Edição nº 541

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 08 de outubro de 2012 a 14 de outubro de 2012 – ANO 2012 – Nº 541

Por uma
agenda de desenvolvimento

Pesquisadores e profissionais de 20 universidades,
órgãos de governo e entidades civis do país se unem em favor da causa

 

Um grupo suprapartidário e multidisciplinar formado até o momento por 140 pesquisadores e profissionais ligados a 20 universidades, centros de pesquisa, órgãos do governo e entidades da sociedade civil e do movimento social acaba de criar a Plataforma Política Social - Agenda para o Brasil do Século XXI, cujo objetivo é identificar desafios e propor soluções com vistas à formulação de uma agenda de desenvolvimento para o país. O núcleo, que conta com o apoio institucional do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, dispõe de um site (https://www.politicasocial.net.br) no qual estarão registradas, por meio textos, vídeos e entrevistas, as reflexões de seus membros sobre temas considerados essenciais à vida nacional, como educação, saúde, seguridade social, segurança alimentar, desenvolvimento urbano, saneamento e habitação popular, entre outros.

Um dos organizadores do núcleo, o professor Eduardo Fagnani, do IE, afirma que além de abrigar textos e outros conteúdos, a Plataforma também pretende realizar seminários e oficinas de trabalhos ao longo de 2013. Cada evento deverá reunir especialistas em determinado tema. “O evento de abertura, previamente marcado para dezembro deste ano, deverá ser realizado em Campinas e terá uma temática mais abrangente, para tratar dos grandes desafios do país. Depois disso, partiremos para discussões por setores. A ideia é que, ao final de 2013, nós tenhamos elementos que contribuam para a formulação de uma agenda de desenvolvimento para o Brasil, fortemente comprometida com a questão social”, adianta.

A ideia de desenvolver a Plataforma, conforme o docente, nasceu da insatisfação com a pauta do debate nacional que, invariavelmente, privilegia a visão do mercado e da ortodoxia. 

Alguns intelectuais do campo progressista entenderam que precisavam se articular para oferecer aos brasileiros um contraponto a essas posições. “Nós não queremos provar que estamos certos, mas mostrar que há alternativas àquilo que vem sendo colocado. Entendemos que falta espaço para o contraditório”, explica. Conforme Fagnani, os primeiros contatos com vistas à instituição do grupo foram feitos por e-mail.

Aos poucos, pesquisadores e profissionais ligados à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Brasília (UnB), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico (Dieese), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre outras instituições, foram aderindo às propostas e elaborando artigos, alguns deles já publicados no site.

Além de estabelecer um diálogo mais amplo com a sociedade, o núcleo também pretende discutir os temas já referidos com outros segmentos igualmente importantes, como o governo, o Congresso e o Judiciário, conforme o docente do IE. Fagnani lembra que várias iniciativas que possam eventualmente compor a agenda de desenvolvimento dependerão da análise e decisão dessas instâncias. “Queremos construir um canal de conversação com esses atores e, na medida do possível, subsidiar as deliberações deles com vistas à formulação de políticas públicas consistentes e socialmente relevantes”.

Paralelamente, prossegue o professor, a Plataforma também espera oferecer ideias e propostas que possam ajudar no fortalecimento dos movimentos sociais.

O coordenador da Plataforma observa que a propositura de uma agenda de desenvolvimento para o Brasil neste momento é oportuna por dois motivos. Primeiro, diz, porque nem partidos políticos, nem universidades, nem sindicatos e nem governo têm propostas concretas nesse sentido. Segundo, porque o momento tem sido de relativo crescimento. “Afinal, ninguém pensa em desenvolvimento em época de crise”, sentencia o professor do IE. Fagnani destaca que durante 25 anos o país viveu sob os efeitos da chamada política neoliberal, que se mostrou, segundo ele, absolutamente antagônica à possibilidade de avanço social.

