Germana Barata Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), Unicamp, e pesquisadora visitante da Universidade Simon Fraser, no Canadá, com Bolsa Fapesp (Processo 2016/14173).
É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e uma das autoras do blog Ciência em Revista.

Redes sociais precisam ser levadas a sério como espaço de divulgação da ciência

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Ilustração: Luis Paulo SilvaO Canadá possui 32 milhões de usuários da internet (88,5% da população). Dentre as redes sociais, o Youtube (74%) e o Facebook (72%) são as preferidas dos usuários, enquanto o jovem Instagram (37%) já supera o Twitter (31%). (Statista 2018). Ocorre que as redes sociais são cada vez mais importantes, a ponto de o Facebook já ser a segunda principal fonte de notícias, perdendo apenas para a tradicional TV. (Abacus Data, 2018). Falta ainda levar a sério aqueles que escolherem esses espaços para fazer comunicação, como é o caso dos divulgadores da ciência.

No último dia 15 de abril terminou o 47º Encontro Anual da Associação de Escritores e Comunicadores de Ciência (SWCC) na Universidade Simon Fraser, universidade que me hospeda desde dezembro de 2016. Pela primeira vez na costa oeste do Canadá, o evento reuniu 250 participantes, um recorde de público. A mudança recente no nome da organização explica este sucesso.

No início de 2017, a SWCC passou por uma crise de identidade que a fez acrescentar os “Comunicadores da ciência” ao que preservava desde sua criação, em 1970: Associação Canadense de Escritores de Ciência (CASW). Para marcar essa mudança, a mesa de abertura do Congresso reuniu um perfil variado de divulgadores: Samantha Yammine, doutoranda em neurociências e divulgadora popular no Instagram; Kurtis Baute , youtuber que explica a ciência de forma divertida e usando metáforas; Theresa Liao, coordenadora de comunicações do Departamento de Física e Astronomia da Universidade de Colúmbia Britânica (UBC) e uma das fundadoras do Curiosity Collider (evento que reúne cientistas e artistas para debater com o público); Amorina Kingdon, jornalista da ciência que atua na Hakai, revista online com enfoque nos oceanos; Alexandre Schiele, pesquisador da  Universidade de Québec, que tratou sobre as especificidades da divulgação científica na parte franco-canadense; e eu, que apresentei nosso projeto de mapear os divulgadores do Canadá que atuam nas redes sociais.

A mesa deixou claro que os divulgadores das redes sociais são diversos, criativos, precisam de visibilidade e incentivos financeiros que garantam essa multiplicidade e a qualidade do trabalho. Eles representam um novo cenário no qual as fronteiras entre divulgadores profissionais e amadores, jornalistas, comunicadores e cientistas se apagam.

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A SCWW divulga em seu canal do Youtube depoimentos de diferentes perfis de divulgadores de ciência que atuam no Canadá. #HowISciComm


Informalidade profissional

A informalidade, a intimidade, e a instantaneidade das mensagens que circulam nas redes sociais ajudam a mistificá-las como espaço de pouco valor profissional. Talvez seja esta a principal razão pela qual aqueles que as escolheram como espaço de trabalho ou instituições não são levados a sério. Antes das redes sociais, cientistas que comunicavam à sociedade via meios de comunicação também eram pouco valorizados (e alguns ainda são). Caso clássico ocorreu com o físico estadunidense Carl Sagan, apresentador da série de TV Cosmos, que não se tornou membro da Academia Norte-Americana de Ciência, diz-se, graças à sua atuação como popularizador da ciência que sobressaiu-se à de cientista. O termo saganização passou a ser empregado a cientistas que são desvalorizados por seus pares por se tornarem midiáticos. É como se descer do pedestal deslegitimasse a atuação científica.

E para os que acham que isso é passado, lembro da crítica recém-publicada na prestigiosa revista Science, ao trabalho de divulgação realizado no Instagram por Samantha Yammine, que esteve presente no congresso da SWCC. Samantha tem mais de 24 mil seguidores na rede social do momento, o Instagram, onde compartilha imagens acompanhadas de longas e descontraídas postagens sobre seu cotidiano de pesquisa com neurônios e células-tronco, além de atividades para incentivar garotas a considerarem a carreira acadêmica. O trabalho, feito nas horas vagas da pesquisa de doutorado – que está na reta final – foi criticado por uma colega, também da Universidade de Toronto, que considera que o trabalho de Samantha apenas reforça o estereótipo de cientistas mulheres, que precisam ser belas e bem vestidas, e que seu tempo seria melhor empregado se se dedicasse apenas à pesquisa.

