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Pesquisador investiga artifícios da fragmentação partidária no Brasil

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Tese analisa mecanismos que impulsionam a grande quantidade de partidos no sistema político

Pedestres passam em calçada com folhetos de propaganda política no primeiro turno das eleições de 2023, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro
Pedestres passam em calçada com folhetos de propaganda política no primeiro turno das eleições de 2023, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro

Por quase 20 anos, o Brasil foi o país com a maior fragmentação partidária do mundo. Apesar de ter caído para a vice-liderança em 2023, ainda são diversos os partidos representados no Legislativo, tornando complexa a governabilidade. Buscando entender por que e como essa fragmentação ocorre, Marco Antonio Faganello estudou o assunto em sua pesquisa de doutoramento no Programa de Pós-graduação em Ciência Política e recebeu Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese de 2023, categoria Ciências Políticas e Relações Internacionais, pelo trabalho.

Na tese, intitulada “A Fragmentação Partidária no Brasil” (2000-2020), orientada pela professora Rachel Meneguello, Faganello analisou padrões eleitorais e territoriais dos partidos nos municípios. O pesquisador conta que se dirigiu às cidades pelo fato de existirem poucas pesquisas sobre o tema nesse contexto. “Municípios não são tão estudados porque se trata de muitos dados. São 5.500 municípios no Brasil e estudar tudo isso é difícil. Mas, agora, com data science e novas tecnologias, conseguimos analisar essa quantidade de dados de maneira rápida e eficiente”, diz o cientista político.

Causas e dinâmica

O processo de fragmentação acontece, dentre outros motivos, pela interação entre as diferentes regras do sistema eleitoral, observa Faganello. No Brasil, o sistema de eleição é misto. Enquanto o pleito presidencial e para os governos estaduais e do Distrito Federal é majoritário, em que ganha quem tem o maior número de votos, o pleito para o Legislativo é proporcional. O voto vai para o partido, que recebe um número de cadeiras proporcional aos votos recebidos.

“Quando se tem eleição proporcional, a tendência é haver mais partidos, e quando há eleição majoritária, é concentrar o número de partidos. Não é só que há muitos partidos, mas muitos com representação, com capacidade de estar no congresso. Isso também torna o sistema de governo mais difícil, porque é preciso negociar com muitas bancadas e muitos interesses partidários diferentes”, explica o cientista político.

O pesquisador buscou descrever o mecanismo causal da fragmentação ao longo do tempo, demonstrando a interconexão entre o fenômeno nas arenas municipal, estadual e federal. O que ocorre em uma esfera, diz, impacta outra, já que os resultados conquistados são mobilizados no pleito seguinte. Há uma propagação top-down, do estadual para o local, e bottom-up, do local para o estadual. Quando um partido recebe bastante voto para deputado estadual ou federal em um município, que é a unidade de votação, a agremiação já concorre na próxima eleição municipal com vantagem, porque irá conseguir movimentar os mesmos recursos e eleitores, aponta o pesquisador. “O candidato e o partido conseguem mobilizar recursos de forma mais eficiente do que um candidato que nunca se candidatou ali, por exemplo. Se vai bem para estadual, tem vantagens e tende a ir bem para vereador ou para prefeito.”

Partidos com melhor desempenho nos estados têm melhores chances de ampliar a cobertura eleitoral nas eleições municipais, estreando em municípios onde não concorriam antes e lançando candidaturas mais fortes para vereador ou prefeito. Além disso, segundo Faganello, o desempenho municipal dos partidos nas eleições estaduais depende de uma estratégia na formação de alianças na eleição para governador. Quando há acúmulo de capital eleitoral e cadeiras municipais, o partido pode negociar a entrada em uma coligação que tenha maior chance de sucesso nas eleições legislativas estaduais. Por outro lado, “se o partido é muito bom na arena estadual, ele tende a ir muito bem na municipal. Se mais partidos vão bem na arena estadual, haverá mais partidos indo bem na municipal, e assim por diante, porque a esfera municipal também gera impacto na estadual. Você passa a ter, então, uma espécie de bola de neve”, sintetiza.

Em outra faceta da arena, o cientista político explica como um partido que conquista a presidência pode ter suas bases ampliadas em outras esferas. “Quando o PT ganhou em 2002, não era um partido que tinha muitas bases municipais. Mas, na eleição de 2006, ele ganhou muitas prefeituras, principalmente na Bahia, onde existiam muitos municípios dominados pelo PFL, hoje DEM. O PT tinha a máquina para si e avançou sobre as bases municipais, sobre o eleitorado, e isso perdura até hoje”, exemplifica.

Outro fator que incide sobre a fragmentação partidária é a migração, quando políticos saem de um partido e filiam-se a outro. Faganello verificou, em sua tese, que as negociações com esse fim visam aumentar as chances de vitória dos partidos. “Se um partido não está em um território, vale a pena chamar um candidato de outro partido [que tenha sucesso naquela região] para migrar”, indica.

Ampliando-se as chances de vitória, amplia-se também a fragmentação dos sistemas partidários, já que os partidos conseguem se tornar competitivos já na sua primeira eleição.

Consequências

A fragmentação eleitoral, além de tornar mais difícil a governabilidade, pelo fato de o Executivo ter que negociar com mais bancadas, tem relação com o distanciamento dos cidadãos da política. “O fato de termos muitos partidos torna o sistema confuso para o eleitor. Você não consegue dizer qual a identidade dos partidos, que tendem a ser voltados a interesses próprios, e isso afeta a qualidade da democracia”, aponta Faganello.

A tese, segundo o pesquisador, ajuda a entender a questão e até a pensar em como contorná-la. Um dos problemas identificados, por exemplo, foi solucionado em parte na eleição de 2021. Com mudanças na regra de composição de distribuição de cadeiras no Legislativo, proibindo a distribuição de cadeiras para coligação. Como consequência, a fragmentação caiu em 2022.

“Esse era um elemento que estava na minha tese e que potencializava a fragmentação, porque fazia com que pequenos partidos que tivessem poucos recursos, mas eleitorado concentrado, conseguissem ganhar cadeiras por meio da distribuição de sobra. Era um sistema que premiava pequenos partidos e ampliava a fragmentação”, afirma o cientista político, que, agora, está realizando estágio de pós-doutorado na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Faganello continua com seu tema de pesquisa, focado na conquista de prefeituras no Brasil todo.

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