Entre 1990 e 2005, sustenta o economista, as altas taxas de juros aumentaram dramaticamente o endividamento público. Com isso, os sucessivos governos optaram por fazer economia e pagar os juros da dívida, limitando dessa forma o gasto com o social. “A estagnação econômica fragilizou o mercado de trabalho, o que resultou no aumento do desemprego e da precarização das condições de trabalho. A partir de 2006, pudemos verificar uma espécie de ensaio desenvolvimentista no país. A oposição entre os objetivos econômicos e os sociais foi, por assim dizer, mitigada. Isso explica em grande parte o aumento do consumo das massas, a queda da desigualdade e o aumento do emprego. Ou seja, depois de 25 anos o desenvolvimento voltou a fazer parte das nossas aspirações”.

Fagnani adverte que a despeito dos avanços registrados nos últimos seis anos, o Brasil ainda não se tornou um país “civilizado”, notadamente do que diz respeito aos seus indicadores sociais. “Nós avançamos, mas ainda temos muito a avançar. Atualmente, vivemos um momento especial. Temos, enfim, boas oportunidades de prosperar. Por isso, insisto, é importante que tenhamos uma agenda definida. Se queremos avançar, precisamos decidir para onde, de que forma, com que velocidade e com quais instrumentos”, analisa.

América Latina

O coordenador da Plataforma considera, ainda, ser possível e desejável que, num segundo momento, o diálogo seja estendido também para instituições e organismos de países da América Latina, em razão das simetrias existentes entre eles e o Brasil. Fagnani diz que esse contato já existe em certos âmbitos. Ele lembra que ao longo dos anos 90 diversas nações latino-americanas enfrentaram o que ele classifica como “profundo tsunami neoliberal”. Argentina, Chile e Uruguai assistiram nesse período, segundo ele, à destruição de seus clássicos modelos de bem-estar social. No Brasil, isso não aconteceu da mesma forma. “Minha hipótese é de que o país ficou imune a esse processo por uma razão histórica. Aqui, num instante imediatamente anterior, nós ainda estávamos empenhados em acertar as contas com a ditadura militar. Nós tínhamos acabado de aprovar a Constituição de 88, que se mostrou muito avançada para aquele momento”.

Fagnani enfatiza, por fim, que a Plataforma pretende reunir todos aqueles que estão no campo progressista e que tenham algo a dizer sobre questões relevantes para o desenvolvimento do país. “Não queremos ser uma rede acadêmica e hermética. Antes, queremos estar abertos para uma conversa aberta com a sociedade”, reforça.

 

Depoimentos

 

Sergio Haddad Economista e doutor em educação,
é fundador da Ação Educativa

 

“A Plataforma chega em boa hora. Há ausência do debate sobre a temática, em especial na forma como ela se pretende organizar: a partir da pluralidade de olhares de múltiplos setores da sociedade. Mas esta pluralidade tem lado, está comprometida com o respeito à justiça social, ao aprimoramento da democracia, à participação popular e à ideia que todo desenvolvimento tem por objetivo a melhoria das condições de vida de toda a população, respeitando a sua diversidade e o equilíbrio socioambiental. O grande desafio será enraizar o debate junto a setores organizados da sociedade e influir os gestores públicos para que o exercício intelectual realizado pela Plataforma possa se traduzir em impacto efetivo”.

 

Sonia Fleury Professora da Escola Brasileira de Administração
Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

 

“As políticas sociais ganharam destaque no noticiário e na academia na mesma proporção em que tiveram seu campo teórico e conceitual cada vez mais reduzido. Ao invés de vê-las como a expressão dos laços sociais que estão sendo forjados hoje pelas políticas públicas e pela dinâmica societária, passou a predominar a visão que enfatiza o tratamento minimalista a riscos individualizados. Esta concepção expressa também um projeto social que disputa hoje a hegemonia. O surgimento da Plataforma Política Social é uma iniciativa fundamental para permitir que se possa abrir um espaço de discussão sobre este tema, rompendo as limitações impostas pelo pensamento único, de forma a assegurar a democracia na produção e difusão de conhecimentos neste campo”.

