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Campinas,
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Fluente como um bom romance, dinâmico como a ciência

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Professor da Faculdade de Engenharia Química lança livro didático sobre mecânica dos fluidos 

O universo lúdico, de aviões de papel a paraquedas feitos com saco plástico, sempre esteve presente na infância de Sávio Vianna
O universo lúdico, de aviões de papel a paraquedas feitos com saco plástico, sempre esteve presente na infância de Sávio Vianna

O encantamento com um universo que, mais tarde, seria parte importante de sua carreira acadêmica já estava presente nas brincadeiras da infância de Sávio Vianna, professor da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp. Entre paraquedas feitos com sacos plásticos e barbantes para bonecos Playmobil, aviões de jornal e pequenos riachos formados na sarjeta pela água que escorria na lavagem dos carros, os fenômenos intrigavam a mente do futuro cientista. “Sempre fui apaixonado pela mecânica dos fluidos, mas não sabia disso.”

Possibilitar que estudantes sintam o mesmo entusiasmo com um conteúdo central para diversas áreas foi o objetivo do professor ao escrever o livro didático Mecânica dos Fluidos: uma abordagem fluida e dinâmica (E-papers, 2023), no qual Vianna utiliza suas experiências em sala de aula para oferecer a alunos de graduação e pós-graduação um instrumento que facilite seus estudos.

Organizada em nove capítulos e três apêndices, que abordam teorias, fenômenos, cálculos e equações utilizadas para o estudo do movimento dos fluidos, a obra foi concebida como uma ferramenta que apresentasse conceitos e explicações sólidas de uma forma leve. “Meu grande desafio era montar um livro que tivesse o formalismo matemático necessário, que descrevesse as equações e passasse aos alunos os fundamentos, mas de forma acessível. Um material que os estudantes pudessem levar para toda parte”, lembra Vianna.

O engenheiro revela que a preocupação com a leveza não diz respeito apenas à abordagem do tema: “O conteúdo de mecânica dos fluidos é enorme. Os livros costumam ter mais de 500 páginas. Mesmo que um estudante cursasse apenas essa matéria, já seria difícil estudar com os materiais disponíveis”.

A experiência do professor em sala de aula teve início quando ainda cursava o doutorado. Em sua trajetória, Vianna teve contato com diferentes modos de transmitir conhecimentos adotados em diversos países, entre os quais o Brasil, a Colômbia, os Estados Unidos e o Reino Unido. Nestes dois últimos, conta que a dinâmica de ensino é bastante diferente.

“Percebi nessas experiências que o professor é um apresentador de conteúdos, enquanto o estudante faz as coisas sozinho. Os alunos têm muito mais trabalho fora da sala de aula, individualmente ou em grupos, do que especificamente assistindo às aulas.” A partir dessa bagagem acumulada, somada à consciência das dificuldades enfrentadas para desenvolver autonomia no estudo, o professor começou a elaborar notas de aula e materiais complementares. Esse foi o embrião do livro.

O professor Sávio Vianna, autor do livro: “Quanto mais humana for minha abordagem, mais eu consigo me aproximar dos alunos"
O professor Sávio Vianna, autor do livro: “Quanto mais humana for minha abordagem, mais eu consigo me aproximar dos alunos"

Contextualizar e comunicar

A obra tem início com o próprio conceito de fluido — tudo aquilo que se deforma ao ser submetido a uma tensão cisalhante, tangente à área de aplicação da força, como líquidos, gases e compostos viscosos — e as teorias científicas a ele relacionadas, passando pelas bases da álgebra tensorial aplicada a seus estudos. Posteriormente, são explorados conceitos como estática, escoamento, conservação de massa e turbulência.

Todos os capítulos começam com trechos que contextualizam os temas para, em seguida, trabalhar os cálculos e equações utilizadas. Ao final de cada capítulo, são propostos exercícios e oferecidas referências para os estudantes que quiserem se aprofundar em temas específicos. “Elaborei um número reduzido de exercícios, que cobrisse todo o conteúdo dos capítulos, mas com um nível de complexidade que, se os leitores resolverem, estarão preparados para resolver quaisquer outros”, explica.

Vianna buscou fazer com que a leitura oferecesse aos estudantes uma experiência semelhante à de assistir a suas aulas, nas quais se preocupa em imprimir um ritmo de ficção, como um romance. Os problemas são colocados contando uma boa história, cria-se um clímax durante os esforços para resolvê-los e só então dá-se o desfecho.

Outra preocupação do professor é o de sempre contextualizar o conhecimento no processo histórico da humanidade e chamar a atenção dos estudantes para o quanto a ciência é uma construção contínua e coletiva. Um exemplo dessa abordagem está no nono capítulo do livro. Para chegar à Equação de Boltzmann, utilizada na análise dos fenômenos de transporte, Vianna retoma mitos de indígenas norte-americanos e o desenvolvimento da ideia do átomo, ainda na Grécia Antiga. Esses são recursos que o autor utiliza para que os conteúdos façam sentido aos estudantes, ampliando o potencial comunicativo da obra.

PROVOCAR PARA ENSINAR

Além de oferecer aos alunos uma ferramenta de estudos, a iniciativa de escrever um livro didático traz ao docente novas questões e perspectivas para seu trabalho de pesquisa. “À medida que fazemos boas pesquisas, nos aproximamos do limiar do conhecimento. Assim, trazemos algo a mais para a sala de aula, não nos restringimos aos conceitos fundamentais. Ao mesmo tempo, as provocações feitas pelos alunos durante as aulas trazem insights para novas pesquisas”, reflete Vianna, que defende o aprendizado mútuo entre professores e estudantes. “Essa é uma via de mão dupla. Quando a pesquisa anda junto com o ensino, podemos enobrecer a sala de aula.”

O docente destaca, por exemplo, a inclusão de tópicos viabilizados pelo programa Stokes (Shock Towards Kinetic Explosion Simulation), primeiro software nacional de mecânica de fluidos computacional para modelagem de explosões, desenvolvido por seu grupo de pesquisas. “Fiz questão de que o livro fosse integralmente nacional, produzido por uma universidade pública brasileira, com simulações e softwares desenvolvidos aqui”, pontua.

Vianna avalia que outro ganho importante do livro é a possibilidade de apresentar o conhecimento sistematizado com rigor científico para os jovens de uma geração marcada pelo imediatismo. O professor conta que já há estudantes utilizando a obra para fundamentar relatórios laboratoriais e atividades didáticas, o que considera muito gratificante. "O professor deve ser um provocador em vários aspectos. Quanto mais humana for minha abordagem, mais eu consigo me aproximar dos alunos", defende.

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