Foto: ScarpaReginaldo Carmello Corrêa de Moraes é professor aposentado, colaborador na pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. É também coordenador de Difusão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu). Seus livros mais recentes são: “O Peso do Estado na Pátria do Mercado – Estados Unidos como país em desenvolvimento” (2014) e “Educação Superior nos Estados Unidos – História e Estrutura” (2015), ambos pela Editora da Unesp.

Entre o quadro negro e o smartphone

Edição de imagem

Ilustra: Luppa SilvaO que é e como evoluiu a massificação das tecnologias? Estudiosos especializados em “psicologia do consumo” entendem que isso se dá quando esse bem ou serviço atinge um piso de 50 milhões de usuários, um número que tem certo sentido nas dimensões do mundo atual, ou dos mercados atuais.

No que diz respeito às novas tecnologias de comunicação, ao que parece, esse tempo está se comprimindo a olhos vistos.  É algo que deveríamos considerar seriamente, pelo impacto que pode ter sobre a aprendizagem das novas gerações. É o tema de um estudo de Larry D. Rosen, Mark Carrier e Nancy A. Cheever. - Rewired Understanding the iGeneration and the Way They Learn (Palgrave MacMillan, 2010). Aí vemos uma compilação de dados chocante. A massificação do rádio demorou mais de 40 anos. Para o telefone e a tevê foi necessário um tempo bem menor: 20 e 15 anos, respectivamente. Mas o essencial está no final da lista: redes sociais como Facebook e Youtube atingiram essa dimensão em cerca de dois anos.

Isso quer dizer que a tal “iGeneration” dos autores é, basicamente, contemporânea dessas redes, já nasceu falando dentro delas. Vivendo dentro delas.  Ao que parece, isso também altera a proporção e a combinação do que os autores chamam de três estilos básicos de aprendizagem: o visual, o auditivo e o tátil-cinestésico.

Os autores recuperam a conhecida interpretação de Howard Gardner, o psicólogo de Harvard que tornou popular a teoria das “múltiplas inteligências”. Como se sabe, essas inteligências eram sete: a visual ou espacial, a verbal, a logico-matemática, a corporal ou cinestésica (manual), a musical, a interpessoal (capacidade de interagir), a intra-pessoal (voltada para dentro, a capacidade de operar em solidão). Na visão de Gardner, esses diferentes tipos também correspondiam a diferentes formas ou modos de aprendizagem, de desenvolvimento.  Há vários sites com testes para que você descubra a forma “dominante” de sua inteligência. O Edutopia, mantido, pelo famoso cineasta George Lucas, o criador de Star Wars e Indiana Jones: https://www.edutopia.org/multiple-intelligences-assessment.

O próprio Gardner recusou essa forma de interpretar sua teoria – ou de extrapolar suas descobertas para o campo dos “estilos de aprendizagem”.

Ainda assim, se não falamos em estilos, faz sentido prestar atenção nos “meios” ou canais através dos quais se produz o entendimento. Numerosas pesquisas nessa direção apontam que se retém muito mais o que se vê do que aquilo que apenas se escuta. Não conheço, mas certamente devem existir testes a respeito da combinação resultante da aprendizagem em que se envolve o ver, o ouvir e o manusear. Porque esse é o essencial da aprendizagem profissional em vários campos de trabalho.

Consideradas portanto as divergências desses estudos e as reticências quanto a conclusões, permanece quase como uma tática concordância a ideia de que os modelos educativos precisam considerar o chamado "delivery style", isto é, o poder o instrumento ou meio, a sua capacidade de contaminar a mensagem. Ou, mesmo, de ser a mensagem.

Por isso, vale a pena pensar em que mundo de acesso à informação vivem os igen, os garotos e garotas que já nasceram dentro do Facebook, do Youtube e dos vários aplicativos de interação virtual. Uma inspeção rápida em levantamentos de consumo mostram, por exemplo, que 31% dos proprietários/usuários de iPhone estão na faixa de 15 a 24 anos. E outros 32% estão na faixa dos 25-34. Os dados referem-se a usuários norte-americanos – e a iPhones, um modelo específico de smartphone, De fato, portanto, podemos inferir que pelo menos dois terços dessas gerigonças absorventes estão presentes (e como!) na vida da faixa etária predominante nas nossas escolas superiores., conforme indica o gráfico abaixo, construído com dados do censo do nosso Inep:

Reprodução

Não tenho certeza de ter tantas certezas quanto os autores do Rewired, mas seria pelo menos saudável pensar no que dizem:

 "Há cem anos as pessoas deslocavam-se para salões de música ou concertos para ter entretenimento. Daí, o rádio e o gramofone trouxeram o entretenimento de massa para as residências. Agora, uma segunda revolução está em andamento, com milhões de pessoas baixando músicas da Internet para ouvi-las em “players” pessoais, estão criando e compartilhando mídia em sites como o Flickr e o Youtube. Há cem anos as crianças iam a escolas, sentavam-se em fileiras para serem instruídas por um professor. Hoje, eles ainda fazem o mesmo. Por que a educação tem tanta resistência a mudar?"

Faz algum tempo, Umberto Ecco forjou a dicotomia dos apocalípticos versus integrados. Podemos adaptar ou atualizar sua reflexão, com as devidas desculpas por muito prováveis distorções. No tema deste artigo temos entusiastas de carteirinha, daqueles que veem, nesses sinais, a emergência ou afirmação paulatina de um mundo irrevogavelmente livre, plural, equalitário. Um determinismo tecnológico otimista, cheio de heróis cibernéticos e biomoleculares. De outro lado, os que apontam tal emergência com sinal inverso – o livro do apocalipse se realiza e os quatro cavaleiros aparecem no horizonte – computadores, Facebook, Youtube, Tweeter. Há lugar para mais fantasmas, com a manipulação dos genes.

Vai ser difícil navegar nessa turbulência, mas os sinais de impacto no campo educativo são fortes demais para serem ignorados. Como na estória da esfinge.

twitter_icofacebook_ico