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Agroecologia produz nova classe de alimentos

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Pesquisa aponta práticas mais sustentáveis, com potencial de impactar políticas públicas, investimentos e a agricultura familiar

Pesquisador comparou o perfil de compostos voláteis em amostras de hortelã (à esqueda) e feijão carioca cultivados em três sistemas diferentes
Pesquisador comparou o perfil de compostos voláteis em amostras de hortelã (à direita) e feijão carioca (à esquerda) cultivados em três sistemas diferentes

##O uso de técnicas de cultivo agroecológicas produz uma nova classe de alimentos com propriedades sensoriais possivelmente mais acentuadas do que a dos métodos orgânicos ou convencionais, concluiu uma tese defendida no Instituto de Química. A pesquisa, desenvolvida pelo químico Luan Felipe Oliveira, foi uma das vencedoras do Prêmio de Reconhecimento Acadêmico em Direitos Humanos Unicamp – Instituto Vladimir Herzog e representa um importante passo em favor de práticas agrícolas mais sustentáveis, com o potencial de impactar políticas públicas, investimentos e a economia da agricultura familiar.

Para chegar a essa conclusão, o cientista comparou o perfil de compostos voláteis em amostras de hortelã e feijão carioca cultivados nos três sistemas agrícolas estudados. Em seu trabalho, o pesquisador verificou que os alimentos produzidos na permacultura, vertente da agroecologia, possuem maior quantidade de terpenos oxigenados, classe de compostos voláteis que apresenta mais propriedades de sabor e aroma, além de características terapêuticas, o que estaria relacionado ao fato de a agroecologia permitir maior interação dos alimentos com os seres vivos.

De acordo com Oliveira, os terpenos são os responsáveis pela comunicação das plantas com os demais seres vivos. Como o sistema agroecológico não utiliza defensivos agrícolas, essas plantas precisam estimular seu próprio mecanismo de defesa, produzindo compostos com propriedades como a de atrair os predadores dos insetos que as atacam. “Para isso, ela não apenas emite mais compostos voláteis, como libera aqueles que interagem melhor com os seres vivos. Isso estimula a biossíntese de terpenos oxigenados, o que torna o alimento mais absorvível para insetos e humanos.

Apesar de a hortelã e o feijão possuírem perfis de voláteis diferentes – na primeira predominam os terpenos e no segundo há uma diversidade maior de compostos –, no sistema agroecológico o metabolismo de ambos os grupos registrou a biossíntese de terpenos oxigenados. Esse tipo de terpeno é melhor absorvido pelos seres vivos quando comparado com os hidrocarbonetos – que predominaram, segundo a pesquisa, nos sistemas é uma função associada convencional e orgânico –, sugerindo que a oxigenação às propriedades ecológicas da agroecologia e corroborando os resultados obtidos. 

Uma das principais inovações da pesquisa foi o uso de estratégias metabolômicas – campo das chamadas ciências "ômicas", que estuda os produtos do metabolismo de um sistema biológico – para diferenciar os alimentos agroecológicos, orgânicos e convencionais. Em geral, as técnicas tradicionalmente utilizadas na ciência de alimentos funcionam apenas para quantificar e determinar compostos de interesse específicos, mas, com a nova estratégia, é possível investigar uma quantidade maior de substâncias mesmo sem saber o que será identificado.

Para fazer essa análise, Oliveira contou com a experiência adquirida no Laboratório de Bioanalítica e Ciências Ômicas Integradas (LaBIOmics), coordenado pela professora Alessandra Sussulini, orientadora da tese. “Foi muito interessante porque nós aplicamos várias ferramentas do estado da arte da química analítica para estudar um problema que afeta a todos, que é a questão da agricultura. Com isso, nós pudemos observar que realmente a agricultura sustentável traz mais benefícios, tanto em termos ecológicos como para os consumidores”, comenta a docente.

A professora Alessandra Sussulini, orientadora do estudo: “Aplicamos várias ferramentas do estado da arte da química analítica para estudar um problema que afeta a todos”
A professora Alessandra Sussulini, orientadora do estudo: “Aplicamos várias ferramentas do estado da arte da química analítica para estudar um problema que afeta a todos”

Método de autenticação 

A expectativa de Oliveira é que a pesquisa funcione como um método de autenticação do sistema de cultivo agroecológico, que se caracteriza por desenvolver técnicas que imitam os padrões da natureza. Isso é feito com o uso de interações ecológicas responsáveis por afastar e controlar insetos e microrganismos, suprimindo o gasto excessivo de água ou o uso de fertilizantes e apelando a outras lógicas que não a do mercado. Trata-se de uma mudança considerável em relação ao sistema convencional – voltado à produção em larga escala de monoculturas em longas extensões de terra – ou mesmo ao orgânico, que, embora busque minimizar os impactos do sistema industrial, ainda produz alimentos em grandes quantidades e com o uso de biopesticidas.

“Na agroecologia, se eu quiser plantar um feijão, em vez de utilizar defensivos, eu vou fazer esse cultivo junto com alguma planta que tenha a capacidade de afastar as pragas que normalmente atingem o feijão”, esclarece o autor. “Mas, apesar do diferencial, os produtores não têm essa prática reconhecida e geralmente comercializam seus alimentos como orgânicos. Então, o estudo pretende ajudar comunidades de agricultura familiar e outros movimentos sociais que trabalham com agroecologia a serem remunerados por esse esforço adicional, demonstrando que esse é um sistema de cultivo que traz benefícios”, sugere o químico.

Atualmente, Oliveira atua como pesquisador de pós-doutorado na Universidade Texas A&M, nos Estados Unidos, onde utiliza técnicas de química analítica para estudar reações de redução de CO2, na qual a molécula de gás carbônico é transformada em compostos de maior valor agregado, como o etanol. O objetivo do pesquisador, que sempre se interessou pelo tema do meio ambiente, é um dia integrar um laboratório dedicado à ciência analítica aplicada ao desenvolvimento de soluções garantir a sustentabilidade em áreas como agricultura, biorrefinarias e poluição.

Para o pesquisador, finalizar sua formação como cientista recebendo o Prêmio de Reconhecimento Acadêmico em Direitos Humanos Unicamp – Instituto Vladimir Herzog é uma grande realização do ponto de vista pessoal, mas também um reconhecimento da importância de atuar com o tema da agroecologia. “Essa é uma conquista de todos que a defendem, principalmente dos pequenos agricultores. Esse prêmio pode contribuir para que se realizem mais estudos, para que mais recursos sejam mobilizados e para a aceleração da transição rumo a uma agricultura sustentável”, comemora.

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