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Um levantamento inédito dos moluscos do país

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Trabalho integra projeto público e gratuito que tornará disponíveis informações sobre a biodiversidade brasileira

O pesquisador Fabrizio Machado: “Não há como propor um plano de conservação se não conhecermos as espécies”
O pesquisador Fabrizio Machado: “Não há como propor um plano de conservação se não conhecermos as espécies”

Mais de 30 pesquisadores de 25 instituições mobilizaram-se para um levantamento inédito sobre os moluscos que habitam o Brasil. Sob a coordenação do pesquisador colaborador do Departamento de Biologia Animal (DBA) do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp Fabrizio Machado, os cientistas catalogaram, até março, 3.552 espécies, todas já disponíveis para consulta no Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil (CTFB). O mapeamento compõe o Catálogo da Vida, projeto que irá compilar a biodiversidade do país. No levantamento, será possível encontrar informações sobre todas as espécies da fauna, flora, microrganismos, fungos e fósseis já registradas no território nacional.

Projeto pioneiro na América do Sul, coordenado pela pesquisadora Rafaela Forzza e sob a responsabilidade do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o Catálogo da Vida irá reunir grande parte dos catálogos on-line já existentes, como os de fauna e flora. A ideia surgiu em 2008, com o registro da flora brasileira. Em 2015, ganhou a base de dados relativa à fauna. Em 2023, microrganismos e fósseis integrarão o mapeamento.

Apesar de o continente sul-americano ser formado por países que abrigam uma grande biodiversidade, o Brasil é o único com uma catalogação completa da fauna e da flora. Uma das principais razões da importância desse mapeamento, segundo Machado, é embasar planos de conservação. “Só conservamos aquilo que conhecemos. Isso já é um clichê na biologia da conservação e é verdade. Nãocomo propor um plano de conservação se não conhecermos as espécies”, afirma.

Em 2015, conta, cientistas reunidos no Congresso de Zoologia decidiram começar um levantamento do reino animal, já que à época existia apenas o catálogo que reunia informações sobre as plantas. Mais de 500 zoológos se uniram para o trabalho, que utilizou o mesmo formato de plataforma já existente para a flora.

Em relação aos moluscos, segundo o biólogo, havia levantamentos, porém dispersos e, em parte, desatualizados. “Compilamos e atualizamos a parte taxonômica do catálogo, reunindo pela primeira vez todas as espécies de moluscos marinhos, terrestres e de água doce em uma única publicação. Fomos lapidando tudo até chegar às 3.552 espécies válidas do Brasil. É a fotografia mais recente de moluscos do país, cuja atualização é feita em tempo real.”

Essa primeira compilação sobre os moluscos deu origem ao artigo “How many species of Mollusca are there in Brazil? A collective taxonomic effort to reveal this still unknown diversity” (Quantas espécies de Mollusca existem no Brasil? Um esforço taxonômico coletivo para revelar essa diversidade ainda desconhecida), aceito para publicação pela revista Zoologia. Contudo, desde a finalização do artigo até o momento, mais de 20 espécies já foram acrescentadas ao levantamento, evidenciando o caráter dinâmico do trabalho.

Esforço coletivo

Sob a coordenação de Machado e do professor Luiz Ricardo de Simone (Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo), participaram do levantamento outros 33 cientistas. Da Unicamp, vieram o professor Flávio Passos e o pesquisador colaborador Marcel Miranda, ambos do DBA e os únicos cientistas no Hemisfério Sul a estudarem os Aplacophora, moluscos vermiformes, geralmente milimétricos, que vivem em águas profundas do oceano. Há dificuldade para estudá-los, pois os custos dos equipamentos necessários para chegar ao mar profundo são altos.

Assim como os moluscos Aplacophora, há outros animais do filo que, apesar de numerosos, não são tão conhecidos como lulas, polvos, mexilhões e caracóis. “Esse é o segundo maior grupo de invertebrados depois dos artrópodes – que inclui os insetos. Conhecidos pelas conchas, há vários moluscos de importância econômica, porque são alimento. Já outros são pragas, vetores de doenças... Então, eles estão na nossa vida”, aponta Passos, explicando ainda que os moluscos são reguladores das teias alimentares, podendo ser predadores ou presas. Seus hábitos alimentares são variados e, por isso, podem estar em todos os pontos nas cadeias alimentares.

A diversidade desses animais, para Miranda, é um dos motivos da complexidade em catalogá-los. Por essa razão, o esforço do levantamento para o Catálogo da Vida é tão importante. “É difícil compilá-los porque não temos especialistas para todos os grupos. São muitas famílias de moluscos, mais de 300 no Brasil, e temos especialistas que estudam cerca de 120 delas. Essa é uma das dificuldades. Já houve iniciativas anteriores, mas é a primeira vez que conseguimos efetivamente fazer um esforço coordenado de pesquisadores de todo o Brasil para entender o que conhecemos ou não de moluscos até o momento”, pontua.

Os pesquisadores reuniram pela primeira vez, em uma única publicação, todas as espécies de moluscos marinhos, terrestres e de água-doce
Os pesquisadores reuniram pela primeira vez, em uma única publicação, todas as espécies de moluscos marinhos, terrestres e de água-doce

Múltiplos usos

O Catálogo da Vida tem grande importância científica, servindo de base para diversas pesquisas, mas vai além disso. Será útil também a órgãos de fiscalização do Estado brasileiro. Fiscais nas alfândegas e em outras operações poderão utilizar a base de dados para a identificação das espécies. Dessa forma, poderão reconhecer animais ameaçados, cuja venda e transporte são proibidos, destacam os pesquisadores.

“Não temos nem ideia das possibilidades desse catá- logo, porque são muitas, desde uma criança que queira identificar uma conchinha que achou na praia até um megaprojeto de pesquisa ou uma apreensão de material. São possibilidades gigantescas”, indica Passos.

Atualmente, o CTFB está passando por uma reformulação para possibilitar a inserção de novos da- dos, como fotografias, e dar um design mais atual. Já o Catálogo da Vida, ainda em construção, irá contar com a participação de mais de mil pesquisadores e reúnirá as mais de 125 mil espécies de animais e cerca de 50 mil de plantas e fungos no país.

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