 

Fernando Sarti Diretor e professor do Instituto
de Economia (IE) da Unicamp

 

 “A Plataforma Política Social é uma excelente iniciativa e muito bem-vinda. O Brasil e o mundo atravessam um momento de profundas transformações sociais e econômicas, que trazem enormes desafios à academia, aos gestores de políticas econômicas e sociais e a todas as instituições sociais e de trabalhadores. É um enorme desafio preservar e avançar nas conquistas sociais e de cidadania num momento de crise internacional, que eliminou em pouco mais de três anos, 50 milhões de postos de trabalho em todo o mundo. A Plataforma Política Social e seu quadro de pesquisadores podem e devem contribuir de forma decisiva para que a construção de um novo padrão de crescimento sustentável e de relações econômicas internacionais mais equilibradas também se traduza em um desenvolvimento social mais justo e includente”.

 

José Carlos Braga Professor do Instituto
de Economia (IE) da Unicamp

 

“A Plataforma Política Social é uma iniciativa intelectual e política que impulsiona o movimento pela ampliação da democracia e do progresso socioeconômico do país. Já está mobilizando pessoas e instituições importantes para demonstrar a importância e a necessidade dos movimentos sociais no avanço das políticas públicas estratégicas visando superar o subdesenvolvimento ainda existente no Brasil”.

 

André Biancareli Professor do Instituto de Economia (IE)
da Unicamp e coordenador-executivo da Rede Desenvolvimentista

 

“Nos últimos anos, uma certa retomada do crescimento e as bases em que ela se deu fomentaram um arejamento das discussões econômicas no Brasil, rompendo o predomínio dos temas conjunturais e das ideias liberais ou ortodoxas. Há um movimento de retomada da tradição de debates sobre o desenvolvimento brasileiro – que, a história recente ensina, não será encaminhado adequadamente pelas forças do livre mercado. Vejo a Plataforma Política Social como importante iniciativa nessa direção, que concentra sua atenção em uma dos principais traços históricos do país: a enorme desigualdade, em todas as suas várias dimensões. Trabalhando de maneira integrada e complementar com outras iniciativas como a Rede Desenvolvimentista, a principal tarefa da Plataforma parece ser a de disseminar conhecimento e propostas para que as conquistas sociais se integrem virtuosamente ao modelo de desenvolvimento. Apesar dos importantes avanços nessa direção, este não é um processo simples nem se pode dizer que esteja consolidado”.

 

Ligia Bahia Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)

 

“Construir um plano adequado para comprender simultaneamente processos e projetos sempre foi um desafio para nós que estudamos a realidade brasileira. Plataforma Politica Social é uma patamar que tem a altura certa para servir como trampolim sem nos privar da reflexão no nível do mar. Para quem é da saúde e está às voltas com um SUS contencionista e fragmentado e assiste a expansão da privatização dos serviços assistenciais,  a perspectiva de aprofundar o debate sobre os rumos e prumos das politicas sociais é tudo de bom! Demos aos  nossos  encontros o nome Plataforma, agora é batalhar e torcer para que o esforço seja duradouro”.

 

Ademir Figueiredo Coordenador de Estudos e Desenvolvimento
do Departamento Intersindical de Estatística
e Estudos Socioeconômicos (Dieese)

 

“Acreditamos que a iniciativa que consolidou o núcleo de pesquisadores em torno da Plataforma Política Social – Agenda para o Brasil do Século XXI é de grande importância para o debate sobre o desenvolvimento brasileiro, tendo em vista os desafios a serem enfrentados pelo país do ponto de vista distributivo. Sua importância está relacionada à qualidade do pensamento produzido que deve resultar do debate de um grupo altamente especializado no tema das políticas sociais, tanto do meio acadêmico quanto de outras entidades envolvidas neste debate. É de se ressaltar também a importância da independência de pensamento destes pesquisadores, que colocam o seu saber à disposição da construção de uma política social brasileira em busca de um país menos desigual”.

 

Comentários

Comentário: 

Como pesquisador em economia social, doutor pelo Instituto de Economia da UNICAMP, professor/pesquisador na UFF e ex-assessor da presidência do IPEA, e, notadamente, como cidadão, saúdo a iniciativa de criação da Plataforma.

fermatt@uol.com.br