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Implante de titânio mata bactérias e inativa vírus

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Revestimento de camada de cobre resulta em material destinado a aplicações biomédicas

Na sequência, a peça de titânio (à esq.), filme de cobre sobre a peça (centro) e, por fim, o revestimento depois de o material passar por tratamento térmico
Na sequência, a peça de titânio (à esq.), filme de cobre sobre a peça (centro) e, por fim, o revestimento depois de o material passar por tratamento térmico

Pesquisadores da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp criaram uma nova classe de implantes metálicos de titânio para uso biomédico. O novo material surgiu da aplicação de uma camada de cobre sobre a superfície do implante de titânio, processo esse que criou um material com propriedades antivirais e antibacterianas.

Desenvolvido pelo pesquisador Luiz Antônio Côco em tese de doutorado orientada pelo professor Éder Sócrates Najar Lopes, o estudo aproveitou as já conhecidas propriedades bactericidas do cobre e a biocompatibilidade do titânio para criar um terceiro elemento, com potencial de provocar um forte impacto no setor.

O novo material possui alta capacidade sanitizante, sem causar prejuízo às células do corpo. Ensaios microbiológicos demonstraram que o novo revestimento é capaz de prevenir a proliferação do vírus da covid-19 e da bactéria E. coli, encontrada no intestino de humanos, o que sugere a viabilidade da utilização do material em outras aplicações biomédicas, além dos implantes.

“O que fizemos de diferente foi pegar os implantes que já existem e acrescentar a eles um componente bactericida”, resume Côco. E isso foi feito aplicando uma película de cobre sobre a superfície do implante de titânio. Côco explica que a película – tão fina quanto um fio de cabelo – é colocada sobre a superfície do implante metálico e esse material vai ao forno para ser aquecido a mais de 800ºC. “Por difusão atômica, os dois metais se combinam e formam um composto intermetálico. A partir disso, todo o material vira um só, mas apenas na superfície”, explica.

Luiz Antônio Côco, autor da tese: combinação de metais por meio de difusão atômica
Luiz Antônio Côco, autor da tese: combinação de metais por meio de difusão atômica

Remédio e veneno

Lopes afirma que alguns materiais são conhecidos por terem essa capacidade bactericida ou virucida. Entre eles, estão o cobre, a prata e o ouro. “Isso os antigos egípcios já sabiam”, diz. “Diante desse fato, alguém pode perguntar: por que, então, não se tem um implante inteiro de cobre? Essa é a diferença entre um remédio e um veneno”, argumenta.

Lopes explica que o cobre puro é tóxico para as células. Além disso, o material não tem resistência à corrosão e nem resistência mecânica. O mesmo ocorre com o ouro e a prata. O professor afirma que a ideia consistiu em explorar as boas características de cada um dos elementos – as propriedades bactericidas do cobre e a biocompatibilidade do titânio – até se chegar a um material com alta capacidade sanitizante e que não prejudicasse as células do corpo.

“Depois de promover a deposição de cobre, iniciamos o processo de aquecimento. Fizemos com que essa cobertura de cobre penetrasse no material, de forma que na superfície ficasse apenas uma quantidade suficiente para matar as bactérias e inativar os vírus, mas que garantisse a preservação das células. O segredo está em fazer o ajuste correto entre remédio e veneno”, explica o professor.

As equipes dos professores Augusto Ducati Luchessi e Laís Pellizzer Gabriel, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), e Clarice Arns, do Instituto de Biologia (IB), realizaram os ensaios com bactérias e vírus. Colônias de bactérias ganharam condições ideais para proliferação, sob exposição das amostras com cobre por um período de 12 horas. “Fomos adicionando à colônia, gradativamente, amostras de titânio enriquecido com cobre. Primeiro, 5%, depois 7,5%, 10%... E verificamos uma diminuição clara no número de colônias ativas”, diz Côco. “Se você tira a exposição ao cobre, as bactérias voltam a proliferar, mostrando que, de fato, o cobre interfere diretamente na reprodução da colônia bacteriana”, conclui o pesquisador.

Há consenso entre médicos e dentistas de que um dos grandes problemas dos implantes metálicos (ortopédicos ou dentários), em especial aqueles instalados em tecido ósseo, é o risco de infecção. “O tecido ósseo é pouco vascularizado e, portanto, por mais que o médico administre medicamento – por via oral ou venal –, sempre há uma dificuldade para esse medicamento chegar ao ponto onde o implante está instalado”, explica Lopes.

Segundo ele, dados globais mostram que cerca de 5% dos implantes precisam ser reinstalados e metade desses casos está relacionada a infecções. Outro risco é aquele referente ao uso excessivo de medicamentos – procedimento que, segundo o professor, pode gerar, por exemplo, resistência do organismo a antibióticos e, por consequência, levar ao surgimento de superbactérias.

O professor Éder Sócrates Najar Lopes, orientador: “O segredo está em fazer o ajuste correto entre remédio e veneno”
O professor Éder Sócrates Najar Lopes, orientador: “O segredo está em fazer o ajuste correto entre remédio e veneno”

Rota de processamento

“Não há nenhum produto parecido com esse no mercado. Tanto que foi objeto de pedido de patente. A próxima etapa é tentar licenciar a tecnologia para uma empresa”, diz Lopes. “Cabe lembrar que nós não desenvolvemos um implante propriamente dito. Nós desenvolvemos uma rota de processamento, permitindo que os implantes ganhem essa nova característica bactericida”, acrescenta. “Acho que se trata de um produto promissor, constituindo-se em uma mudança sutil e barata, que pode trazer um efeito revolucionário”, acredita.

Os pesquisadores estão trabalhando, agora, na expansão do uso desse tipo de revestimento, analisando a sua utilização em utensílios em geral, incluindo aqueles que não são feitos com titânio. Segundo eles, pode haver aplicação do revestimento em ligas de alumínio ou aço inoxidável, por exemplo. Nessa frente, dizem, poderia haver um revestimento bactericida em utensílios de cozinha, alicates de unha, bancadas e uma grande variedade de ferramentas e equipamentos. “Vamos abrir novas frentes de pesquisa, nessa linha de modificação de superfície, em busca do que chamamos de superfície sanitizante”, finaliza o professor. 

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