Edição:
692
Campinas,
a
Acesse a íntegra da edição

Pesquisa confirma riscos da covid na gestação

Página
3
Autoria

Parto prematuro, depressão pós-parto e atraso no desenvolvimento da criança foram alguns dos efeitos evidenciados em tese

Pesquisa conclui que, mesmo nos casos leves em pacientes não vacinadas, a covid-19 pode trazer consequências negativas
Pesquisa conclui que, mesmo nos casos leves em pacientes não vacinadas, a covid-19 pode trazer consequências negativas

Assim que os primeiros casos de covid-19 surgiram no Brasil, a infectologista Carolina Damasio percebeu que era preciso acompanhar de perto os efeitos da doença em gestantes. Na época, não se sabia que grávidas compunham um grupo de risco para a infecção, mas a experiência anterior com o vírus da zika e trabalhos mostrando que outros coronavírus poderiam ter impacto na gravidez colocaram a especialista em alerta. Coordenadora de um ambulatório de doenças infecciosas na gestação, Damasio sabia ser uma questão de tempo até as primeiras pacientes infectadas aparecerem e, prudentemente, decidiu coletar os dados dessas mulheres para investigar possíveis desfechos desfavoráveis.

Três anos e uma tese de doutorado depois, a conclusão é clara: mesmo nos casos leves em pacientes não vacinadas, a infecção por covid-19 pode trazer consequências negativas tanto para a mãe como para o bebê. Alterações registradas em exames de imagem, covid longa, parto prematuro, depressão pós-parto e atraso no desenvolvimento da criança foram alguns dos efeitos apontados na tese, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O resultado serve como um lembrete sobre o fato de que a gravidez é uma condição de alto risco no caso de infecções e visa conscientizar a sociedade sobre a importância de desenvolver políticas com o objetivo de contribuir para superar os efeitos negativos da pandemia.

A médica explica que os primeiros anos de vida são um momento crucial para o desenvolvimento do potencial da criança. Se não houver cuidado durante esse período, efeitos negativos poderão manifestar-se nas próximas gerações, também na forma de uma piora em indicadores de saúde, educação e violência. “Tudo o que aconteceu [relativo à pandemia de covid-19] foi muito negativo para o desenvolvimento infantil. Precisamos olhar com muito cuidado para o binômio mãe-filho a fim de conseguir diagnosticar mulheres com depressão e enviar crianças com atraso de desenvolvimento para programas de estímulo precoce, senão teremos que lidar com as consequências lá na frente”, salienta.

O estudo foi realizado no Centro de Ensino e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, localizado em Macaíba, município da Região Metropolitana de Natal, no Rio Grande do Norte, onde Damasio atua como preceptora médica. Em um primeiro momento, ocorreu o acompanhamento de 172 gestantes – 84 com covid-19 e 88 sem a doença –, entre abril de 2020 e julho de 2022. Como o estudo iniciou-se em 2020, foi possível levantar informações sobre a covid longa, efeito que, na época, ainda era desconhecido dos profissionais da área de saúde.

“Mesmo após o término da doença, as pacientes retornavam com sintomas como falta de ar, perda de olfato e dor de cabeça. Tivemos, então, que acolher essas mulheres e continuar observando esses sintomas, inclusive após o parto”, comenta a médica. “Para se ter uma ideia, cerca de 80% das gestantes tiveram sintomas persistentes após a infecção, o que foi uma prevalência alta quando comparada com os dados que estavam sendo divulgados na época. Isso foi importante, porque até agora não existem trabalhos específicos sobre a covid longa em gestantes”, afirma.

A professora Lilia Li, orientadora da tese: “Nas próximas pandemias, temos que entender que gravidez é altíssimo risco para qualquer coisa”
A professora Lilia Li, orientadora da tese: “Nas próximas pandemias, temos que entender que gravidez é altíssimo risco para qualquer coisa”

Acompanhamento de bebês

A segunda etapa do estudo envolveu o acompanhamento, ao longo de um ano, de 127 bebês nascidos das gestantes da primeira fase — 69 no grupo exposto à doença e 68 no grupo controle. Entre os principais achados, está o fato de que 21,7% dos bebês que tiveram contato com o vírus nasceram de parto prematuro, enquanto apenas 8,8% do grupo controle nasceu antes do tempo. Entre as crianças diagnosticadas com “provável atraso no neurodesenvolvimento”, 20,3% pertenciam ao grupo exposto, enquanto 5,9% faziam parte do controle. Além disso, 10% dos filhos de mulheres que tiveram covid-19 na gravidez apresentaram resultados anormais na ultrassonografia transfontanela, que avalia lesões cerebrais no recém-nascido. A pesquisa constatou também que 31% dos bebês de mães que tiveram covid-19 apresentaram dificuldades no desenvolvimento durante o primeiro ano de vida.

Segundo Damasio, é muito provável que o atraso no neurodesenvolvimento das crianças esteja relacionado à exposição intrauterina, porque essa relação já havia sido reportada em outras epidemias de viroses respiratórias, como SARS, MERS e influenza. “Sabe-se que ser exposto a uma infecção materna pode estar relacionado a desfechos negativos, às vezes de longo prazo, para o bebê. Sabemos que existem outros fatores, como o isolamento social durante a pandemia, que também podem ter contribuído com o atraso de desenvolvimento, mas fizemos os testes estatísticos para eliminar outros fatores, inclusive o da prematuridade, e continuamos vendo mais atraso de desenvolvimento em bebês cujas mães tiveram covid-19”, relata.

Por esse motivo, a professora Lilia Li, que orientou a tese de Damasio, defende a necessidade de gestantes serem consideradas um grupo prioritário em qualquer tipo de pandemia, uma vez que mesmo quadros leves podem gerar impactos de longo prazo para as futuras gerações. “Precisamos ter esse olhar mais agudo. Por isso, a importância da vacinação, já que o vírus não traz imunidade permanente, e estamos vendo o SARS-CoV-2 sofrendo mutações. Novos estudos têm mostrado que o risco de pandemias tem aumentado com a degradação do ecossistema. Então, nas próximas pandemias, temos que entender que gravidez é um fator de altíssimo risco para qualquer coisa”, alerta a docente, que coordena  o grupo de Neuroeducação do Cepid BRAINN da Fapesp.

Atualmente, a pesquisa encontra-se em uma terceira fase, voltada à promoção da saúde mental das gestantes  e do vínculo entre mãe e bebê. Para isso, a médica criou uma metodologia de intervenções virtuais a ser testada com essas pacientes, que receberão informações sobre como estimular o desenvolvimento dos bebês e promover  o autocuidado. O objetivo do trabalho é verificar se esse tipo de orientação ajuda a reduzir o número de casos de depressão pós-parto, a estimular o vínculo materno-infantil e a incentivar o desenvolvimento psicomotor da criança. Se os resultados forem positivos, a autora espera transformar esse projeto em uma política pública para as famílias mais vulneráveis.

twitter_icofacebook_ico