Felizmente, a fragilidade das redes sociais foi exatamente a força na resposta à crítica ao trabalho da canadense, com apoio de inúmeros colegas divulgadores, cientistas e associações como a SWCC. A Science depois de ter publicado a crítica direta a Samantha sem lhe ter dado direito de resposta – publicou no último dia 13 a resposta de Samantha e o apoio de alguns colegas para deixar claro o papel relevante da comunicação nas redes sociais.


Institucionalização das redes sociais

Apesar do impacto das redes sociais gerarem a venda indevida de dados de seus usuários para traçar hábitos de consumo, opiniões e intenções de votos - como ficou claro no recente escândalo de compra de dados do Facebook pela Cambridge Analytica –, as instituições de pesquisa e ensino ainda engatinham na lida com esses meios de comunicação de massa. Reflexo disso é a pesquisa que Cassidy Sugimoto e colegas publicaram em 2015 mostrando que apenas 17% das instituições de pesquisa dos Estados Unidos possuíam política de uso de redes sociais. O baixo percentual alerta para a necessidade de revisão das políticas institucionais, sobretudo considerando a enorme exposição e interações que universidades e comunidade acadêmica possuem nesses espaços virtuais.

A desvalorização das redes sociais enquanto espaços estratégicos para instituições de pesquisa e ensino fica clara também a partir da percepção de David Shiffman <@WhySharksMatter>, especialista em tubarões, pós-doutorando da SFU e divulgador científico no Twitter (mais de 36 mil seguidores). “Ninguém questiona contratar um webdesigner, mas um especialista em redes sociais não é prioritário. As pessoas acham que é fácil e que qualquer um pode mexer [nas redes sociais], depois me chamam para consertar erros muito básicos”, lamentou durante o Encontro Anual da SWCC, mencionado acima.

Surgiu assim o projeto de mapeamento dos divulgadores científicos no Canadá com ênfase nessa nova leva de comunicadores que escolheram fazer das redes sociais sua plataforma de contato com o público. O projeto, que começou tímido, agora conseguiu reunir as duas maiores associações de comunicadores científicos do país: a já mencionada SWCC e a equivalente da província de Québec, mais influente da parte franco-canadense.


Mapeando os divulgadores de ciência

A ampliação da Associação, criada em 1970, motivou um projeto colaborativo para mapear a nova geração de divulgadores profissionais ou ainda amadores (no melhor dos sentidos) que escolheram as redes sociais para comunicar a ciência.

O trabalho se divide em duas fases: a primeira em que vamos conhecer melhor o perfil dos divulgadores associados à SWCC e também à associação franco-canadense, a ACS, criada em 1977; e a segunda, na qual vamos mapear os divulgadores em 4 redes sociais - Youtube, Facebook, Twitter e Instagram.

Não estamos preocupados – ainda – com a qualidade da divulgação científica sendo praticada. Mas prevemos que o mapeamento será um grande diagnóstico da área, uma forma de dar visibilidade ao que está sendo feito, promover networking e até fomentar políticas de financiamento e incentivo desta comunicação. Para estudantes, professores e interessados em ciência também funcionará como um catálogo de referência que poderá enriquecer o interesse, o aprendizado e o engajamento com a ciência.

Dentre os vários desafios que estamos encontrando no mapeamento, está o acesso aos dados nas redes sociais, o baixo percentual de geolocalização nas biografias de usuários (lembrando que precisamos localizar apenas os divulgadores no Canadá) e as diferentes formas de auto-definição dos divulgadores científicos em suas minibiografias, que variam grandemente. Dentre alguns exemplos, encontramos science writers (escritores científicos), science storyteller (contadores de histórias de ciência), science blogger (blogueiros de ciência), science youtuber (youtuber de ciência), science journalist (jornalista científico) e science communicator (comunicador de ciência), para citar apenas os mais comuns, sem aqui exemplificar toda a série de termos usados pelos colegas franco-canadenses.

Mas o mapeamento já está revelando um enorme número de colegas divulgadores, com perfis tão variados quanto as palavras-chave mencionadas. Mas uma riqueza enorme que nos anima a seguir construindo este mapa. Os divulgadores com quem conversei estão também empolgados com o resultado que virá, porque será uma forma de tirá-los das sombras e ampliar a comunidade e as possibilidades de interações entre eles.

