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Investir em tecnologias garante segurança aos trabalhadores

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Pesquisa abre caminhos para pensar no bem-estar de pessoas que trabalham em contato com recursos digitais

A pesquisa constatou ganhos práticos e conceituais para a segurança no trabalho no caso de empresas que investiram em tecnologias
A pesquisa constatou ganhos práticos e conceituais para a segurança no trabalho no caso de empresas que investiram em tecnologias (Foto: Ümit Yildirim/Unsplash)

A presença de tecnologias digitais é cada vez mais intensa na vida cotidiana. O surgimento de novos recursos e dispositivos conquista os usuários com a promessa de tornar o dia a dia mais prático. A indústria brasileira, entretanto, não acompanha esse ritmo de digitalização. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje, a indústria de transformação representa 12,3% do Produto Interno Bruto (PIB) – somada a outros setores industriais, a participação chega próximo aos 23%. Em termos de inovação, o Brasil se encontra na posição 54 de 132 países avaliados pelo Índice Global de Inovação de 2022, elaborado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Wipo – na sigla em inglês). Em relação ao Ranking de Competitividade Digital, organizado pelo Centro de Competitividade Mundial (WCC – na sigla em inglês), o país está na 54ª posição entre 64 nações.

Os ganhos com a incorporação de tecnologias digitais nas indústrias revertem-se em maior produtividade. Além disso, essa mudança tem o potencial de trazer mais segurança e qualidade de vida aos ambientes de trabalho. Essa é a constatação de uma pesquisa de doutorado realizada pelo engenheiro Rodrigo Roscani, com orientação da professora Inês Monteiro, na Faculdade de Enfermagem (Fenf) da Unicamp, na área de Cuidado e Inovação Tecnológica em Saúde e Enfermagem.

Por meio da aplicação de questionários e da realização de entrevistas com gestores de diferentes indústrias, o estudo verificou que o investimento de empresas em digitalização resulta em ganhos na segurança e no bem-estar, ao mesmo tempo que gera maior produtividade. “A segurança e a produtividade estão interligadas”, destaca Roscani. A pesquisa abre espaço para se pensar na relação entre tecnologias e a segurança em setores que vão para além das linhas de produção, desde aqueles que lidam com serviços imateriais até novas modalidades de trabalho, como as empresas que adotam regimes híbridos e o home office.

O engenheiro Rodrigo Roscani, autor do estudo: “A segurança e a produtividade estão interligadas” (Foto: Antonio Scarpinetti)
O engenheiro Rodrigo Roscani, autor do estudo: “A segurança e a produtividade estão interligadas” (Foto: Antonio Scarpinetti) 

Mais seguros e produtivos

O contato do pesquisador com a área de segurança no trabalho tem relação direta com sua atuação profissional. Formado em Engenharia Mecânica, Roscani, desde o início de sua carreira atuou com engenharia de processos e gestão, além de ter trabalhado com segurança e saúde do trabalho como presidente de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), quando teve a oportunidade de propor abordagens sobre a segurança no trabalho que estivessem integradas com os demais setores industriais. “Minha ideia era conscientizar que todos são responsáveis pela segurança no trabalho, não apenas os membros da Cipa”, lembra.

Após o mestrado, cursado na Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), em que analisou os riscos de sobrecarga térmica para cortadores de cana-de-açúcar, seu projeto de associar tecnologias à segurança no trabalho veio ao encontro das pesquisas multidisciplinares desenvolvidas pela Fenf. “Esse é um tema muito novo. Não havia modelos de questionários e pesquisas que levassem em conta a segurança no trabalho e o uso de tecnologias”, aponta Monteiro. Segundo os pesquisadores, mesmo em países cuja incorporação tecnológica pela indústria é mais avançada, como a Alemanha, não foi possível encontrar instrumentos científicos que pudessem ser replicados no Brasil, fato que exigiu a elaboração de um questionário inédito e específico para a realidade nacional.

Durante o estudo, Roscani elencou quatro grupos de tecnologias digitais que são incorporadas aos processos produtivos: robôs, recursos de realidade virtual, dispositivos digitais vestíveis (como luvas e capacetes) e recursos de internet das coisas (IoT – na sigla em inglês). O pesquisador aponta dois entraves principais para a sua incorporação. “No Brasil, porque as tecnologias ainda são muito caras. Hoje, mais de 90% das empresas do país são pequenas, e esse tipo de investimento não é uma realidade acessível. Além disso, o mercado não conta nem mesmo com profissionais qualificados para lidar com as novas tecnologias”, analisa. Segundo ele, trata-se de um processo que demandará tempo. “É algo que começa nas grandes empresas, se estabelece no mercado e depois permeia as pequenas.”

No caso das empresas que investiram em tecnologias, a pesquisa constatou ganhos práticos e conceituais quanto à segurança no trabalho. Em um primeiro momento, funções mais insalubres passaram a ser desempenhadas por equipamentos sem que isso resultasse na eliminação de postos de trabalho. “Os funcionários foram realocados em funções com maior grau de bem-estar”, explica. Já no aspecto da cultura de trabalho, a segurança passou a ser vista como um componente da elaboração de projetos. “Eu me surpreendi ao constatar que, em vários casos, o investimento foi feito com a justificativa de aumentar a segurança, mesmo sem ganhos expressivos de produtividade. Os aspectos de segurança estão bastante integrados às demais esferas do trabalho”, destaca o pesquisador.

Para Inês Monteiro, orientadora da tese, os trabalhadores devem ser donos do seu próprio tempo  (Foto: Antonio Scarpinetti)
Para Inês Monteiro, orientadora da tese, os trabalhadores devem ser donos do seu próprio tempo  (Foto: Antonio Scarpinetti)

Novas formas

A pesquisa de Roscani abre caminhos para novos estudos na área da segurança no trabalho, devido às novas modalidades e aos novos ambientes profissionais. Monteiro explica que, se antes a preocupação era a prevenção de acidentes, hoje as empresas devem pensar em como contribuir para que seus funcionários sejam donos de seu próprio tempo e de seu bem-estar. “As pessoas passam parte considerável da vida no trabalho. Por isso, há o pensamento de se investir na segurança do trabalhador para que ele tenha uma vida profissional prolongada, dentro de um tempo adequado. E, quando essa trajetória terminar, para que ele ainda esteja bem para desfrutar sua vida”.

Segundo a professora, a União Europeia começa a discutir formas de bem-estar no trabalho em um contexto mais amplo que, hoje, inclui os ambientes corporativos e o home office. Para a orientadora, é preciso olhar para esses desafios, que vão desde a ergonomia e a organização do ambiente de trabalho em casa até o respeito à carga de trabalho e ao espaço privado, que pode ser invadido pelos recursos de comunicação digital usados pelas empresas. “Mesmo com o fim da pandemia, muitos setores não voltaram e não voltarão para o trabalho presencial”, afirma.

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