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Grupo busca desvendar universo invisível dos fungos endofíticos

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Laboratório pesquisa mecanismos químicos em interações com espécies vegetais

Amostra de fungo endofítico no Laboratório de Biologia Química Microbiana: estudo abre frentes no campo de controle de pragas agrícolas
Amostra de fungo endofítico no Laboratório de Biologia Química Microbiana: estudo abre frentes no campo de controle de pragas agrícolas

Desvendar os processos químicos envolvidos na colonização de espécies vegetais por alguns tipos de fungos é o objetivo de um projeto de pesquisa do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. Realizado no Laboratório de Biologia Química Microbiana (Labioquimi), sob coordenação da professora Taícia Fill, o estudo vai analisar os processos químicos envolvidos na interação entre certos tipos de plantas e fungos, chamados endofíticos, que colonizam os tecidos internos desses vegetais sem causar doenças. O projeto foi contemplado pela sexta chamada pública de apoio à ciência do Instituto Serrapilheira, com financiamento aprovado de R$ 695 mil ao longo de cinco anos, além de um bônus de 30% para projetos de diversidade e inclusão em ciência. Os recursos serão destinados à compra de insumos e ao pagamento de bolsas de estudo.

“Os microorganismos patogênicos são muito estudados, com mecanismos muito bem estabelecidos na literatura, mas os fungos endofíticos, não. As estratégias químicas para a colonização de suas respectivas plantas hospedeiras ainda não são conhecidas”, explica Fill. A partir da compreensão desses mecanismos, o estudo abre caminhos para o desenvolvimento de novos produtos de controle de pragas agrícolas, sobretudo as provocadas por fungos patogênicos, aqueles que causam doenças nos vegetais.

Fábricas de moléculas

Os fungos são seres vivos tão complexos e peculiares que compõem um reino próprio, o Fungi. Eles participam de diversos processos naturais importantes para a dinâmica da natureza, como a digestão de nutrientes e a decomposição de matéria orgânica. Os produtos de seu metabolismo também apresentam importantes aplicações na vida humana, desde o fermento utilizado na panificação até a produção de antibióticos. “Os fungos são verdadeiras fábricas de moléculas interessantes, com aplicações diretas em nossa vida cotidiana”, define a professora, chamando atenção para o quanto alguns desses processos ainda são desconhecidos. “É um universo invisível aos nossos olhos.”

Uma de suas características principais manifesta-se na forma de interação com outros seres, quando podem ocasionar danos aos organismos hospedeiros ou viverem em simbiose com eles. Esse segundo tipo de interação intriga a comunidade científica, tendo motivado a iniciativa de pesquisa do Labioquimi. O objetivo é analisar quais substâncias produzidas pelos fungos endofíticos e pelas células vegetais permitem essa interação sem que haja prejuízo à planta. A hipótese dos pesquisadores é a de que, ao colonizar uma planta junto da qual se comporta como endofítico, o fungo passa a produzir substâncias capazes de driblar o sistema imune dos vegetais, tornando a simbiose possível.

O estudo lançará mão de dois exemplares isolados do fungo Penicillium brasilianum. Um deles atua como endofítico ao colonizar a planta Melia azedarach, uma espécie ornamental, e outro apresenta caráter patogênico em cebolas (Allium cepa). A partir da comparação dos dois isolados, será possível verificar quais substâncias produzidas pelo endofítico poderiam, potencialmente, auxiliar na simbiose.

Nas análises já realizadas, foi possível identificar que o endofítico produz uma substância que contém, em sua estrutura, unidades de uma molécula usada pelas plantas como resposta ao ataque de microrganismos. “As plantas têm um mecanismo de defesa conhecido como resistência adquirida sistêmica. Quando há o contato com um agente patogênico, esse mecanismo deixa a planta inteira em alerta. Mesmo nas partes mais distantes do vegetal, há o acúmulo dessas pequenas moléculas”, detalha Fill. A ideia dos pesquisadores envolvidos no projeto é que o fungo sequestra essas moléculas de defesa da planta para a elaboração do produto natural sintetizado por ele próprio. Assim, o fungo consegue escapar dos mecanismos de defesa da planta, o que permite uma colonização assintomática.

Essa hipótese será testada por meio de procedimentos em que serão gerados fungos modificados geneticamente, incapazes de sintetizar o composto natural e a molécula de defesa da planta. Eles serão inoculados em exemplares da Melia azedarach cultivados in vitro e a interação será observada, verificando a habilidade do fungo de estabelecer uma relação simbiótica com a planta.

A professora Taícia Fill, coordenadora das pesquisas: “Os fungos são verdadeiras fábricas de moléculas interessantes”
A professora Taícia Fill, coordenadora das pesquisas: “Os fungos são verdadeiras fábricas de moléculas interessantes”

Estratégias de biocontrole

Segundo a pesquisadora, as investigações a respeito da bioquímica dos fungos endofíticos ampliam o conhecimento também sobre a fisiologia das próprias plantas, além de possibilitar a criação de recursos alternativos a pesticidas nocivos à saúde, que podem, por exemplo, aumentar a resistência fúngica. “Podemos pensar no desenvolvimento de novas estratégias de controle para doenças causadas por fungos que sejam baseadas nos próprios mecanismos da natureza. Compreendê-los é o primeiro passo para isso.”

O projeto vem ao encontro de outras pesquisas coordenadas por Fill e que envolvem o combate a doenças prejudiciais à produção agrícola, sobretudo de cítricos, setor de destaque no Brasil. Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do governo federal, apontam que, nos primeiros seis meses da safra 2022/2023, o país exportou mais de 586 mil toneladas de suco de laranja, com faturamento de US$ 1,1 bilhão. Um dos focos do grupo é entender as interações patógeno-hospedeiro nos casos da doença huanglongbing, conhecida como greening. Causada, principalmente, pela bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus, a doença é a mais destrutiva da citricultura e, até hoje, não tem cura. A única solução é eliminar os exemplares doentes. “Imagine a quantidade de recursos que é perdida com essa doença?”, questiona a pesquisadora.

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