O mapa dos divulgadores científicos do Canadá, esperamos, será representativo de todas as províncias, de gênero e da riqueza das atividades. Ele dificilmente estará completo, mas pretendemos que a própria dinâmica e conexões das redes sociais nos ajudem a construí-lo numa segunda fase.

Esse mapeamento será o primeiro passo para oficializarmos as redes sociais e seus comunicadores da ciência como espaço legítimo de trabalho e de construção do conhecimento e que, portanto, deve ser valorizado e levado a sério.
 

Mineração nas redes sociais e os tesouros da divulgação científica no Canadá

As redes sociais são o meio de cultura ideal para divulgar a ciência. Minha tarefa, no trabalho do mapeamento de divulgadores científicos do Canadá, tem sido descobrir esses tesouros ainda desconhecidos de muita gente. Ao final deste projeto de um ano, teremos um mapeamento dessa rica diversidade que povoa o Youtube, Instagram, Twitter e Facebook. Apenas 4 canais de ciência no Youtube no Canadá já produziram mais de um bilhão (isso mesmo!) de visualizações, com quase 8 milhões de assinantes. Já o Instagram, mais jovem e menor das redes sociais, tem o maior crescimento de novos adeptos e já conta com divulgadores que já estão dando o que falar. O Twitter é um bom ponto de encontro e a rede social com mais dados acessíveis, sobretudo porque os perfis são majoritariamente públicos. O Facebook, apesar de ser a maior rede social, ainda traz os maiores desafios para localização, busca e extração de dados, mesmo considerando apenas as postagens públicas.

Encontre abaixo uma nano-amostra deste universo! Sugiro – fortemente – que visitem alguns destes trabalhos e perfis.

 

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Reprodução Beakerhead é um festival de ciência, tecnologia e arte que ocorre nas ruas de  Calgary uma vez ao ano. Este ano será em maio. O grupo também oferece cursos de treinamento para divulgadores científicos

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Let´s Talk Science é um projeto voltado para motivar e empoderar jovens para a carreira científica e para o papel de cidadãos científicos. Apoia sobretudo atividades conhecidas por STEM, para reforçar os talentos e conhecimentos em ciência, tecnologia, engenharias e matemática.

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Science Rendezvous é um festival anual de ciência nacional que mobiliza a população para o debate e a diversão com ciência e tecnologia. Semelhante a uma semana nacional de C&T.
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Vance.williams - Químico orgânico da Universidade Simon Fraser que divulga belíssimas fotos e vídeos sobre cristalização. A ideia inicial era melhorar a divulgação entre estudantes, mas acabou ultrapassando os muros da universidade.

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Samantha Stephens é bióloga e se considera uma contadora de histórias sobre ciência que atua em Ottawa, a capital canadense. Em seu perfil, ela compartilha belíssimas fotos e vídeos de animais e da rotina de trabalho na conservação da natureza

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Neurons.and.nebulas: Ciência inspirada nas artes e artesanato, de autoria de Lauren Wright Vartanian, de Waterloo. Traz lindos modelos de cérebro e outros órgãos e células do corpo humano em tecido, tricô e crochê.
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Reprodução Neurons.and.nebulas: Ciência inspirada nas artes e artesanato, de autoria de Lauren Wright Vartanian, de Waterloo. Traz lindos modelos de cérebro e outros órgãos e células do corpo humanPineapples & Whales, dupla Daisy e Chloé, de Winnipeg, são artistas científicas que desenham belos infográficos com conceitos científicoso em tecido, tricô e crochê.
Reprodução David Shiffman, biólogo marinho e divulgador científico da Simon Fraser University, divulga e comenta sobre tubarões e temas relacionados, de Vancouver.
Reprodução Jen Burgess é ilustradora científica em Vancouver. Compõe desenhos fantásticos de plantas e animais, com precisão científica e artística.
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ASAP Science foi criado por Mitchell Moffit e Gregory Brown, de Toronto. A dupla traz explicações cotidianas envolvendo ciência e tecnologia em animações cativantes e bem humoradas feitas no quadro branco. Canal campeão de visualizações entre os divulgadores de ciência de todo o mundo
Reprodução A Capella Science traz paródias de músicas com letras de ciência criado por Tim Blais, de Montreal. Tente ouvir o “Evo-Devo” paródia do “Despacito” com mais de 1,7 milhão de visualizações, cheio de efeitos e boa técnica.
Reprodução The Sci Guys é um grupo de amigos canadenses que trata de temas de educação de ciência com dicas de experimentos científicos que podem ser feitos em casa como pirulitos de cristais e foguetes com garrafas PET.

 

 

 

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