quem? Como disse, não sei do todo que versa o trabalho,mas vide a importância da mandioca nas relações socio-culturais do país!

souzapereira.larissa@gmail.com

Comentário: 

LEGAL O TRABALHO, TAMBEM QUERO LER. QDO EU ERA CRIANÇA LA NA BAHIA NA CIDADE DE RIO DO ANTONIO, SEMPRE ACHEI QUE A MANDIOCA PODERIA PRODUZIR ALGO MAIS QUE FARINHA, RAÇÃO, BIJU, POVILHO, E MASSA PARA O DOCE FEITO COM O CALDO DA CANA (O TIJOLO DOCE). AQUELA AGUA QUE ERA EXTRAIDA E JOGADA FORA ME INTRIGAVA, EU CARRREGO ATE HOJE A MARCA EM MEUS DEDOS QUE FORAM COMIDOS NO RALADOR. SEM PERSPECTIVA ALGUMA, ACABEI VINDO PRA SÃO PAULO, DEPOIS DE 27 ANOS ESTOU VOLTANDO E VEJO QUE MEU SONHO VAI SE REALIZAR. OBRIGADO!!

LUIZGSOUZA@HOTMAIL.COM